A recente reforma do Código de Processo Civil operada pela Lei 11.382/06 e a objeção de pré-executividade em matéria fiscal

AutorEduardo Arruda Alvim
Páginas32-53

Eduardo Arruda Alvim Advogado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professor da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP (mestrado, especialização e bacharelado) e da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

Page 32

1. A importância do processo tributário

O processo tributário vem, ao longo dos anos, ganhando importância, não sendo poucos os autores que se têm dedicado especificamente a este sub-ramo.

Apesar disso, o legislador não cuidou de unificar as regras que tratam especificamente do processo tributário. Todavia, é de se reconhecer que tamanha é a importância do estudo do processo tributário, tendo em vista as suas diversasPage 33 peculiaridades, que, em muitos países há um Código de Processo Tributário.1 No Brasil também há anteprojetos nesse sentido e discussões acadêmicas em torno do assunto.

No âmbito deste trabalho, trataremos especificamente do processo contencioso judicial, excluindo de nossa análise o procedimento administrativo tributário, que possui princípios, finalidades e regulamentação próprias.

Dentro do processo tributário, uma possível classificação das ações leva em conta a posição das partes, destancando-se, de um lado, as ações exacionais, e de outro, as ações anti-exacionais, isto é, aquelas postas à disposição do contribuinte para defender-se, por vezes preventivamente, contra a ação fiscal.2 De fato, diversas são as ações que o contribuinte pode mover contra o Fisco, podendo este, de seu turno, propor dentre outras, a ação de execução fiscal, objeto do presente trabalho.

2. Execução fiscal – Algumas particularidades

A execução fiscal vem disciplinada na Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal), a qual dispõe especificamente sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública.

Cumpre referir, neste diapasão, algumas particularidades da execução fiscal.

Dispõe o § 2.º do art. 2.º da LEF que a dívida ativa da Fazenda Pública, que compreende a tributária e a não tributária, abrange também a atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.

Um dispositivo que, neste passo, deve ser considerado é o art. 3.º, que diz respeito à presunção de liquidez e certeza da dívida ativa regularmente inscritaPage 34 (semelhantemente ao art. 204 do CTN). Observe-se, no entanto, que o parágrafo único desse dispositivo ressalva que tal presunção é relativa, podendo ser afastada por prova inequívoca, que poderá ser feita pelo próprio executado ou por terceiro, a quem aproveite.

Tanto é relativa que pode ser liminarmente afastada por meio de concessão de liminar em mandado de segurança, medidas cautelares ou de provimentos antecipatórios de tutela em outras espécies de ação judicial, nos termos do art. 151, IV e V do CTN.3

O crédito tributário prefere a todos os demais, exceção feita aos créditos de natureza trabalhista, conforme dispõe o art. 29 da LEF: “A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento”.4 Semelhante redação possui o art. 187 do CTN, com redação modificada pela LC 118/05, que introduziu a expressão “recuperação judicial” mantendo-se também a figura da concordata.

Nesse contexto, calha mencionar que a LC 118/05 veio a inserir um parágrafo único e três incisos ao art. 186 do CTN, passando a dispor que na falência, o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no valor do limite do valor do bem gravado (art. 186, parágrafo único, inc. I). O inc. II do parágrafo único do art. 186 passou a dispor que a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho. Além disso, o inc. III do parágrafo único do art. 186 do CTN veio a estatuir que a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados.

Page 35

A nova Lei de Falências (Lei 11.101/05), quando disciplina a ordem de classificação dos créditos na falência, dispõe que os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a cento e cinqüenta salários mínimos por credor, os decorrentes de acidente de trabalho e os créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado preferirão aos créditos tributários (art. 83, incs. I, II e III da Lei 11.101/05).

A respeito dos privilégios concedidos aos créditos tributários, dizem Ricardo Cunha Chimenti, Carlos Henrique Abrão, Manoel Álvares, Maury Ângelo Bottesini e Odmir Fernandes que “a razão de ser dos amplos privilégios do crédito tributário, que integra a dívida ativa das Fazendas Públicas, é que ele não pode ficar sujeito às vicissitudes dos processos de concurso de credores, execuções coletivas ou procedimentos liquidatórios em geral, quando ajuizada a sua cobrança. A Fazenda Pública não se submete a esses processos, dos quais não escapam os demais credores do devedor. E as alterações vindas com a LC 118 e com a Lei 11.101, regulando as falências e a recuperação de empresas, que substitui os procedimentos de concordatas, acabaram por introduzir modificações na forma de interpretar o art. 29 da LEF, impondo uma nova leitura de seus dispositivos”.5

E arrematam esses mesmos juristas: “É possível, porém, que aconteça simultaneidade de execução de crédito trabalhista, acidentário, com garantia real e execução fiscal, com penhora sobre o mesmo bem. Nesse caso, a competência desses juízos especializados – trabalhistas, cíveis e acidentários – continua intacta para o processo e julgamento dos respectivos créditos, bem como para todas as fases do processo de execução até a arrematação. Não se excluem nem mesmo os juízos falimentares, os juizados especiais e os juízos arbitrais. Sobre o produto da arrematação é que se estabelecerá o concurso de preferência, devendo ser pago o crédito acidentário por inteiro, o crédito trabalhista até o limite de 150 vezes o salário mínimo, pelo valor dele na data do pagamento, e os créditos com garantia real até o limite do bem vinculado, independentemente de quem penhorou antes ou em que juízo se realizou o leilão”.6

Page 36

Ajuizada a execução fiscal, deve ser o executado citado para pagar a dívida, no prazo de cinco dias (art. 8.º da Lei 6.830/80) ou garantir a execução (art. 9.º, do mesmo diploma) e embargá-la.

O prazo para oferecimento dos embargos à execução é de 30 dias contados do depósito, da juntada da prova da fiança bancária ou da intimação da penhora (art. 16, I, II e III, da Lei 6.830/80).

Nesse passo, cabe referir que, em determinadas hipóteses, sob circunstâncias especialíssimas, é possível, adiantemos desde já, que o executado apresente objeção de pré-executividade, mesmo após o advento da Lei 11.382/06, que não veio a interferir na disciplina própria da execução fiscal. Trata-se de uma forma particular de defesa do executado, sem que seja preciso garantir o juízo. Em hipóteses específicas, os tribunais têm aceito que o executado instaure um verdadeiro incidente de cognição dentro do processo de execução. Sendo acolhida a objeção, extingue-se o processo executivo fiscal.

Outro dispositivo da Lei 6.830/80 que merece ser referido é o art. 26, vazado nos seguintes termos: “Se, antes da decisão de primeira instância, a inscrição de dívida ativa for, a qualquer título, cancelada, a execução fiscal será extinta, sem qualquer ônus para as partes”.

O entendimento a que conduz a literalidade deste dispositivo agride o primado da isonomia e, portanto, deve ser afastado. A propósito do assunto, Nelson Nery Junior estudou detidamente a questão da isonomia entre as partes quando uma delas for constituída pelo Poder Público, concluindo que o benefício do prazo dilatado é justificável, mas a distinção quanto ao cabimento e valores da condenação em honorários advocatícios “trata realmente de privilégio violador do princípio da isonomia, pois os litigantes tiveram despesas com a contratação de advogados e devem ser ressarcidos de forma igualitária. Vencido o adversário da Fazenda, a condenação na verba honorária deve operar-se na forma do art. 20, § 3.º, do CPC, não podendo ser inferior a 10% sobre o valor da condenação. Por que poderia haver condenação em percentual inferior ao legal, se vencida, na mesma causa, aPage 37 Fazenda Pública? Estão sendo tratados desigualmente litigantes que se encontram em pé de igualdade relativamente ao pagamento dos honorários de seus advogados”.7

O Superior Tribunal de Justiça, a esse respeito, já sumulou o seguinte entendimento: “Súmula 153. A desistência da execução fiscal, após o oferecimento dos embargos, não exime o exeqüente dos encargos da sucumbência”.

3. Objeção de pré-executividade – Generalidades

A doutrina desenvolveu uma teoria de forma de defesa do executado que podia ser apresentada sem necessidade de prévia garantia do juízo. A essa forma de defesa, os autores têm chamado genericamente “exceção de pré-executividade”. Outros autores falam em “objeção de pré-executividade”.

Indaga-se, neste passo, se haveria espaço, após o advento da Lei 11.382/06, em se falar de objeção/exceção de pré-executividade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT