Quem é o sujeito de direito? A construção científica de um conceito jurídico

AutorPedro Jimenez Cantisano
CargoMaster of Laws, University of Michigan; Professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.
Páginas132-151
Quem é o sujeito de direito?
A construção cientíca de um
conceito jurídico*
Pedro Jimenez Cantisano**
1. Introdução
Quando uma lei é elaborada e toda vez que a lei é interpretada – por
juízes, advogados, funcionários públicos e cidadãos em geral – encontra-
se subjacente uma noção de sujeito de direito. O sujeito de direito é aquele a
quem a lei – em sentido amplo – atribui direitos e obrigações, aquele cujo
comportamento se pretende regular1. A pergunta sobre como esse sujeito
toma decisões – em última instância, quem ele é – interessa aos juristas sob
diversos pontos de vista. Imputabilidade e inimputabilidade, capacidade e
incapacidade, deliberação e intuição são conceitos juridicamente relevan-
tes e que se referem a estados mentais, intenções, processos cognitivos, em
suma, o que se passa em nossas cabeças quando tomamos uma decisão.
Na origem desses conceitos, está o mito da dominação racional de uma
natureza interior reprimida, do homem capaz de agir racionalmente sem
* Este artigo foi d esenvolvido a partir de pesqu isa de iniciação científ‌ica re alizada entre os anos de 2006
e 2007 no âmbito conjunto da Faculdade de Direito e do Instituto de Medicina Social da UERJ, onde
se desenvolve o projeto “O sujeito cerebral: o impacto d as neurociências na so ciedade contemporânea.”
Gostaria de agradecer ao meu orientador, Dr. Francisco Ortega, pelo apoio dis pensado até a conclusão
de resultado s preliminares qu e renderam ao projeto o Prêmi o de Iniciação à Ciência Nalva de Olivei ra
Caldas, em 2007.
** Master of Laws, University of Mich igan; Professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do
Rio de Janeiro. E- mail: pjcantisano@gmail.co m.
1 Segundo Kelsen: “A teoria tradicional identif‌ica o conceito de sujeito jurídico com o de pessoa. Eis sua
def‌inição: pessoa é o homem enquanto sujeito de direitos e deveres” (KELSEN, 2006, p. 191). Aqui se
pretende analisar o sujeito de direito enquanto pessoa física, não jurídica.
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que as emoções tomem conta do processo decisório2. Razão e paixão, men-
te e corpo, cultura e natureza são dualismos constitutivos da forma como
aprendemos a pensar sobre nós mesmos.
Neste artigo, serão observadas práticas científ‌icas em torno do Direito
que reproduzem esses dualismos ou que os colocam em xeque, lançando
conceitos como razão e emoção em uma zona de indistinção que abre
caminho para a crítica do pensamento e, em especial, a crítica do pensa-
mento sobre o Direito. Práticas científ‌icas em torno do Direito nada têm a
ver com tentativas de construir uma ciência especif‌icamente jurídica nos
moldes kelsenianos3. Trata-se de conhecimento produzido em outras áreas
do saber – como a Economia, a Psicologia, a Neurociência e a Biologia – de
alguma forma aplicado a estudos empíricos sobre práticas jurídicas e com-
portamentos juridicamente relevantes.
Não cabe aqui uma exploração f‌ilosóf‌ica a respeito daqueles códigos
binários que, historicamente, estruturam o conhecimento produzido sobre
o comportamento humano, ou a respeito do impacto de recentes descober-
tas científ‌icas no debate f‌ilosóf‌ico e sociológico em torno de paradigmas
antropológicos4. Ou seja, não se pretende uma crítica histórica e f‌ilosóf‌ica
sobre a construção discursiva da subjetividade. O que se pretende é sim-
plesmente apresentar práticas científ‌icas que def‌inem modelos compor-
tamentais empregados em estudos normativos sobre o Direito e mostrar
como estas práticas representam diferentes formas de pensar o ser humano
enquanto sujeito de direitos e obrigações.
Nosso ponto de partida será a Análise Econômica do Direito (Law and
Economics, L&E), uma prática científ‌ica amplamente difundida na pesquisa
em Direito nos Estados Unidos e que já tem representantes consolidados
na Europa e no Brasil5. Os estudos de L&E se desenvolvem a partir de um
modelo que pressupõe um ser humano racional que, portanto, decide de
forma a maximizar seu bem-estar pessoal. O modelo comportamental do
2 HABERMAS, 2002, p. 158.
3 KELSEN, 2006, p . 79.
4 Este tipo de debate é o centro da pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Medicina Social da UERJ em
conjunto com o Instituto Max Planck, d a Alemanha,que tem como objeto um novo paradigma antropo-
lógico, denomina do “sujeito cerebral”.
5 Alemanha, Holanda e França são alguns dos países europeus onde o L&E já se encontra em avançado
estágio de desenvolvimento. No Brasil, vale destacar o recente Centro de Pesquisas em Direito e Economia,
da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.
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