A Raiz Constitucional da Antecipação de Tutela

AutorEduardo Arruda Alvim
Ocupação do AutorAdvogado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília; Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP
Páginas181-209

Page 181

A Raiz Constitucional da Antecipação de A Raiz Constitucional da Antecipação deA Raiz Constitucional da Antecipação de A Raiz Constitucional da Antecipação deA Raiz Constitucional da Antecipação de Tutela
TutelaTutela
TutelaTutela

LVIMLVIM

LVIMLVIM*

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O Advento da Antecipação de Tutela Como Uma das Formas de Combater os Infortúnios Causados pelo Tempo. 3 O Amplo, Irrestrito e Efetivo Acesso ao Poder Judiciário Como Alicerce da Antecipação de Tutela. 4 A Necessidade de Conjugação dos Princípios do Acesso ao Judiciário, da Bilateralidade, da Audiência e do Devido Processo Legal para Concessão de Antecipação de Tutela: Harmonização de Aludidos Valores por Meio da Utilização do Princípio da Proporcionalidade. 5 Devido Processo Legal: Generalidades. 5.1 Origens Históricas do Princípio. 5.2 Devido Processo Legal no Direito Brasileiro: Acepção Processual e Substancial. 5.3 Algumas Repercussões Práticas do Princípio do Devido Processo Legal Quando é Concedida Uma Decisão Antecipatória de Tutela. 6 Bibliografia.

1 Introdução 1 Introdução1 Introdução 1 Introdução1 Introdução

O presente trabalho tem por escopo demonstrar que a figura da antecipação de tutela possui raiz constitucional.

Para tal mister, analisaremos, em um primeiro momento, os percalços vislumbrados pelo legislador principalmente no que diz respeito à dificuldade de criar mecanismos tendentes a contornar o problema da demora na prestação da tutela jurisdicional. Verificaremos, ademais, que diante desses problemas visualizados pelo legislador, foram criados alguns meios para combatê-los, dentre os quais a antecipação de tutela. Isto significa que a antecipação de tutela, como será demonstrado, representa um poderoso instrumento que visa garantir um acesso irrestrito e efetivo ao Poder Judiciário, quando haja risco de perecimento de afirmação de direito do autor, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

* Advogado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília; Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP; Professor da PUC/SP (Graduação e Especialização) e da FADISP – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

E

EEEEDUARDO
DUARDODUARDO DUARDODUARDO A

A

A


A
ARRUDA

RRUDARRUDA RRUDARRUDA A

A

A


A
ALVIM

****

Page 182

CONSTITUIÇÃO, JURISDIÇÃO E PROCESSO

182

Logicamente, como será analisado, a garantia do acesso efetivo e irrestrito ao Poder Judiciário não deverá, em princípio, aniquilar o princípio do devido processo legal (do qual decorrem outros princípios constitucionais, dentre os quais, o princípio da bilateralidade da audiência estampado no art. 5º, LV, da Constituição). Não se deve perder de vista que o acesso efetivo ao Judiciário é apenas uma das facetas do devido processo legal. Verificaremos, assim, que há algumas hipóteses em que o magistrado deve sacrificar provisoriamente a bilateralidade da audiência em prol do acesso efetivo ao Poder Judiciário, para concluirmos, por fim, que os princípios constitucionais da bilataralidade da audiência (art. 5º, LV, da CF) e do acesso efetivo ao Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF) devem ser aplicados harmonicamente.

2 O Advento da Antecipação de Tutela Como Uma das Formas
2 O Advento da Antecipação de Tutela Como Uma das Formas2 O Advento da Antecipação de Tutela Como Uma das Formas
2 O Advento da Antecipação de Tutela Como Uma das Formas2 O Advento da Antecipação de Tutela Como Uma das Formas de Combater os Infortúnios Causados pelo Tempo
de Combater os Infortúnios Causados pelo Tempode Combater os Infortúnios Causados pelo Tempo
de Combater os Infortúnios Causados pelo Tempode Combater os Infortúnios Causados pelo Tempo

A antecipação de tutela vem ao encontro da necessidade de transpor dois obstáculos à adequada entrega da prestação jurisdicional, a duração e o custo do processo, que, como é evidente, fazem-se sentir de forma muito mais intensa no caso daqueles economicamente menos favorecidos.1Deveras, como teremos oportunidade de expor com mais vagar, duas foram as preocupações do legislador ao disciplinar a antecipação de tutela. Primeiro, teve o legislador que resguardar situações de urgência. Daí porque, por exemplo, o inciso I do art. 273 permite a antecipação de tutela quando houver risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Mas essa situação não foi o único alvo do legislador ao tratar da antecipação de tutela. Preocupou-se também em ensejar ao autor a obtenção da antecipação da tutela, quando a defesa se mostre abusiva ou reste caracterizado o intuito protelatório do réu.

“Entre uma decisão, porventura mais segura, mas tardia,” diz com pertinência António Santos Abrantes Geraldes, “e uma outra, mais célere e eficaz, apesar de fundada num critério de julgamento menos rigoroso e, por isso, potenciador de maiores riscos de insegurança, o legislador não

1 A respeito do assunto, consultar Athos Gusmão Carneiro, Da antecipação de tutela, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 3-4. Em sentido conforme ao texto, a opinião de Paulo Hoffman, Razoável duração do processo, São Paulo: Quartier Latin, 2006, pp. 146 e ss.

Page 183

A RAIZ CONSTITUCIONAL DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA 183 hesitou em dar prevalência à celeridade, em situações em que os prejuízos emergentes da demora do processo definitivo superem os que resultem da concessão da medida cautelar”.2A mesma preocupação animou o legislador ao prever a possibilidade de antecipação de tutela em ações de obrigação de fazer e não fazer (art. 461, § 3º), regime que também é aplicável ao caso de entrega de coisa certa (art. 461-A).

Esse universo de preocupações levou o legislador, como dito, a introduzir entre nós, de forma generalizada, a antecipação de tutela, primeiramente pela Lei nº 8.952/94,3depois mais alargadamente pela Lei nº 10.444/02.

Deveras, o legislador tem criado técnicas fundadas na sumariedade da cognição com vistas a agilizar a prestação jurisdicional,4pois como afirma Bedaque há uma “eterna luta do sistema processual contra o tempo”.5 Esse mesmo autor – Bedaque – afirma, ainda, com inteira propriedade: “Em substituição ao longo processo de cognição plena, com todas as garantias a ele inerentes, surge a idéia de uma tutela mais rápida, com cognição limitada, que possibilite à parte obter antecipadamente o resultado

2 Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da reforma do processo civil, vol. III (procedimento cautelar comum), Coimbra: Almedina, 1998, p. 87.

3 Oportuno consignar que antes mesmo da elaboração da Lei nº 8.952/94, Ovídio Baptista da Silva, durante o I Congresso Nacional de Direito Processual Civil, propôs a criação de um parágrafo único no art. 285, do seguinte teor: “Sempre que o juiz, pelo exame preliminar dos fundamentos da demanda e pelas provas constantes da inicial, convencer-se da plausibilidade do direito invocado, poderá conceder medida liminar antecipando os efeitos da sentença de mérito, se a natureza de tais eficácias não for incompatível com tal providência”.

4 Entretanto, para que se possa alcançar a tão sonhada efetividade do processo, não é suficiente a alteração (legislativa) do processo civil, como adverte Ada Pellegrini Grinover, “pois as leis, por si sós, e por mais avançadas que sejam, não suficientes. Devem ser vivificadas pela prática de todos os dias, devem ser aceitas e aplicadas pelo corpo social e pelos operadores do direito em particular, devem encontrar seu banco de prova na jurisprudência [...]. É preciso que o operador do Direito – o advogado, o membro do Ministério Público, o juiz – se aproxime dos dispositivos legais e os interprete com o mesmo espírito aberto com que eles foram cunhados. É preciso quebrar resistências, incentivar a mudança de mentalidades (nas Faculdades, nas Escolas de Advocacia, do Ministério Público, da Magistratura), manter os olhos postos na nova realidade, não incidir no erro fácil de interpretar a lei segundo princípios superados. Nesse interregno algumas distorções surgem como inevitáveis: o importante é lutar para preservar o verdadeiro sentido da lei” (Cf. Ada Pellegrini Grinover, O processo em evolução, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996, p. 121).

5 Cf. José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 121.

Page 184

CONSTITUIÇÃO, JURISDIÇÃO E PROCESSO

184

da atuação jurisdicional. Afirma-se, mesmo, que o futuro do processo civil será dominado pelos provimentos urgentes e provisórios”.6Observa com propriedade Athos Gusmão Carneiro, que há um processo de concientização da necessidade de redistribuição do ônus do tempo dentro do processo, o que tem levado à criação de formas diferenciadas de tutela, quer buscando abreviar, embora mantida a cognição exauriente, a prolação da sentença de mérito com eficácia de coisa julgada material; quer através de técnicas de “preservação provisória e temporária dos interesses do litigante que, tendo em seu favor uma aparência do bom direito, razoavelmente possa invocar prejuízo grave decorrente da duração do processo”.7Constituem exemplos do primeiro grupo, diz o autor, o procedimento sumário (CPC, arts. 275 e ss.), o procedimento dos Juizados Especiais (regulado pela Lei nº 9.099/95 e, no âmbito federal, pela Lei nº
10.259/01), além do julgamento antecipado da lide, quando não haja necessidade de dilação probatória (CPC, art. 330, I). Já à segunda categoria pertence a tutela cautelar.

Por outro lado, a propalada utilização anômala do processo cautelar, complementa o autor, levou o legislador a adotar de forma genérica, com a Lei nº 8.952/94, a antecipação da tutela, como forma de proporcionar ao autor a fruição dos efeitos da provável sentença de procedência no

6 Cf. José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT