A questão do aumento do preço dos combustíveis através de decreto

AutorJorge de Oliveira Vargas/David Willian Peixoto
Páginas17-29

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O Brasil todo foi pego de surpresa com o Decreto 9.101, de 20 de julho de 2017, pelo qual houve considerável aumento no preço dos combustíveis, por conta da alteração das alíquotas das contribuições para o PIS/Pasep e Cofins.

É possível, nos termos da nossa Constituição Federal, o aumento de tributo através de decreto?

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I O princípio da legalidade tributária

O art. 150 da Constituição Federal, que trata das limitações do poder de tributar, prevê, em seu inciso I, entre outras garantias, que é vedado à união, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

Por se tratar de uma garantia constitucional, o dispositivo deve receber a interpretação que lhe dê a maior eficácia possível; portanto, a vedação alcança tanto o aumento direto como o indireto.

O princípio da legalidade tributária tem sua origem na Magna Carta de João Sem terra, de 1215, pela qual ficou previsto (12) que o monarca não poderia instituir tributos sem a autorização do Conselho Geral, ou seja, os tributos só poderiam ser instituídos com a autorização do Conselho. Desse preceito vem o célebre adágio “no taxation without representation” (nenhuma tributação sem representação), isto é, não se pode estabelecer mais tributos que os votados pelos representantes do povo. Esse é um dos princípios básicos do constitucionalismo moderno3.

Daí surge o princípio da autotributação, que significa dizer que é o povo que se auto tributa, e o princípio da legalidade nada mais é do que o povo se tributando através de seus representantes.

Um retrocesso nesse sentido seria a volta de uma situação que ficou superada há mais de 800 anos.

O princípio da legalidade tributária, em nosso ordenamento jurídico, tem uma característica especial: é denominado princípio da estrita legalidade. A respeito escreve Paulo de Barros Carvalho:

Sabemos da existência genérica do princípio da legalidade, acolhido no mandamento do art. 5º, II da Constituição. Para o direito tributário, contudo, aquele imperativo ganha feição de maior severidade, como se nota da redação do art. 150, I: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

Em outras palavras, qualquer das pessoas políticas de direito

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constitucional interno somente poderá instituir tributos, isto é, descrever a regra-matriz de incidência, ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota, mediante a expedição de lei.

O veículo introdutor da regra tributária no ordenamento há de ser sempre a lei (sentido lato), porém o princípio da estrita legalidade diz mais do que disso, estabelecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional. Esse plus caracteriza a tipicidade tributária, que alguns autores tomam como outro postulado imprescindível ao subsistema de que nos ocupamos, mas que pode, perfeitamente, ser tido como uma decorrência imediata do princípio da estrita legalidade.4Pelo princípio da estrita legalidade, devem estar previstos na lei todos os critérios da norma jurídica tributária, quais sejam, o material, temporal, espacial, contidos na hipótese de incidência, como o pessoal e o quantitativo, neste estando incluída a alíquota5.

Como se vê, o princípio da legalidade, em direito tributário, é mais rigoroso do que o princípio da legalidade em sentido lato, previsto no art. 5º, II, da CF. Portanto, merece um cuidado todo especial, pois todos os requisitos para a instituição ou aumento de um tributo devem estar previstos em lei. Pelo princípio da estrita legalidade não é possível exigir-se ou aumentar-se um tributo com base na analogia. É o que se extrai do art. 108, § 1º, do Código tributário Nacional. Assim como não há crime por analogia, não se pode exigir ou aumentar tributo invocando analogia.

II Das exceções ao princípio da estrita legalidade

A regra geral é a observância estrita do princípio da legalidade, inclusive para as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. É o que preceitua o art. 149 da CF:

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Compete exclusivamente à união instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Todavia, a Constituição Federal traz algumas exceções ao princípio da legalidade estrita, quais sejam:

  1. Art. 153 § 1º, da CF: “É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I [importação de produtos estrangeiros], II [exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados], IV [produtos indus-trializados] e V [operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários].” É o que se convencionou denominar de “legalidade aparente”.

  2. A segunda exceção está contida no art. 177, § 4º, I, “b”, da CF, que se refere à contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide). Diz o texto constitucional: “A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso;

  3. reduzida e estabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b”;

  4. A terceira refere-se ao art. 155, § 4º, IV, da CF, que permite aos estados e Distrito Federal definir as alíquotas do ICMS monofásico incidente sobre combustíveis, através de convênio específico.

  5. Ainda o art. 97, § 2º, do Código tributário Nacional prevê que “não constitui majoração de tributo, para fins do disposto

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    no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo”; e, finalmente,

  6. Em caso de relevância e urgência, as medidas provisórias (art. 62, § 2º, da CF.)

    Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente, isto é, não podem ser aplicadas por analogia. Não há exceção em relação às contribuições sociais PIS/Pasep e Cofins; em relação a elas aplica-se, de forma irrestrita, o princípio da legalidade tributária.

III Dos tributos sobre os combustíveis

Incidem sobre os combustíveis o ICMS, a contribuição...

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