O racismo de Estado em Michel Foucault

AutorJoão Roberto Barros II
CargoDoutor em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires, Argentina
Páginas121-136
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2018v15n1p1
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.15, n.1, p.01-16 Jan.-Abr. 2018
O RACISMO DE ESTADO EM MICHEL FOUCAULT
João Roberto Barros II
1
Resumo:
O objetivo neste texto é discorrer sobre o racismo de Estado na obra de Michel
Foucault. Considerando o marco da biopolítica, veremos como o racismo de Estado
pode ser considerado uma estratégia de exercício do poder sobre o corpo social.
Fragmentando o corpo social e estabelecendo uma oposição binária entre as raças, o
exercício do poder operará sobre a vida biológica. Será abordado também o modo
como o discurso científico foi desenvolvido em alguns casos para colaborar nessa
estratégia. Veremos como isso se dá em países em desenvolvimento, nos quais
segmentos da população que incrementam as taxas de mortalidade seguindo o
planejado pelo Estado. Neles os desvalorizados e marginalizados, os perigosos do
corpo social, podem ser plausivelmente considerados alvos privilegiados do racismo
de Estado.
Palavras-chave: Racismo de Estado. Medicina. Degeneração. Biopolítica. Michel
Foucault.
1 INTRODUÇÃO
Tendo como ponto de partida o genocídio colonizador, Foucault aborda o
racismo de Estado como uma estratégia biopolítica. A fragmentação do biológico,
acompanhada da oposição binária entre as raças foram estratégias muito utilizadas
pelos povos europeus durante a conquista colonial.
Transladando sua reflexão ao contexto europeu moderno, Foucault tematizará
o racismo de Estado. A partir desse período, um discurso biológico social passa a
estar cada vez mais presente nas esferas de poder, de modo que a população passa
a ser governada tomando em conta suas características biológicas.
Veremos também como o racismo de Estado está relacionado à formação dos
Estado modernos. A diretriz racista é reapropriada pelo poder de fazer viver. Contudo,
o que poderia representar um contrassenso, figura como justificativa para continuar
exercendo o poder de morte sobre parcelas indesejáveis da população.
Considerando o marco da biopolítica, veremos como o racismo de Estado pode
ser considerado uma estratégia de exercício do poder sobre o corpo social.
1
Doutor em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e em Ciências Sociais pela
Universidade de Buenos Aires, Argentina. Professor da Universidade Federal da Integração
Latinoamericana, Foz do Iguaçu, PR, Brasil. E-mail: joao.barros@unila.edu.br
2
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.15, n.1, p.01-16 Jan.-Abr. 2018
Fragmentando-o e estabelecendo uma oposição binária entre as raças, o exercício do
poder operará sobre a vida biológica. Será abordado também o modo como áreas do
discurso científico foram desenvolvidas em alguns casos para colaborar nessa
estratégia.
2 RACISMO E BIOPOLÍTICA EM FOUCAULT
A teoria da soberania parte do sujeito e volta ao sujeito como cidadão. Um ciclo
que tem como intermediário a lei, constituidora do Estado e fiadora da autoridade
soberana. Em outra perspectiva, a analítica do poder parte dos efeitos de submissão
frutos dos operadores de dominação das relações de poder presentes na sociedade.
Os dispositivos de dominação devem ser encarados em sua heterogeneidade,
conformando técnicas que visam à “fabricação dos sujeitos mais que a gênesis do
soberano” (FOUCAULT, 1997, p. 39; 2010a, p. 51)
2
.
Para Michel Foucault, o discurso da “guerra de raças” fundamentaria a
“conquista e a subjugação de uma raça por outra” desde o séc. XVII (FOUCAULT,
1997, p. 51; 2010a, p. 64). Ademais desse racismo dirigido ao âmbito exterior, há
também aquele dirigido ao corpo da própria sociedade à qual pertence o sujeito do
racismo. Esse segundo tipo se dá como condição de sobrevivência. Segundo ele, o
“discurso biológico social” ainda está infiltrado no corpo social e favorece a criação e
manutenção de instituições que retroalimentam o “discurso da luta de raças como
princípio de eliminação, de segregação e, finalmente, de normalização da sociedade”
(FOUCAULT, 1997, p. 53; 2010a, p. 65).
Trata-se da justificativa da manutenção da vida de alguns pela deliberada
eliminação de outro qualquer. Frases como “se queres viver, o outro deve
morrer” convertem-se num slogan político e são, a todo o momento, utilizadas
nas chantagens a respeito do direito à riqueza e ao bem-estar social. Dessa
maneira, percebemos que a grande chantagem está numa associação entre
eliminação do outro como purificação da sociedade
3
(CASTELO BRANCO,
2009, p. 32).
“O racismo será desenvolvido, em primeiro lugar, com a colonização, isto é,
com o genocídio colonizador” (FOUCAULT, 1997, p. 229; 2010a, p. 232). Nessa
2
Todas as citações referenciadas em outra língua correspondem a traduções livres do autor.
3
Para um debate complementar a este, remetemos ao texto Progresso e raça Iluminismo e
Descolonialidade epistêmica. Kalágatos. Fortaleza, v. 11, n. 22, p. 319-350, 2014.

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