Reconceptualization movement and Argentine Social Work/Movimento de Reconceituacao e Servico Social argentino.

AutorMoljo, Carina Berta

Introducao

O objetivo deste artigo e debater o Servico Social argentino entre os anos de 1960 e 1980 e destacar as particularidades do Movimento de Reconceituacao latino-americano neste pais (1). Incialmente serao tecidos comentarios sobre o "chao socio-historico" que sustentou esse movimento na America Latina e na Argentina: a era monopolista tardia do capitalismo mundial e o debate entre as teses desenvolvimentistas e aquelas sustentadas na convivencia ou na critica a dependencia.

No segundo momento e abordado o contexto politico e social argentino e a presenca, o intercambio e as influencias do Movimento de Reconceituacao. Para tanto, sao perquiridas as influencias teoricas, as relacoes estabelecidas com militantes, politicos e religiosos e a presenca de grupos de base armados ou organizacoes politico-militares. Na sequencia, a Reconceituacao e analisada no seu momento historico, tomando como fonte principal livros e documentos da epoca, assim como publicacoes atuais que contribuem com a construcao daquele periodo. Serao tratadas, ainda, as experiencias do Instituto de Servico Social e o Grupo Ecro como bases do Movimento de Reconceituacao na Argentina.

Por fim, sao explicitadas algumas indagacoes necessarias para a continuidade da critica na atualidade, indicando caminhos possiveis para a reflexao e para a analise do tema. Neste sentido, caberia perguntar: foi somente o esplendor de uma epoca? Qual a "heranca" deixada pela Reconceituacao? Este processo foi abortado pelo golpe civico-militar de 1976?

Vale ressaltar que o texto aqui apresentado e parte de um estudo mais amplo que pretende reconstruir o Movimento de Reconceituacao na America Latina e as interlocucoes realizadas com alguns paises da Europa e da America do Norte, pesquisa esta coordenada pelas professoras Marilda Vilela lamamoto e Claudia Monica dos Santos, financiada pelo CNPq.

Desenvolvimentismo, dependencia e renovacao do Servico Social latino-americano

O Servico Social nao se explica a partir de si mesmo. Nao sao poucas as orientacoes que ressaltam aspectos contidos na genese, no desenvolvimento, na institucionalizacao e na renovacao desta profissao, ate os dias atuais, sem um cuidado essencial: reconstruir mentalmente processos objetivamente postos e imersos em uma totalidade social historicamente determinada (MARX,1989), particularizada a partir de condicoes especificas nao menos importantes.

Trata-se, portanto, de um processo material, socialmente determinado, com base em condicoes historicas bem definidas: a sociedade burguesa monopolista (NETTO, 1992 e 1991), em seus diferentes tempos, crivada pela luta de classes, inscrita na divisao social do trabalho, como especializacao do trabalho coletivo (IAMAMOTO, 2007) (2). A questao que aqui se coloca e muito clara: revelar as mediacoes capazes de explicar as particularidades de processos universais, especificamente na diversa America Latina, tendo o Servico Social como parte dessa complexa dinamica.

Vale ressaltar, entao, que qualquer tentativa de generalizar determinados contextos sem captar suas particularidades ou, ao contrario, crer que "o especifico" explica complexos processos por si mesmo, "fala por si", acaba por reproduzir heterogeneas orientacoes que priorizam dimensoes gnosiologicas e logicistas que manipulam o real e seu movimento em nome da ciencia (LUKACS, 1981, p. 109-131; 2010, p. 58).

E a partir desta base metodologica que o tema deste artigo sera tratado. O Movimento de Reconceituacao, como determinado complexo social objetivado em alguns paises da America Latina em realidades e contextos particulares, parte de uma totalidade historica determinada. Alem disso, nao pode ser unicamente explicado a partir de um movimento interno a profissao (reeditando certo tipo de endogenia), como um protagonismo exclusivo de seus profissionais e vanguardas empenhadas em reconceituar teorica, pratica e metodologicamente o Servico Social em suas respectivas realidades.

Trata-se, claro, de um processo constituido por profissionais, quadros intelectuais e militantes, apoiado na atuacao de entidades latinoamericanas da categoria (3), mas inexplicaveis e insuficientes por si e em si mesmos. O Servico Social argentino, sua reconceituacao no ambito do Movimento de Reconceituacao latino-americano, e parte dessa complexa dinamica (4).

E fato que se, por um lado, a genese da profissao no mundo esteve estruturalmente articulada a fase monopolista-fordista do capitalismo (tipica de determinado momento do imperialismo mundial--LENIN, 2008; LUXEMBURGO, 2011; GRAMSCI, 1989), por outro, o Movimento de Reconceituacao na America Latina e as tendencias renovadas, objetivadas nesta parte do continente americano e neste tempo historico, foram tecidas na fase tardia do capitalismo (MANDEL, 1985). Esta etapa foi marcada pela modernizacao conservadora, mundialmente em curso ja na segunda metade dos anos 1960, bem como pelo reaquecimento da luta de classes sob o comando da Guerra Fria, apos a "onda longa" de crescimento da economia capitalista iniciada no pos-segunda guerra mundial (MANDEL, 1985, p. 75-102).

Ernest Mandel (1985) ressalta, ainda, a necessidade de explicar os elementos constitutivos que determinaram, ja no final do seculo XIX e durante todo seculo XX, a alta capacidade de o capital produzir-se e reproduzir-se a partir de suas proprias crises. Destaca que a explicacao disto esta em um complexo processo que nao e determinado por evolucoes lineares, previsiveis, situadas no campo da economia-politica burguesa (as leituras monocausais das "ondas longas"). Ao contrario, explica-se pelo seu dinamismo, por sua capacidade de lidar e superar instabilidades, movimentarse na complexa dinamica que determina a composicao organica do capital (MARX, 1983 a e b), cuja articulacao entre capital constante (em geral direcionado a renovacao e reposicao de tecnologias--como capital fixo--e compra de materias-primas) e capital variavel (destinado ao pagamento da forca de trabalho) nem sempre e controlavel (ainda que manipulavel pela grande burguesia). Nisto atua e influi a organizacao dos trabalhadores, a luta de classes, crescentemente afetada a partir da crise dos anos 1970.

Como se sabe, a "onda longa" de crescimento, que perdurou por cerca de 25 anos, estagnou-se mundialmente ja no fim da decada de 1960 e desencadeou uma profunda crise nos anos 1970 (superficialmente conhecida como a "crise do petroleo"). Ela repercutiu drasticamente na economia latino-americana no fim dos anos 1970 e fundamentalmente na decada de 1980, objetivada politicamente nos golpes militares e em suas ditaduras (Chile e Uruguai em 1973, Argentina 1976), que comecaram a implementar as "primeiras reformas neoliberais". Isto, ao mesmo tempo, colocou as bases para a definitiva ofensiva e recrudescimento do projeto neoliberal no continente americano no inicio dos anos 1990, com sustentacao liberal-renovada, ultraliberal, inspirada no padrao toyotista de acumulacao (5). Aqui, o capitalismo realizou sua modernizacao conservadora, recuperando o legado hiper-tardio da revolucao burguesa nesta parte do globo, sua tradicao colonial e dependente (MARINI, 2014; FERNANDES, 1987, 2009).

Debatendo as teses da Comissao Economica para America Latina e o Caribe (Cepal) acerca do subdesenvolvimento latino-americano, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (1977) formulam uma versao propria da teoria da dependencia. Os autores, de forma geral, relacionam as causas do subdesenvolvimento as condicoes dependentes das economias na America Latina, ressaltando a inseparabilidade entre elas. Todavia, insistem que esse modelo que associa subdesenvolvimento e dependencia e "tipico" desta realidade e que o caminho possivel e proveitoso para a America Latina seria o de reforcar a associacao entre interesses internos e externos buscando integrar-se a ele.

Em outras palavras, para Cardoso e Faletto (1977), o desenvolvimento seria fruto desta associacao que compoe a natureza do modelo economico latino-americano, nao se constituindo, necessariamente, em um elemento impedidor do desenvolvimento, mas sendo--quando devidamente articulado--seu estimulador. A proposta em questao, formulada na esteira da "critica resignada" weberiana, chega a conclusao de que e possivel e necessario estimular o desenvolvimento nesta parte do continente americano no cenario marcado pela dependencia, defendendo uma especie de "desenvolvimento possivel": a modernizacao conservadora promovida dentro das fronteiras da dependencia. O teor critico e resignado, entao, objetiva-se.

Ainda que reproduzindo trajetorias diversas e caracteristicas peculiares, Ruy Mauro Marini e Florestan Fernandes adotam caminhos opostos ao de Cardoso e Faletto. Ressaltam a perversidade da dependencia latinoamericana, seus entraves estruturais para um projeto nacional-desenvolvimentista na regiao, bem como as consequencias disto tanto para a constituicao das classes sociais, como para os trabalhadores desta parte centrosul do continente americano. Enquanto o primeiro enfatiza o que denominou de superexploracao da forca de trabalho e subimperialismo no processo de constituicao dependente da America Latina (MARINI, 2014, p. 164-177), suas lutas revolucionarias, o segundo discute os caminhos objetivamente possiveis, factiveis, para o desenvolvimento latino-americano. Desse modo, destaca a necessidade da superacao da dependencia, construida na relacao entre o arcaico e o novo, pela via colonial, que e componente intrinseco da dinamica imposta pelo capitalismo mundial em sua fase tardia (FERNANDES, 2009).

Ruy Mauro Marini tece criticas radicais as ilusoes vinculadas as possibilidades de o capitalismo dependente dinamizar o mercado interno, promover a mobilidade social de forma consistente e permanente e sustentar o desenvolvimento nacional dos paises...

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