Constituição e a questão nordestina: por uma política de enfrentamento/superação das desigualdades regionais

AutorRoberto Guilherme Leitão
CargoMestrando em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza/UNIFOR/PPGD
Páginas80-100

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1. Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 3o, inc. III preceitua a redução das desigualdades regionais como um dos objetivos fundamentais da sociedade brasileira ao asseverar que constituem objetivos da República: "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (inciso III)". E ainda, proclama a superação das desigualdades entre Regiões como um dos Princípios da Ordem Econômica e Financeira (CFRB, Art. 170, inciso VII). Com efeito, a o debate Constituinte de 1987/1988 se deu em um ambiente de avanços democráticos e na retomada do desenvolvimento social e econômico do país.

Passadas mais de duas décadas da nova Ordem Constitucional (1988), a sociedade brasileira permanece a ostentar o desonroso título de um dos países mais desiguais do planeta. A chaga da desigualdade continua a fragmentar o Estado-Nação, e assim, por via de consequência, a macular a própria unidade nacional. Diante de tal imbróglio, um questionamento há de ser feito: A Constituição Federal ao priorizar a superação das desigualdades regionais, dando magnitude de objetivo fundamental da República, se valeu dos institutos jurídicos-constitucionais por esta concebidos, na consecução de tal desiderato? Em que medida? E ainda, com o advento da Constituição de 1988, o que mudou na política de superação das desigualdades regionais no país?

A resposta a tais indagações passa necessariamente pelo estudo do federalismo brasileiro e de suas idiossincrasias. Sobretudo, quando se percebe a relevância de três matérias que guardam correlação entre si e que são de fundamental importância no enfrentamento das desigualdades regionais, quais sejam: a) (des)centralização e divisão de competências constitucionais de planejamento regional; b) da coordenação das esferas de poder local, regional e federal e c) o repasse de verbas para a consecução das competências constitucionalmente tipificadas. Passemos ao estudo destas questões tão caras à sociedade brasileira.

2. Da necessária delimitação conceitual
2. 1 Da Questão Regional

O presente capítulo tem por fim apresentar as múltiplas significações do termo região, bem como o debate acadêmico que o termo tem suscitado no estudo das ciências sociais. Para tanto, maior ênfase será dada às significações com reflexos na ordem jurídico-constitucional.

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A delimitação conceitual do termo região, e por via de consequência, sua utilização, vem sendo objeto de estudo mul ti disciplinar, que, por muitas vezes, acertadamente, interagem. A este caráter multidisciplinar, e á consequente disputa conceitual, Pierre Bourdieu3, na obra O poder simbólico, assevera: "a região é o que está em jogo como objeto de lutas entre os cientistas, não só geógrafos, é claro, que, por terem que ver com o espaço, aspiram ao monopólio da definição legítima, mas também historiadores, etnólogos e, sobretudo desde que existe uma política de 'regionalização' e movimentos 'regionalistas', economistas e sociólogos."

Esta interação cientifica em torno da temática regional dá dinâmica e complexidade ao termo. No âmbito jurídico-constitucional, as significações, variadas e multidisciplinares do termo região hão de ser consideradas, e conformadas no sentido de dar real efetividade e carga eficacial aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais. E, em especial, ao princípio constitucional de superação das desigualdades regionais, vez que objeto do presente estudo.

As regiões, no entanto, nem sempre foram perscrutadas como são na atualidade. A questão regional e suas distorções estruturais, ou seja, as desigualdades regionais, surgem com maior intensidade a partir da segunda metade do século XX. Desde este período até hoje, muitos argumentos e ponderações foram defendidos. Com efeito, o conceito de região é marcado por um caráter de dinamismo constante, variando sua significação no tempo. Esta variação conceitual na linha do tempo, é própria da complexidade do tema e do amálgama multidisciplinar que a questão regional envolve. Feitas essas considerações, busquemos entendimento acerca do conceito de região.

De início, devemos buscar entendimento na etimologia da expressão. As palavras trazem consigo significações. Aquelas, podendo ser de caráter unissêmicos ou polissêmicos. No caso do vocábulo região, a significação é vária. Com efeito, a imprecisão do conceito e sua utilização indiscriminada acarretam problemas quando da aplicação do termo. Corroborando com tal entendimento, Breitbach4 em Estudo sobre o conceito de região, atesta:

"Essa utilização do termo região não atua no sentido de qualificar adequadamente a realidade estudada devido à sua imprecisão. Disso resulta que é possível a uma mesma área geográfica ser "classificada" em regionalizações completamente distintas, conforme o "critério" adotado".

A ideia que veicula o termo região sofreu variações na linha do tempo. Esta relação do vocábulo região e o sua contextualização histórica, há de ser estudada criticamente. Este estudo nos remete ao passado, mais especificamente ao Império

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Romano. A etimologia da palavra região é de origem latina régio, regione, e veicula uma derivação da palavra rex. Bourdieu5 assim atesta:

A etimologia da palavra região (regio), tal como a descreve Emile Benveniste, conduz ao principio da divisão, acto mágico, quer dizer propriamente social, de diacrisis que introduz por decreto uma descontinuidade decisória na continuidade natural [...]. A regio e as suas fronteiras (fines) não passam do vestígio apagado do acto de autoridade que consiste em circunscrever a região, o território (que também se diz fines), em impor a definição (outro sentido da fines), legítima, conhecida e reconhecida, das fronteiras e dos territórios

A mais enraizada das tradições conceituais de região é a geográfica em sentido amplo, que exsurge em forma de um amálgama de conteúdo sócio-econômico-histórico, baseado num certo espaço característico. Com efeito, a região há de ser concebida como resultante de uma longa formação histórica, uma fusão de fatores geográficos e ambientais, em sentido lato, com um processo cultural. Aduz-se a este processo dinâmico, e na seara geográfica, a ideia de região está diretamente associada ao processo de centralização política e do poder de um espaço dominante sobre outros, claramente diversos: social, cultural e espacialmente. Com efeito, a ideia de região, em seu nascedouro, traz consigo uma relação espacial de poder.

Diante das diversas formas de conceituar região, de tal sorte que seria, senão impraticável, ao mínimo dificultoso tentar exaurir a temática regional, passamos a fazer alguns recortes, para assim, delimitar melhor o tema. Com efeito, nosso objetivo consiste em traçar um quadro geral da conceituação existente, diga-se, não de forma exauriente, com o escopo de situar o presente trabalho, sem a preocupação de realizar uma exposição pormenorizada dos conteúdos das teorias.

Assim, abordaremos a temática regional por meio de duas classificações, a saber: a primeira, em que é feita uma análise regional com ênfase nos condicionamentos históricos contidos na região, e que fora defendida por Breitbach e respaldado por Juan Palácios; e a segunda, que particulariza as regiões tomando como base critérios sóciohistóricos ou jurídico-econômicos, e que tem em Eros Grau seu defensor.

Passemos ao estudo da primeira das classificações. Para tanto, utilizamos a classificação adotada por Breitbach. Nesta primeira classificação, que prevalece na seara geográfica, divide-se o conceito de região em dois grupos fundamentais: as formulações convencionais e as formulações avançadas.

As formulações conceituais convencionais de região trabalham com base na abstração do sistema social que está na origem da formação regional e, com isso, formulam leis de caráter universal, não inserindo no debate o condicionamento histórico que orbitam na região. Breitbach6 reitera:

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"Dentro desse enfoque estão situadas a chamada Escola Alemã (von Thünen, Losch e Christaller), e a Escola Francesa (Perroux e Boudeville) e ainda a Teoria da Base Econômica de Exportação. Esse conjunto de teorias - que tem em comum um enfoque que abstrai a importância dos fatores sociais sobre a configuração espacial."

Na segunda vertente de formulação avançada de região figuram como expoentes Coraggio e Lipietz. A metodologia científica deste grupo caracteriza-se, em oposição ao primeiro, por considerar como ponto de partida de suas formulações a existência de um sistema social com determinantes históricos. Neste sentido Breitbach7 pontua: "Esse grupo de concepções incorpora, como consequência desse ponto de partida, a noção de que o espaço não é um elemento neutro, independente em relação ao tipo de sociedade que ali se localiza. O sistema social, considerado em sua historicidade, está na origem das concepções avançadas de região, uma vez que o padrão de assentamento de um território está condicionado pelo tipo de relações sociais existentes no interior da comunidade humana que realiza esse assentamento."

"Esse grupo de concepções incorpora, como consequência desse ponto de partida, a noção de que o espaço não é um elemento neutro, independente em relação ao tipo de sociedade que ali se localiza. O sistema social, considerado em sua historicidade, está na origem das...

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