O recrutamento de magistrados e a inclusão de pessoa com deficiência: uma reflexão à luz da teoria da justiça

AutorLuciano Athayde Chaves
Páginas177-203
O recrutamento de magistrados e a inclusão
de pessoa com deciência: uma reexão à
luz da teoria da justiça
The judge’s recruitment in the Brazilian judiciary and the
inclusion of the disabled person: a reection in the light of the
theory of justice
Luciano Athayde Chaves*
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
1. Introdução
O recrutamento dos magistrados sempre ocupou um lugar importante no
desenho da organização do Poder Judiciário no Brasil, inclusive pela rele-
vância que esse tema desperta nas interações entre o judiciário e a socieda-
de, mas também naquelas entre o judiciário e a política. Não é por outra
razão que, até hoje, os critérios de seleção dos juízes, mesmo em relação
à composição da Suprema Corte, constituem objeto de debates e críticas.1
O desenvolvimento das instituições republicanas, por seu turno, im-
plicou, em princípio, em uma consideração teleológica no sentido de que,
pelo menos para a magistratura prof‌issional de carreira, os juízes deveriam
ser escolhidos dentre os melhores candidatos submetidos a um concurso,
o qual, estruturado em diversas fases, teria, pelo menos em tese, a condi-
ção de revelar a meritocracia dos escolhidos. Isso sucede nomeadamente
naqueles modelos organizacionais de forte inf‌luência francesa2 , como se vê
no modelo adotado no Brasil.3
* Doutorando em Direito Constitucional (UNIFOR) e mestre em Ciências Sociais (UFRN). Professor do De-
partamento de Direito Processual e Propedêutica da UFRN. Juiz do trabalho. E-mail: lucianoathaydechaves@
gmail.com.
1 ZAFFARONI, 1995, p. 141 e ss.; DALLARI, 1996, p. 21 e ss.
2 GARAPON, 1999, p. 57
Direito, Estado e Sociedade n.52 p. 177 a 203 jan/jun 2018
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Direito, Estado e Sociedade n. 52 jan/jun 2018
Luciano Athayde Chaves
Essa realidade, ainda que não completamente alterada, sofreu impor-
tantes mudanças, nomeadamente com a introdução de regras assecurató-
rias de uma participação diferenciada de pessoas com def‌iciência (PcD),
seguindo-se uma tendência contemporânea de se garantir oportunidades a
esse estrato social. Nesse sentido, apontam normas internacionais e inter-
nas, as quais delineiam uma série de instrumentos de inclusão para a PcD
no mercado de trabalho, constituindo-se em políticas públicas que atuam
de forma positiva, com perf‌il, portanto, de ações af‌irmativas, produzindo
uma discriminação que representaria uma justa medida para as incapaci-
dades que a PcD teria para disputar vagas no mercado de trabalho.
No cenário brasileiro, como acentuam Antonia Maria Gimenes et al,4 as
estatísticas of‌iciais (Censo Demográf‌ico realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geograf‌ia e Estatística) apontam existir, em 2010,5 45,6 milhões de pes-
soas que declaram possuir alguma def‌iciência, nada menos do que 23,9%
da população brasileira, constituindo-se um grande desaf‌io a inclusão des-
se contingente, de forma adequada, no mercado de trabalho.
É preciso, contudo, ref‌letir como essas ações af‌irmativas se ajustam
ao valor de igualdade (inclusive de oportunidades) que se apresenta como
substrato fundamental nas sociedades democráticas e, por outro lado, se
os referenciais teóricos que lidam com o problema da justiça distributiva
conf‌irmam ou negam essa dimensão das ações af‌irmativas na seleção de
servidores públicos, em especial dos juízes.
A questão é relevante se levarmos em conta que essas políticas públicas
ainda recebem críticas, as quais se fundam, precipuamente, no princípio
da igualdade, a partir da ideia de meritocracia. E mais: no caso da ma-
gistratura, pelas importantes funções que desempenha na vida social, em
especial na composição dos conf‌litos, que critérios de discriminação inversa
ou reversa6 seriam justos e apropriados para assegurar o pleno exercício
dessa prof‌issão, dadas suas peculiaridades.
4 GIMENES et al, 2015, p. 3
5 Esses dados do Censo de 2010, do IBGE, estão disponíveis em: https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/
populacao/censo2010/caracteristicas_religiao_deficiencia/default_caracteristicas_religiao_deficiencia.
shtm. Acesso em: 14 mar. 2018.
6 Adota-se esse conceito no sentido que lhe emprega Paulo Gustavo Gonet Branco (2003, p. 133): “A
discriminação reversa implica selecionar, previamente, uma categoria de pessoas para receber certos bens, que,
de outro modo, seriam disputados por uma coletividade mais ampla. A discriminação reversa envolve decisão de
benef‌iciar um segmento da população, no momento de distribuir cargos, vagas em universidades, contratos com
governos, promoções no serviço público. Esses bens e interesses f‌icam subtraídos do alcance dos não-benef‌iciados
pela política em causa”.

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