Racionalidade coletiva no STF e precedentes vinculantes: o exemplo do conceito de vida na ADPF N. 54

AutorFlavia Portella Püschel
CargoDoutora em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professora Associada da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP), São Paulo, S.P., Brasil. E-mail: flavia.puschel@fgv.br.
Páginas536-561
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D: 10.14210/nej.v24n2.p536-561
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Resumo: Objetivo deste artigo é explicitar a relação entre o procedimento de
agregação das posições individuais dos ministros para composição dos acórdãos
do Supremo Tribunal Federal (STF) e o modo como tais acórdãos devem ser
considerados para a constituição de precedentes judiciais vinculantes. A hipótese
que se investiga, com base na teoria dos agentes coletivos de Christian LIST e
Philip PETTIT, é que o sistema de votação por maioria, como empregado pelo
STF, é incapaz de garantir fundamentos racionais coletivos para as decisões da
corte e que tal característica institucional é de fundamental importância para o
desenvolvimento de uma teoria brasileira do precedente. Conclui-se que, por falta
de fundamento racional coletivo, nem toda decisão do STF constitui precedente,
ainda que o julgamento tenha sido unânime, e que o estabelecimento da própria

superado sem análise dos fundamentos de todos os votos. O modo como o STJ
empregou a decisão da ADPF n. 54 é evidência de que tais preocupações não
são sempre reconhecidas, o que cria um risco de seleção arbitrária de posições
individuais em casos já julgados e de aumento da fragmentação jurisprudencial.
Palavras-chave: Racionalidade coletiva; Precedentes vinculantes; Decisões
judiciais colegiadas; Supremo Tribunal Federal; Novo Código de Processo Civil.
Abstract: This article argues that the relationship between the way in which
the judgements of the Justices of the Brazilian Constitutional Court are grouped
together cannot guarantee collective rationality of court rulings, an institutional
            
precedents. The problem is presented based on the example of ADPF no. 54, a
ruling on anencephaly and its use as a precedent by the Brazilian Supreme Federal
Court of Justice.
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original.
RACIONALIDADE COLETIVA NO STF E
PRECEDENTES VINCULANTES: O EXEMPLO
DO CONCEITO DE VIDA NA ADPF N. 54
COLLECTIVE RATIONALITY IN THE BRAZILIAN CONSTITUTIONAL COURT AND BINDING
PRECEDENTS: THE EXAMPLE OF THE CONCEPT OF LIFE IN ADPF NO. 54
RACIONALIDAD COLECTIVA EN EL STF Y PRECEDENTES VINCULANTES: EL EJEMPLO
DEL CONCEPTO DE VIDA EN LA ADPF N. 54
Flavia Portella Püschel1
1 Doutora em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professora Associada da Escola de Direito de São

gostaria de agradecer aos participantes do Workshop de Pesquisas da FGV Direito SP, aos participantes da sessão
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”, realizado em Seattle, bem como aos avaliadores anônimos desta revista, pelos comentários a
versões anteriores deste trabalho, os quais permitiram o seu aperfeiçoamento. Agradecimentos são devidos também
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D: 10.14210/nej.v24n2.p536-561
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The argument is based on the theory of collective agents of Christian List and Philip Pettit and the
system of majority vote, as used by the Supreme Federal Court, which is not capable of guaranteeing
collective rational fundamentals for the decisions of the court, and on the idea that this institutional
characteristic is fundamentally important for the development of a Brazilian theory of precedent. The
article concludes that due to the lack of collective rationality, not every ruling by the Constitutional
Court can be considered a precedent, and that to establish a precedent, it is necessary to analyze all
the individual opinions. The way in which the Superior Court of Justice applied the ruling in ADPF no.
54 as a precedent shows that these questions were not adequately taken into account, which creates
a risk of arbitrary selection of individual opinions, and of further fragmentation of court rulings.
Key-words: Collective Rationality; Binding Precedents; Collegial Court Rulings; Brazilian
Constitutional Court; New Brazilian Civil Procedure Code.
Resumen: El objetivo de este artículo es explicitar la relación entre el procedimiento de agregación
de las posiciones individuales de los ministros para la composición de los acuerdos del Supremo
Tribunal Federal (STF) y el modo como tales acuerdos deben ser considerados para la constitución
de precedentes judiciales vinculantes. La hipótesis que se investiga, con base en la teoría de los
agentes colectivos de Christian LIST y Philip PETTIT, es que el sistema de votación por mayoría,
como empleado por el STF, es incapaz de garantizar fundamentos racionales colectivos para las
decisiones de la corte y que tal característica institucional es de fundamental importancia para el
desarrollo de una teoría brasileña precedente. Se concluye que, por falta de fundamento racional
colectivo, ni toda decisión del STF constituyó precedente, aún que la sentencia haya sido unánime,
y que el estabelecimiento de la propia regla de precedente, en los casos en que ella exista, es un
desafío que no puede ser superado sin análisis de los fundamentos de todos los votos. El modo
como el STJ empleó la decisión de la ADPF n. 54 es evidencia de que tales preocupaciones no son
siempre reconocidas, lo que crea un riesgo de selección arbitraria de posiciones individuales en
casos ya juzgados y de aumento de la fragmentación jurisprudencial.
Palabras-clave: Racionalidad colectiva; Precedentes vinculantes; Decisiones judiciales colegiadas;
Supremo Tribunal Federal; Nuevo Código de Proceso Civil.
INTRODUÇÃO
A partir da Reforma do Judiciário realizada pela Emenda Constitucional n.
45, de 2004, adotou-se uma agenda “centralizadora e racionalizadora” como
estratégia para busca de segurança jurídica e previsibilidade das decisões
judiciais2, a qual recentemente se desdobrou na valorização de “estímulos para
que a jurisprudência se uniformize, à luz do que venham a decidir tribunais
superiores e até de segundo grau” pelo Código de Processo Civil de 2015 (CPC)3.
2 GROSS CUNHA, Luciana e ALMEIDA, Frederico de. Justiça e desenvolvimento econômico na Reforma do
Judiciário brasileiro. In: SCHAPIRO, Mario G. e TRUBEK, David M. Direito e Desenvolvimento: Um diálogo
entre os BRICS. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 361 e 365.
3 BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto
de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto. Brasília: Senado Federal, Presidência,
2010, p. 17.

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