O reconhecimento do dano existencial no contexto da reforma trabalhista

AutorMaria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos
CargoDoutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília - UnB. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. Assessora da Ministra do Tribunal Superior do Trabalho Delaíde Alves Miranda Arantes. Professora do UDF- Centro Universitário. Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, ...
Páginas198-216
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O RECONHECIMENTO DO DANO EXISTENCIAL NO CONTEXTO DA
REFORMA TRABALHISTA
THE RECOGNITION OF EXISTENTIAL DAMAGE IN THE CONTEXT OF
LABOUR REFORM
Maria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos
1
RESUMO
O desmonte da legislação trabalhista promovido pela Reforma Trabalhista da Lei
13.467/2017 alterou a dinâmica de progressividade de direitos sociotrabalhistas
vivenciada pelos trabalhadores brasileiros desde a promulgação da Constituição Federal
de 1988. O reconhecimento da possibilidade de reparação do dano existencial – dano ao
projeto de vida e à vida de relações – pela disposição do novo art. 223-A, da CLT, veio
acompanhado de parâmetros de indenização de duvidosa constitucionalidade. A Justiça
do Trabalho, que reconheceu a possibilidade de reparação de danos existenciais antes
mesmo de a Lei 13.467/2017 incorporar essa modalidade de dano ao ordenamento
jurídico, tem a importante missão de assegurar o respeito à Constituição e ao ordenamento
jurídico internacional de proteção aos direitos dos trabalhadores ao apreciar os casos
concretos de violação do patrimônio imaterial dos trabalhadores.
PALAVRAS-CHAVE: Dano existencial; Reforma Trabalhista
ABSTRACT
The dismantling of the laboral legislation caused by the Brazilian Labor Reform has
changed the big picture of progressivity of rights experienced by workers since the
promulgation of the Federal Constitution of 1988. Recognizing the possibility of repairing
existential damage – a damage to the life project and to the life of relationship – according
to the new CLT article 223-A has been followed by indemnification parameters with
doubtful constitutionality. The Labour Justice, which has recognized the possibility of
reparation of existencial damage even before the Law 13.467/2017 incorporated this
modality of damage to the legal system, has the importante mission to ensure respect for
the constitution and the international legal order for the protection of worker’s rights when
assesting the concrete cases of violation of the intangible assets of the workers.
KEYWORDS: Existential damage; Labor Reform.
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1
Doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UnB. Mestre em Direito das
Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. Assessora da Ministra do
Tribunal Superior do Trabalho Delaíde Alves Miranda Arantes. Professora do UDF- Centro Universitário.
Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB/CNPq).
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INTRODUÇÃO
Um dos mais graves retrocessos sociais experimentados pelo Brasil nos últimos
30 anos, a Lei 13.467/2017 promoveu a desconstrução do Direito do Trabalho a partir do
esgarçamento do Princípio da Proteção - seu principal viés de sustentação – e da admissão
de práticas precarizantes, que não se coadunam com os preceitos estabelecidos pela
Entre as alterações implementadas pela Lei 13.467/2017, o reconhecimento do
dano existencial como espécie de dano ao patrimônio imaterial do trabalhador, pela
inclusão do art. 223-A à CLT, veio acompanhado de uma serie medidas restritivas de
direitos, inclusive no que se refere à previsão de formas discriminatórias de indenização.
A Reforma Trabalhista tem sido duramente criticada por setores da sociedade
comprometidos com a defesa dos direitos sociais, e representa um duro golpe do
neoliberalismo no processo aquisitivo de direitos dos trabalhadores brasileiros.
A Justiça do Trabalho poderá desempenhar importante papel na interpretação da
nova legislação, assegurando a proteção ao patrimônio imaterial dos trabalhadores, o
respeito à matriz constitucional de 1988 e ao ordenamento jurídico internacional, de
forma a preservar a dignidade humana como eixo central do Estado Democrático de
Direito.
1. O CONTEXTO DA REFORMA TRABALHISTA
No Brasil, até o início do século XXI, apenas 30% dos trabalhadores ocupados
eram regidos pelo Direito do Trabalho, em contraposição a cerca de 80% dos que vivem
nos países capitalistas ocidentais mais desenvolvidos, o que demonstra que ainda há um
grande espaço para que o Direito do Trabalho atue como instrumento civilizatório para a
construção da democracia social e da cidadania, implementando ações afirmativas de
combate à exclusão social e incentivando o desenvolvimento social do país com
distribuição de renda
2
. No entanto, no Brasil sempre predominou o “isolamento e certo
desprestígio cultural”
3
da Justiça do Trabalho, em contraponto ao prestígio e inserção
social desfrutado na história dos países capitalistas europeus mais desenvolvidos. No final
da década de 1990, essa tendência se acentuou, com a propagação do “ideário de
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2
DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os
caminhos para a reconstrução. 2.ª ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 127 a 134.
3
Idem, p. 128.

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