Recurso extraordinário

AutorJúlio César Bebber
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho. Doutor em Direito do Trabalho
Páginas401-415

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24.1. Noções gerais

O recurso extraordinário tem natureza jurídica excepcional, estrita (supra, n. 3.4.2). Vale dizer: diferentemente dos recursos de natureza ordinária, se destina a assegurar, unicamente, a correta aplicação da Constituição Federal em seu aspecto objetivo. Não tem por escopo, portanto, a não ser reflexamente, a correção da injustiça da decisão.905 Por essa razão, ainda, não admite o reexame da decisão com fundamento no simples inconformismo e não permite a rediscussão de matéria de fato ou reexame de provas (Súmula STF n. 279).906

24.2. Previsão legal

O recurso extraordinário está previsto no art. 102, III, da CF e no art. 496, VII do CPC:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

  1. contrariar dispositivo desta Constituição;

  2. declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

  3. julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

  4. julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos:

VII - recurso extraordinário;

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24.3. Objeto

O recurso extraordinário, no âmbito trabalhista, se destina a impugnar as decisões proferidas em causas de única ou última instância que violarem dispositivos constitucionais ou declararem a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal (CF, 102, III, a e b).907

Como a lei local e o ato de governo local não podem disciplinar sobre direito e processo do trabalho (CF, 22, I),908 resta excluída, ao menos em tese, a possibilidade de recurso extraordinário fundado nas hipóteses das alíneas c e d do art. 102 da CF. E ainda que possível fosse debater essa matéria, o tema estaria enquadrado no art. 102, III, a, da CF, pois diz respeito "à distribuição constitucional de competência para legislar: se a lei local está sendo contestada em face da lei federal, é porque se sustenta que ela tratou de matéria que, por determinação constitucional, haveria de ser disciplinada pelo legislador federal".909

24.4. Competência para julgamento

O recurso extraordinário é julgado pelas Turmas do STF (STF-RI, 9º, III).

24.5. Admissibilidade

A admissibilidade positiva desse recurso depende da presença dos pressupostos recursais que lhe digam respeito.

Por eleger como método de estudo dos pressupostos recursais a classificação tripartida de pressupostos intrínsecos, extrínsecos e especiais (supra, n. 6.21), advirto que esse não é o método utilizado pelo STF. Para ele, o recurso extraordinário está sujeito a pressupostos intrínsecos e extrínsecos, compreendendo-se como:

  1. pressuposto intrínseco - a efetiva ocorrência de violação direta e literal de dispositivo da Constituição Federal;

  2. pressupostos extrínsecos - todos os demais (supra, capítulos ns. 7 e 8).

É de fundamental importância compreender essa técnica de que se vale o STF, a fim de ler corretamente a sua jurisprudência.

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24.5.1. Pressupostos recursais intrínsecos

Os pressupostos recursais intrínsecos exigidos pelo recurso extraordinário são:

  1. recorribilidade (supra, n. 7.2);

  2. adequação (CF, 102, III; Súmulas STF ns. 281 e 640 - supra, n. 7.3);910

  3. legitimação para recorrer (supra, n. 7.4);

  4. capacidade (supra, n. 7.5);

  5. interesse em recorrer (supra, n. 7.6);

  6. inexistência de súmula impeditiva (supra, n. 7.7).

24.5.2. Pressupostos recursais extrínsecos

Os pressupostos recursais extrínsecos exigidos pelo recurso extraordinário são:

  1. tempestividade - que para esse recurso é de 15 dias (CPC, 508 - supra, n. 8.2);

    O prazo de interposição do recurso extraordinário (CF, 102, III) fluirá com independência e autonomia em relação ao do recurso de embargos (CLT, 894, II), na hipótese de impugnação simultânea de capítulos diferentes do mesmo acórdão de Turma do TST (RI-TST, 266, § 1º - supra, n. 19. 1).911

  2. regularidade formal (supra, n. 8.3). As razões de insurgência, sob cominação de não conhecimento do recurso, devem:

    - possuir preliminar destacada fisicamente com os fundamentos necessários à demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas, ainda que se trate de matéria cuja repercussão geral é presumida912 (CPC, 543-A, § 2º - infra, n. 24.5.3.1);

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    Advirto que duas são as exigências, sobre a repercussão geral:

    (i) uma de forma - que diz respeito à localização topográfica. A alegação de que há repercussão geral deverá ser feita preliminarmente (em primeiro plano) e destacada fisicamente;

    (ii) outra material (ou de conteúdo) - que diz respeito à demonstração de que a questão constitucional debatida é relevante e ultrapassa o caso concreto, revestindo-se de interesse geral.

    No pressuposto da regularidade formal será analisada apenas a forma. Vale dizer: será analisado, unicamente, se existe preliminar destacada fisicamente alegando haver repercussão geral. A efetiva existência de repercussão geral (conteúdo), entretanto, é pressuposto recursal especial (infra, n. 24.5.3.1).

    - permitir a exata compreensão da controvérsia (Súmula STF n. 284);913

    - impugnar todos os fundamentos da decisão (Súmula STF n. 283).914

  3. representação (supra, n. 8.4);

  4. depósito (supra, n. 8.5);

  5. depósito - valor de multas impostas pelo Juízo (supra, n. 8.6);

  6. preparo (supra, n. 8.7);

  7. inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer (supra, n. 8.8).

24.5.3. Pressupostos recursais especiais

Tendo em conta que o recurso extraordinário tem natureza excepcional, alguns requisitos específicos foram eleitos para a sua admissibilidade, segundo as razões jurídicas que o fundamentam.

24.5.3.1. Repercussão geral

Como o recurso extraordinário não se destina, a não ser indiretamente, à correção da injustiça da decisão, sua admissibilidade dependerá da existência de repercussão geral da questão constitucional nele versada (CF, 102, § 3º; CPC, 543-A, caput).

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Considera-se existente a repercussão geral quando a questão constitucional se mostrar relevante dos pontos de vista econômico, político, social ou jurídico, de modo a ultrapassar os interesses subjetivos das partes915 (CPC, 543-A, § 1º; STFRI, 322, parágrafo único).916 Vale dizer: a exigência deve ser compreendida, "como o impacto significativo que a decisão recorrida assume ou tem aptidão de assumir no cenário econômico, político, social ou jurídico, indo além, consequentemente, dos interesses e direitos subjetivados em um dado e específico caso concreto".917

A repercussão geral, como se vê, conjuga dois fatores: relevância e transcendência. "A questão debatida tem de ser relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, além de transcender para além do interesse subjetivo das partes na causa. Tem de contribuir, em outras palavras, para persecução da unidade do Direito no Estado Constitucional brasileiro, compatibilizando e/ou desenvolvendo soluções de problemas de ordem constitucional. Presente o binômio, caracterizada está a repercussão geral da controvérsia."918

Presume-se, porém, a ocorrência de repercussão geral sempre que o recurso:

  1. versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida (RI-STF, 323, § 1º);

  2. impugnar decisão contrária à súmula ou à jurisprudência dominante do STF (RI-STF, 323, § 1º).919

    Demonstrando o recorrente, em preliminar destacada fisicamente, a existência de repercussão geral, ela somente poderá ser recusada pela manifestação de dois terços dos membros do STF (CF, 102, § 3º).

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    24.5.3.2. Razões fundamentadas exclusivamente em matéria de direito

    Como o recurso extraordinário tem em mira, unicamente, assegurar a correta aplicação da CF em seu aspecto objetivo, é imprescindível que a matéria nele discutida seja exclusivamente de direito.

    Não será conhecido, portanto, o recurso extraordinário quando, para correta aplicação da CF, exigir o reexame da verdade estabelecida sobre os fatos e a valoração da prova feita pelo juízo recorrido. Em outras palavras: não é admissível o recurso extraordinário para rediscutir matéria de fato ou reexaminar provas (Súmula STF n. 279).

    24.5.3.3. Razões fundamentadas em violação direta e literal de dispositivo

    da Constituição Federal

    Para alcançar a correta aplicação da Constituição Federal em seu aspecto objetivo, uma das funções assumidas pelo recurso extraordinário é a de reformar decisão proferida em causa de única ou última instância que contiver violação direta e literal de dispositivo constitucional.

    Os elementos que caracterizam essa hipótese são:

  3. Constituição Federal - a violação ocorrida deve ser de norma de status:

    - constitucional - que são os dispositivos da Constituição Federal, de Emenda Constitucional, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dos tratados internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros (CF, 5º, § 3º);

    - supralegal - que são os tratados internacionais sobre direitos humanos aprovados pelo Congresso Nacional, porém, não em dois turnos, nem por três quintos dos votos dos respectivos membros de cada Casa (CF, 5º, § 2º).

  4. violação direta - "é o próprio texto constitucional que resultou ferido, sem ‘lei federal’ de permeio".920 Se para chegar ao dispositivo constitucional for necessário analisar, primeiro...

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