A recente aproximação da comissão europeia aos direitos de autor na União Europeia

AutorJorge Pegado Liz
CargoAdvogado, juiz arbitral e conselheiro no CESE em representação dos interesses dos consumidores
Páginas115-136

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EXCERTOS

"As produções cinematográficas europeias, por exemplo, poderão beneficiar de novas audiências dentro e fora da UE, com impacto positivo no desenvolvimento de novos modelos empresariais e novas fontes de receita"

"Mediante uma combinação de medidas legislativas e não legislativas, a Comissão propõe uma agenda ambiciosa para ajudar as indústrias europeias de direitos de autor a florescerem no mercado único"

"A Comissão deu-se conta que a evolução das tecnologias digitais alterou a forma como as obras e outro material protegido são criados, produzidos, distribuídos e explorados, tendo surgido novas utilizações, bem como novos intervenientes e novos modelos empresariais"

"Uma repartição equitativa do valor é também necessária para assegurar a sustentabilidade do setor das publicações de imprensa"

"Ao licenciar os seus direitos, os autores e artistas intérpretes ou executantes têm, muitas vezes, uma fraca posição negocial nas relações contratuais"

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1. Introdução

O domínio dos direitos de autor e da propriedade intelectual é simultaneamente dos mais complexos e dos mais controvertidos a nível da União Europeia (UE), seja pelas diferentes opiniões dos jurisconsultos em face das opções dos legisladores nacionais, seja pelos interesses divergentes das diferentes partes tomadoras em causa, desde os inventores aos autores, às editoras, às plataformas, aos consumidores e aos próprios Estados.

Não se estranhará assim que o comité Económico e social Europeu (CESE), onde se acham organicamente representados os interesses da sociedade civil europeia, se tenha dedicado a este tema, quer por sua iniciativa, quer a solicitação das demais instituições comunitárias, por diversas vezes2, sugerindo as melhores opções políticas e legislativas e criticando as iniciativas comunitárias que a elas não correspondiam.

2. O regime atual a nível comunitário e as principais críticas de que tem sido alvo

2.1 o quadro jurídico que atualmente rege os direitos de autor a nível comunitário é balizado pelos seguintes principais instrumentos legislativos: Diretivas 93/83/CEE, 96/9/CE, 2001/29/CE, 2006/115/ CE, 2009/24/CE, 2010/13/EU, 2012/28/UE e 2014/26/EU, sendo genericamente considerado que, no seu conjunto, este dispositivo legislativo proporciona um nível elevado de proteção dos titulares de direitos e cria um quadro normativo adequado à exploração de obras e outro material protegido, o qual contribui para o bom funcionamento do mercado interno, estimula a inovação, a criatividade, o investimento e a produção de novos conteúdos, também no meio digital, além de respeitar e promover a diversidade cultural e, ao mesmo tempo, trazer o património cultural comum europeu para primeiro plano.

2.2 no entanto, várias vozes têm feito eco de preocupações relacionadas com a desatualização do referido quadro legal face de um lado à evolução tecnológica e de outro lado a novas utilizações, novos intervenientes e novos modelos empresariais como ficou patente quer nas avaliações ex post/balanços de qualidade da legislação em

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vigor a que a comissão procedeu durante os anos de 2013 a 2016 nas diversas consultas públicas realizadas entre 5 de dezembro de 2013 e 5 de março de 2014, de onde surgiu um resumo das opiniões das partes interessadas sobre a revisão das normas da UE em matéria de direitos de autor, incluindo sobre as exceções e limitações e sobre a remuneração dos autores e artistas intérpretes ou executantes, bem como da consulta pública realizada entre 24 de setembro de 2015 e 6 de janeiro de 2016 sobre o quadro normativo aplicável às plataformas, aos intermediários em linha, aos dados e à computação em nuvem e à economia colaborativa que forneceu pontos de vista de todas as partes interessadas sobre o papel dos intermediários na distribuição em linha de obras e outro material protegido, quer, por último, da consulta pública entre 23 de março de 2016 e 15 de junho de 2016 sobre o papel dos editores na cadeia de valor dos direitos de autor e sobre a exceção "liberdade de panorâmica".

2.3 Particularmente no contexto digital, as utilizações transnacionais intensificaram-se e novas oportunidades de acesso dos consumidores a conteúdos protegidos por direitos de autor concretizaram-se. Neste sentido, a Estratégia para o Mercado Único Digital, adotada em maio de 2015, salientou a necessidade de "reduzir as diferenças entre os regimes nacionais de direitos de autor e [...] permitir um maior acesso dos utilizadores a obras em linha em toda a UE". Esta comunicação sublinhou a importância de favorecer o acesso transnacional a serviços de conteúdos protegidos por direitos de autor, facilitar novas utilizações nas áreas da investigação e da educação e clarificar o papel dos serviços em linha na distribuição de obras e outro material protegido. Em dezembro de 2015, a comissão publicou uma nova comunicação intitulada "rumo a um quadro de direitos de autor moderno e mais europeu", que definiu ações específicas e uma visão a longo prazo para modernizar as normas de direitos de autor da UE.

2.4 Foi assim que a comissão entendeu publicar em 14 de setembro de 2016 um pacote alargado de medidas que se traduz numa abordagem "gradual" e não numa revisão integral, preferindo inserir aditamentos significativos na legislação em vigor dos direitos de autor na UE de que se destacam uma comunicação e três propostas de iniciativas legislativas comunitárias, a saber:

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  1. Comunicação "Promover no Mercado Único Digital uma economia europeia justa, eficiente e competitiva, baseada nos direitos de autor" (COM (2016) 592 final),

    b) Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos de autor no mercado único digital (COM (2016) 593 final - 2016/0280 (COD),

  2. Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas sobre o exercício do direito de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas transmissões em linha dos organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de rádio e televisão (COM (2016) 594 final - 2016/0284 (COD) e

  3. Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a determinadas utilizações permitidas de obras e outro material protegidos por direito de autor e direitos conexos em benefício das pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos e que altera a Diretiva 2001/29/CE relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (COM (2016) 596 final - 2016/0278 (COD).

    NO CONTEXTO DIGITAL AS UTILIZAÇÕES TRANSNACIONAIS INTENSIFICARAM-SE, E NOVAS OPORTUNIDADES DE ACESSO DOS CONSUMIDORES A CONTEÚDOS PROTEGIDOS POR DIREITOS DE AUTOR CONCRETIZARAM-SE

    2.5 três grandes propósitos orientaram a comissão nesta sua recente iniciativa:

    A) Garantir maior acesso aos conteúdos na UE e fazer chegar a novos públicos uma melhor escolha e acesso a conteúdos em linha além fronteiras: permitir que os organismos de radiodifusão apresentem a grande maioria dos seus conteúdos, tais como programas noticiosos, culturais, políticos, documentários ou programas de entretenimento, noutros Estados-Membros proporcionará uma maior escolha para os consumidores.

    B) adaptar determinadas exceções ao contexto digital e transnacional e melhorar as regras aplicáveis aos direitos de autor em matéria de educação, investigação, património cultural e inclusão das pessoas com deficiência: propõe-se uma nova exceção para permitir que

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    os estabelecimentos de ensino utilizem materiais para ilustrar o ensino através de ferramentas digitais e de cursos em linha transfronteiras. Além disso, a comissão propõe uma nova exceção obrigatória na UE que permitirá que as instituições que defendem o património cultural preservem as obras em formato digital, o que é essencial à sobrevivência do património cultural, bem como para garantir o acesso dos cidadãos ao mesmo a longo prazo.

    C) E finalmente favorecer um mercado de direitos de autor justo e que funcione corretamente, criando um mercado mais justo e sustentável para os autores, as indústrias criativas e a imprensa, e reforçando a capacidade dos titulares de direitos de negociar e de ser remunerados pela exploração em linha dos seus conteúdos em plataformas de partilha de vídeos.

    2.6 vejamos em mais detalhe, ainda que sinteticamente, quais as novidades deste novo regime jurídico.

3. Principais linhas diretrizes das novas orientações da comissão europeia
3. 0 comunicação "Promover no Mercado Único Digital uma economia europeia justa, eficiente e competitiva, baseada nos direitos de autor"

3.0.1 nesta comunicação a comissão procura colocar a questão dos direitos de autor na perspectiva da Estratégia para o Mercado Único Digital3, adotada em maio de 2015, em que identificou os conteúdos digitais como um dos principais...

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