Reconhecimento ou Redistribuição: O que o debate entre Honneth e Fraser diz das lutas sociais e vice-versa

AutorPaulo Sérgio da Costa Neves
CargoDoutor em Sociologia e Ciências Sociais pela Université Lumière Lyon2, atualmente é Professor Titular na Universidade Federal do ABC
Páginas234-257
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p234/
234234 – 257
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Reconhecimento ou Redistribuição:
O que o debate entre Honneth e Fraser
diz das lutas sociais e vice-versa
Paulo Sérgio da Costa Neves1
Resumo
Neste texto, buscamos revisitar o debate entre Honneth e Fraser acerca dos conceitos de reconhe-
cimento e redistribuição sob duas óticas diferentes. Por um lado, faremos isso tentando vericar os
ecos e as consequências dessa discussão nas obras desses dois autores posteriores ao livro-debate
de 2003. Assim, se é verdade que as divergências centrais entre eles se mantiveram, também é fato
que houve uma aproximação entre seus modos de conceber as fontes de injustiças nas sociedades
contemporâneas. Por outro lado, no espírito da teoria crítica, que tanto Honneth quanto Fraser
reivindicam a herança, tentaremos discutir como esse debate dialoga com as tendências recentes
do movimento negro, mostrando, assim, que esse debate é tanto teórico quanto político.
Palavras-chave: Reconhecimento. Redistribuição. Movimento Negro. Teoria Crítica.
Introdução2
O debate estabelecido entre Axel Honneth e Nancy Fraser em torno da
complementaridade ou não dos conceitos de reconhecimento e redistribuição,
em ns dos anos 1990 e início dos anos 2000, marcaram época e incitaram
um reganho de interesse teórico e político por categorias morais nas discussões
sobre o justo em diversos espaços sociais. Desse modo, não seria errôneo ar-
mamos que a publicação, em 2003, do livro Redistribution or Recognition, a
1 Doutor em Sociologia e Ciências Sociais pela Université Lumière Lyon2, atualmente é Professor Titular na
Universidade Federal do ABC.
2 As primeiras versões deste texto foram apresentadas em mesas redondas organizadas nos congressos da
Sociedade Brasileira de Sociologia em julho de 2017 e da Braziliam Studies Association (BRASA) em julho de
2018. Gostaria de expressar minha gratidão a todos que, durante os debates, ajudaram-me a aprofundar e
afinar a reflexão aqui avançada. As pesquisas nas quais o texto se embasa foram financiadas pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 40 - Set./Dez. de 2018
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Political and Philosophical Exchange, com textos de Fraser e Honneth, tem um
valor tanto pelas ideias que contém quanto pelo impacto que teve nos âmbi-
tos da losoa política e moral e das ciências sociais do início do século XXI.
Certamente, muito dessa importância advêm também do uso público
das categorias forjadas pelos autores em seus textos. Ou seja, apesar do
alto nível de abstração e de enraizamento na tradição losóca do debate
entabulado entre eles, esse não era apenas um debate intelectual ou teóri-
co, mas também político. Algo visível, inclusive, pelo fato de que diversos
atores sociais incorporaram esses conceitos em seus discursos.
Não estamos longe aqui da ideia que Nacy Fraser traduz em termos
de “folk philosophies” e “folk paradigms” no artigo que inicia o debate no
livro citado. Tampouco estamos longe das ideias de autores que chamam
a atenção sobre o fenômeno da justicação, visto como inerente à condi-
ção humana (FORST, 2002; BOLTANSKI; THÉVÉNOT, 1994). Nesse
caso, os modelos de justicação usados no quotidiano pelos atores sociais
podem ser semelhantes aos modelos prevalecentes no campo da losoa.
Seja como for, o fato é que o debate representado por Honneth e
Fraser repercute de forma liminar nas lutas sociais na contemporaneidade.
Nesse sentido, discutir os termos e o desenvolvimento desse debate é tam-
bém uma forma de acompanhar a evolução de alguns dilemas que marcam
nossa época. É com esse espírito que este texto foi pensado.
Pretendo aqui revisitar algumas ideias e preocupações de pesqui-
sa de 15 anos atrás quando entrei em contato com o pensamento de
Honneth e Fraser. O que me levou a discutir o movimento negro brasileiro até
aquele momento a partir do dilema entre reconhecimento e redistribuição
(NEVES, 2005, 2007). Buscarei, assim, retomar esse questionamento ini-
cial sobre o movimento negro e, ao mesmo tempo, revisar os desdobra-
mentos teóricos do debate entre Fraser e Honneth para a obra de ambos.
Nesse sentido, analisarei uma dupla dimensão que cerca o debate so-
bre reconhecimento e redistribuição. A primeira delas, losóca e teóri-
ca, tem os principais contornos delineados no livro conjunto de Fraser e
Honneth de 2003 e ganha novos signicados a partir do desenvolvimento
das ideias dos autores desde então.

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