Reconceptualization of Social Work: process and movement of Catholic University of Valparaiso's "Escuela de Trabajo Social"/Reconceituacao do Servico Social: processo e movimento da Escuela de Trabajo Social da Universidade Catolica de Valparaiso.

Autorde Paula Faleiros, Vicente
CargoTexto en portugues

A experiencia chilena de transicao ao socialismo

A historia passada, vista do presente, e fundamental para ressignificar, no contexto atual, um fenomeno ou um acontecimento situado em outro contexto. Comparar contextos nao e o objetivo deste artigo, mas sim discutir uma pratica historicamente situada em outro momento do capitalismo latino-americano e da contra-hegemonia na area especifica do Servico Social na America Latina. Burke (1992) lembra que a historia se interessa por toda a atividade humana, e no estudo em pauta e a historia de uma expressao particular de um movimento latinoamericano do Servico Social no seculo XX.

Embora o capitalismo mantenha sua estrutura de exploracao, existem mudancas que se produzem na organizacao dessa mesma estrutura e tambem na superestrutura, na dialetica da relacao estrutura/historia, como propoe Meszaros (2011). Nessa dialetica se expressam as relacoes estruturais do capitalismo com os movimentos sociais e politicos, bem como os processos particulares de conservacao e de mudanca numa determinada sociedade.

A experiencia chilena de 1970 a 1973, sob o governo de Salvador Allende, foi denominada de transicao ao socialismo (BASSO et al., 1972). Essa transicao, por via democratica, fez emergir um movimento de ruptura com o capitalismo periferico, um Estado dependente dos Estados Unidos, num aprofundamento da democracia de participacao popular e de mudanca do Estado, visando estar a servico das camadas populares. A mudanca da superestrutura politica, a partir de um bloco de uniao de partidos, chamado de Unidade Popular (UP), com agrupacao dos partidos socialista, comunista, radical e democratas cristaos de esquerda, provocou fortes reacoes na direita conservadora, principalmente nos grupos da Democracia Crista, do Partido Nacional, da Direita Radical (PDR) e de grupos paramilitares, como Patria e Liberdade.

Nesse processo, a UP representava a contraposicao a dominacao elitista, sendo uma uniao politica das esquerdas, ou seja, uma fissura na hegemonia da classe dominante. A mobilizacao politica e popular trouxe um fortalecimento para a organizacao sindical e para a organizacao populacional, com ocupacao de terrenos nas cidades e um movimento fortissimo pela reforma agraria.

O conflito de classes se expressou na luta politica entre os adeptos da UP e partidos da direita, defensores da ordem dominante capitalista, culminando na adesao das forcas armadas ao golpe de 11 de setembro de 1973. A partir dai, implantou-se uma das mais sangrentas ditaduras da America Latina, com o apoio dos Estados Unidos. Contabiliza-se em torno de seis mil mortos, alem de inumeras pessoas torturadas e exiladas.

Entretanto, no periodo da UP, novas formas de mobilizacao popular foram se construindo a medida que o boicote e a oposicao das forcas conservadoras se manifestavam e impediam o avanco do processo de de mocratizacao popular. Varias empresas foram paralisadas pelos patroes e ocupadas pelos trabalhadores, num processo de producao coletiva. O boicote da distribuicao de alimentos para a populacao fez emergir grupos locais para repasse de alimentos basicos organizados em Juntas de Abastecimento e Precos (JAPs). As JAPs geriam cotas de alimentos, conforme o territorio, principalmente de alguns cereais, leite em po, oleo de cozinha e acucar. Alem disso, os caminhoneiros, desde o inicio de 1973, realizaram paralisacoes, financiadas, inclusive, pela ITT e CIA. As multinacionais boicotavam as pecas de reposicao para veiculos e maquinas, desenvolvendose, em contraponto, formas de reutilizacao de pecas e de producao substitutiva.

O processo de mobilizacao popular no Chile foi tambem uma reacao a crise do capitalismo e do governo Eduardo Frei, deixando o pais dividido entre as forcas de mudanca lideradas pela UP e as forcas da direita ligadas ao Partido Nacional e a direita da Democracia Crista. As posicoes se tornaram muito frontais, pois disputava-se fervorosamente a favor e contra a Unidade Popular, muitas vezes na propria familia.

A Democracia Crista se dividiu e sua ala mais a esquerda formou o Movimento de Acao Popular Unificado (Mapu). O bloco centrista apoiou o democrata cristao Radomiro Tomich; a direita da DC ficou com Frei. O conservadorismo era apoiado pelo jornal El Mercurio, de propriedade da familia Edwards, que havia dominado a producao do salitre. Eles foram responsaveis por provocar a guerra contra a Bolivia, uma vez que a saida para o Pacifico pela Bolivia implicava a ocupacao das minas de salitre, e os Edwards a mantiveram fechada.

Essa conjuntura chilena era diferente da do Brasil. Apos o golpe de 1964, agudizado em 1968 pelo Ato Institucional n 5, implantou-se o terror de Estado, institucionalizando a governanca pela tortura. Ou seja, usou-se o terror como politica, quer dizer, de modo a nao haver espaco para o conflito, a democracia, a divergencia (FALEIROS, 2010).

No Chile, durante o governo da Unidade Popular, o Estado implementou uma reforma agraria para os trabalhadores do campo e apoiou os cordoes industriais por setor ou localizacao, com o apoio dos sindicatos, no sentido de fazer fluir a producao e romper o boicote. Alem disso, tambem ampliou a economia mista, fortaleceu o monopolio do cobre e melhorou o acesso a saude publica. A reforma agraria ja vinha do processo implantado por Eduardo Frei, mas no governo de Allende houve um avanco com a desapropriacao das grandes fazendas para distribuicao de terras aos camponeses. Entretanto, os grandes proprietarios passaram a tambem boicotar Allende, por exemplo, retirando as vacas do Chile e levando-as para a Argentina, de modo a promover a falta de carne para o povo chileno, agudizando a resistencia da classe dominante a Unidade Popular.

No contexto internacional da epoca, a experiencia chilena representou uma mudanca na ordem dominante de divisao bipolar do mundo nas areas de influencia dos Estados Unidos e da Uniao Sovietica. A America Latina se configurava como uma zona de influencia norte-americana, denominada entao de quintal dos Estados Unidos. A politica exterior desse pais nao aceitava uma repeticao da Revolucao Cubana e articulou toda a sua forca para impedir uma transicao ao socialismo na sua area de influencia. Nesse contexto, a Uniao Sovietica e Cuba apoiaram a experiencia chilena de diversas formas, enviando alimentos, pecas de reposicao e propiciando intercambio politico. No entanto, o Chile permaneceu independente do bloco sovietico. Havia tambem divergencias entre comunistas e socialistas; os primeiros, com a perspectiva de uma enfase na producao, e os segundos, na revolucao.

Os anos de 1970, no contexto do capitalismo, representam um momento de maior influencia do Estado na economia, pois durante a crise do petroleo buscou-se apoiar a implantacao de novas tecnologias para os combustiveis. Na Franca, a planificacao foi desenvolvida e na America Latina foi apoiada com a criacao da Comissao Economica para a America Latina (Cepal). A ideia da planificacao foi muito importante, aparecendo nos congressos de Servico Social e no processo de desenvolvimento de comunidade com o apoio estatal. Exemplo disso foi o Congresso do Servico Social Mundial de 1962, no qual se defendeu a ideia da planificacao na relacao do Servico Social com o Estado.

No Chile, em 1970, a luta politica era aberta, diferentemente do Brasil, onde havia ditadura desde 1964. Em outros paises da America Latina tambem se havia implantado a ditadura, como no Uruguai, na Bolivia, no Peru e, mais tarde, na Argentina. No Chile, a nacionalizacao do cobre feita por Allende foi mantida por Pinochet, o que propiciou uma renda nacional que permitiu assegurar os privilegios dos militares na ditadura. Isso porque, ao manter o estado de guerra, os militares ganhavam em dobro, garantindose sua lealdade.

Durante o governo de Allende, alem do boicote da carne e do boicote de reposicao de pecas, houve tambem o boicote de alimentos no comercio varejista, em manobra orquestrada pelos Estados...

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