Recurso Ordinário em face de sentença sobre prorrogação do prazo de validade do concurso

Páginas304-317

Page 304

EXMA. JUÍZA DO TRABALHO DA MM. 6ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA/DF

Ref.: Processo 00727-2008-006-10-00-6

O Ministério Público do Trabalho — Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região, pelo Procurador que subscreve a presente petição, vem, com amparo no art. 893, inciso II, da CLT, interpor

Recurso Ordinário

contra a decisão de fls. 281/297, requerendo a juntada aos autos da presente petição, bem como das razões anexas, e posterior encaminhamento ao egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região.

Nestes termos, pede deferimento.

Brasília, 3 de setembro de 2008.

Cristiano Paixão

Procurador do Trabalho

Page 305

EGRÉGIA TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO

Processo 00727-2008-006-10-00-6

Recorrente: Ministério Público do Trabalho

Recorrido: Banco do Brasil S/A

O MM. Juízo de 1º grau pronunciou a improcedência da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, revogando liminar anteriormente exarada nos autos de demanda cautelar, sob o argumento, em síntese, de que a conduta do réu apontada na petição inicial não estaria eivada de ilegalidade.

A r. decisão assim se manifestou em relação aos limites e fundamentos do controle judicial dos atos administrativos:

“O fato de ser o ato discricionário não significa que ao Administrador é possível a adoção de qualquer procedimento, ao seu mero alvedrio. Na realidade, trata-se não de um ato, mas sim, de um Poder Discricionário da Administração e, como tal, está afeto aos estritos limites da lei, ao princípio da legalidade, e, sob este enfoque, é que pode ser objeto de análise pelo Poder Judiciário.

Contudo, o Poder Judiciário se limita a analisar o ato discricionário sob o prisma da legalidade, uma vez que o mérito administrativo é obra do administrador, sob pena de ofensa aos princípios da separação e independência dos poderes.” (fl. 292)

No que diz respeito à conduta do banco réu, o MM. Juízo asseverou:

“O Concurso de 2006 foi aberto com o objetivo de constituir para o Réu cadastro de reserva, não havendo, pois, previsão de qualquer número de vagas a serem preenchidas, tal como se verifica dos excertos do Edital retrotranscritos.

Logo, uma vez que o réu não se vinculou, por meio de Edital o seu ato de prorrogação ou não do concurso público é, essencialmente, discricionário e, como já asseverado, apenas pode ser analisado por esta Justiça Especializada sob o aspecto da legalidade e, sob este prisma não há qualquer ilegalidade a ser declarada. A não-prorrogação do Concurso de 2006 insere-se na esfera da conveniência administrativa do

Page 306

Réu e, portanto, é vedada a interferência do Poder Judiciário sob pena de ofensa à separação dos poderes. Igualmente, exatamente por se inserir a não-prorrogação do concurso na esfera da discricionariedade do Réu, desnecessária sua fundamentação, até mesmo porque consistia em mera faculdade do Banco do Brasil.

Na realidade, o que está a postular o Autor, in casu, é que o Poder Judiciário Trabalhista se substitua ao Administrador, determinando a prorrogação de ato que já caducou e que, nesta condição, sequer poderia ser prorrogado pelo próprio Administrador.” (fls. 293/294)

E, por fim, no que se relaciona à configuração da necessidade de serviço, a r. sentença ponderou:

“Diferentemente do que está a asseverar o Autor o presente ato não se tornou vinculado em razão da necessidade do serviço. Isso porque ao aduzir tal fato, ao Autor incumbia o ônus da prova (CPC, art. 333, I, e CLT, art. 818), por traduzir fato constitutivo de seu direito. De tal obrigação o Autor não se desincumbiu, na medida em que não trouxe qualquer prova de que estaria havendo necessidade imediata de contratação de novos empregados pelo Réu. Ademais, com a abertura do Edital de 2008 a única conclusão a que se chega é que existe necessidade de manutenção de cadastro de reserva, fato que, por si só, não torna a prorrogação do Concurso de 2006 um ato vinculado.” (fls. 294/295)

Entende-se, contudo, que a sentença merece reforma.

A adequada tutela dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais envolve a percepção, que é inerente aos regimes democráticos, de que ninguém, numa sociedade que adote os pressupostos do Estado de Direito, está acima da lei, ou imune a qualquer tipo de controle. Isso é especial-mente válido em relação a entes da Administração Pública, que, exatamente em função de sua destinação pública, submetem-se aos princípios e regras estampados na Constituição da República.

Como assinalado por Michel Rosenfeld, professor de Direitos Humanos e Direito Constitucional na Cardozo Law School:

“Parece não existir uma definição amplamente aceita sobre o constitucionalismo; no entanto, pode-se dizer que o constitucionalismo moderno requer a imposição de limites aos poderes do governo, a adesão ao Estado de Direito e a proteção aos direitos fundamentais.” (Modern constitutionalism as interplay between identity and diversity. In: ROSENFELD,
M. (ed.). Constitutionalism, identity, difference, and legitimacy — theoretical perspectives. Durham and London: Duke University, 1994, p. 3 — tradução livre do subscritor das presentes razões.)

Page 307

Por outro lado, ainda segundo o entendimento do referido autor, há adesão ao Estado de Direito quando, numa determinada organização política, (1) os cidadãos estejam sujeitos apenas a leis publicamente promulgadas, (2) a função legislativa seja minimamente separada da função judicial e (3) ninguém esteja acima da lei (The rule of law, and the legitimacy of constitutional democracy. Working Paper Series. n. 36. New York: Cardozo Law School, março de 2001, p. 2 — tradução livre do subscritor das presentes razões).

Nesse contexto, a expressão “separação de poderes”, a que faz alusão a r. sentença de 1º grau, não poderá, num regime democrático, significar a concessão de um espaço privilegiado, imune a toda forma de controle, particularmente quando se trata da discussão em torno de direitos fundamentais — e sua postulação em face da conduta de ente componente da Administração Pública.

O que se percebe, no caso em tela, consoante exaustivamente demons-trado na petição inicial e na peça de fls. 257/278, é a completa ausência de fundamentação válida, pelo banco réu, para a não-prorrogação da validade do concurso, quando ficou demonstrada, de modo incontroverso, a necessi-dade de serviço, decorrente da admissão, nos primeiros dias do mês de junho do corrente ano, de 300 candidatos aprovados para o emprego público de escriturário.

Se não fosse suficiente a simples abertura de um concurso quando ainda em vigor concurso para idêntico emprego — passível de prorrogação, segundo expressa autorização do Edital —, a efetiva convocação de candidatos aprovados só vem reiterar a necessidade do serviço.

Isso, na verdade, não é negado pelo réu. Ele não se opõe à convocação de candidatos aprovados no concurso referente ao Edital de 2008. Por razões desconhecidas, ele não quer proceder à convocação dos candidatos do Edital de 2006, o que se revela desfundamentado, arbitrário e contrário aos princípios que embasam o Estado Democrático de Direito.

A questão foi apreciada, de modo absolutamente exemplar, nos autos do RE 192.568-PI, em que o Supremo Tribunal Federal definiu o campo de compreensão do instituto do concurso público.

O aresto está assim ementado:

“CONCURSO PÚBLICO — VAGAS — NOMEAÇÃO. O princípio da razoabilidade é...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT