Escavando e Recordando Olavo Bilac: resgate de textos esquecidos nas páginas dos periódicos

AutorMarta Eymael Garcia Scherer
Páginas74-91
Escavando e Recordando Olavo Bilac – Marta Scherer Boletim de Pesquisa NELIC v. 10 n. 15 2010.2
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Devo pedir-lhes que se transfiram comigo para a
desordem de caixotes abertos à força, para o ar
cheio de pó de madeira, para o chão coberto de
papéis rasgados, por entre as pilhas de volumes
trazidos de novo à luz do dia (...) Tenho a intenção
de dar uma idéia sobre o relacionamento de um
colecionador com seus pertences, uma idéia sobre
a arte de colecionar mais do que sobre a coleção
em si.1
Com esse convite de Walter Benjamin, extraído do
ensaio ‘Desempacotando minha biblioteca’, proponho neste
artigo trazer questões mais práticas – ainda que sempre
perpassadas por questionamentos teóricos – sobre o trabalho de
recuperação de textos em prosa publicados por Olavo Bilac
entre 1890 e 1908. O foco são as crônicas redigidas por aquele
que ficou conhecido somente como o ‘príncipe dos poetas’, mas
que escreveu em periódicos informativos e culturais. Os textos
estão arquivados nas páginas dos jornais e revistas que a
Biblioteca Nacional e o Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp,
felizmente abrigam. Como uma colecionadora de crônicas,
busco nos textos de Olavo Bilac “renovar o mundo velho”.2
1 Benjamin, Walter. Desempacotando minha biblioteca. In: Obras Escolhidas
II – Rua de mão única. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1997. p.227
2 Idem, Ibidem. P.229
Escavando e Recordando Olavo Bilac – Marta Scherer Boletim de Pesquisa NELIC v. 10 n. 15 2010.2
Com esse trabalho busco realçar a faceta jornalística de
Olavo Bilac e dar luz a sua produção em crônica, superando os
paradigmas estabelecidos em torno do autor e de sua obra, com
objetivo de desconstruir a imagem de Bilac inscrita no cânone
literário. Como explica Antonio Candido3, depois de ser quase
um símbolo da virada de século, Bilac surpreende por ter sido
idolatrado em vida, consagrado na morte e praticamente
execrado no futuro, atingido pelo preconceito que os
modernistas lançaram sobre quase tudo que os antecedia, o
parnasianismo em particular. Assim, não se trata de trazer à
tona um autor anônimo ou um repórter obscuro, mas de “pedir
licença” ao poeta parnasiano para mostrar o jornalista Olavo
Bilac e sua importância dentro da história da literatura e da
imprensa nacional.
Para tanto, sigo os passos da monumental pesquisa
realizada pelo professor Antonio Dimas, da USP, que organizou,
recuperou, valorizou e trouxe à luz centenas de crônicas,
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3 CANDIDO, Antônio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura
brasileira. Modernismo – História e Antologia. 10ª ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1997. p.377
resultando na antologia intitulada Bilac, o Jornalista4. Como
comprovou Antonio Dimas, os mais variados temas foram
analisados pelo intelectual que encontrou nos periódicos um
caminho para expor suas impressões.
Nesses quase vinte anos de jornalismo diário, muitas
vezes espalhado por mais de um veículo, seu posto
privilegiado permitiu-lhe uma visão angular da
sociedade, cujas frinchas e reentrâncias dificilmente
escapavam ao seu olhar bisbilhoteiro e nem sempre
certeiro. Ideologicamente irregulares como é de se
esperar de quem não se pautava por um credo único,
religioso ou político, as crônicas de Bilac pouco
atraem aqueles que precisam de posições alheias
para confirmar as suas. Mais que escora, elas se
prestam ao investigador minucioso que esteja
preocupado com uma visão mais abrangente de
dado período. Porque, nelas, o material é farto.5
Foi através desse farto material, tão bem explicitado no
longo sumário elaborado pelo professor, com aproximadamente
1600 resumos de crônicas lidas e catalogadas, que encontrei os
textos que utilizo em minha dissertação e tese. Às 42 crônicas
‘inéditas’ utilizadas no mestrado uno agora outras 80, num
4 DIMAS, Antônio. Bilac, o Jornalista: ensaios; crônicas v.1; crônicas v.2.
São Paulo: Imesp. 2006.
5 DIMAS, Antonio (Org.) . Vossa Insolência. Crônicas de O. Bilac. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996, p.14

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