Quem mexeu no meu 'porn'? Breves apontamentos acerca da relação entre o direito, a tecnologia e a indústria do sexo

AutorNathalia Foditsch
Páginas267-280
267
QUEM MEXEU NO MEU “PORN”? BREVES
APONTAMENTOS ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE O
DIREITO, A TECNOLOGIA E A INDÚSTRIA DO SEXO
NATHALIA FODITSCH
INTRODUÇÃO
Sexo e pornografia, um assunto que permeia várias áreas do Direito. Como
é possível, portanto, que se trate tão pouco de tais temas, ao menos no que
se refere à sua interface com o Direito e o desenvolvimento tecnológico?
Há algum papel a ser desempenhado pelo Estado neste debate? Deve tal
tema ser discutido de forma ampla ou se trata de algo de foro íntimo, que
não deve ser trazido à tona, e muito menos no âmbito de um livro como
este? Estes são questionamentos que me faço há alguns anos.
Minha carreira tem sido dedicada ao desenvolvimento das comunicações.
Há alguns anos, quando trabalhava com projetos de infraestrutura de banda
larga no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) me deparei com
diferentes textos informando que aproximadamente 60% do tráfico da
Internet vem de sítios de conteúdo adulto, estatística que já foi declarada
falaciosa por alguns especialistas.1 Me perguntei à época, se por meio do
meu trabalho eu estaria dedicando um tempo considerável à indústria do
sexo e à pornografia, mesmo que indiretamente. Percebi que se trata de um
tema de grande relevância, ainda que pouco discutido em certas esferas,
1 Veja, por exemplo, a apresentação da consultoria Telegeography (vídeo), dizendo que
se trata de um mito a estimativa de que seria em torno de dois terços o total de tráfego
de dados relacionados a conteúdo adulto. Ver: SIMPSON, Thomas. Mythbusters:
Revenge of the Cable Myths, Part III. TeleGeography, 14 jul. 2016.
telegeography.com/mythbusters-revenge-of-the-cable-myths-part-iii>.
268 HORIZONTE PRESENTE
como as da direito, política e regulação2 (WOSICK, 2015).3 Mesmo sem
adentrar em quaisquer discussões relacionadas ao mérito desta indústria
ou seu impacto, é impossível ignorar, por exemplo, que ela movimenta
grandes montantes, chegando a arrecadar até US$60 bilhões por ano no
mundo (WOSICK, 2015), embora muitas das estimativas a ela relacionadas
não sejam confiáveis (DARLING, 2014; ALTAWEEL, 2017; SULLIVAN;
MCKEE, 2015). O maior portal on-line de conteúdo pornográfico conta
com mais de 75 milhões de acessos diariamente, ou seja, é o 39º sítio da
Internet mais acessado no mundo e o 24º sítio mais acessado nos Estados
Unidos.
4
No Brasil, um outro portal, também com conteúdo pornográfico,
aparece em 17º lugar no ranking geral do país.5
A crescente evolução da indústria do sexo e a adoção e o uso de conteúdos
pornográficos traz consigo implicações jurídicas, econômicas, e até mesmo
políticas. Assim, entender o funcionamento de tal indústria, o impacto
exercido pelo desenvolvimento tecnológico em suas mudanças, e sua rela-
ção com a Internet são exemplos de reflexões necessárias e relevantes. Da
mesma forma, é importante pensar se o Estado deve ou não interferir na
referida indústria. Nos Estados Unidos, debates relacionados aos limites da
intervenção do Estado no que concerne à pornografia ocorrem há décadas.
Uma frase citada em muitos trabalhos acadêmicos relacionados, data de
1964, quando o Juiz Potter Stewart, da Suprema Corte americana, disse
não ser necessário adentrar no que pode ser definido como “obsceno” ou
“pornográfico” afirmando apenas Eu sei quando vejo.
6 7
Edelman (2009)
explica que nos Estados Unidos o tema do conteúdo de entretenimento
adulto já foi discutido em diversos projetos de lei e também permeou o
2 Não adentrarei no debate acerca das razões pelas quais o tema ainda é pouco
debatido. Entre elas, sem dúvidas, estão os tabus relacionados a tudo que envolve
a sexualidade humana.
3 Há um crescente interesse no tema por parte de profissionais de humanas e das
ciências sociais.
4 Dados coletados por meio do portal Alexa. Acesso em maio de 2017. O sítio em
questão é o Pornhub. Mais informações podem ser acessadas em: RANKS, Alexa
Traffic. How popular is pornhub.com? Disponível em: .alexa.com/
siteinfo/pornhub.com>. Acesso em: 17 dez. 2018.
5 Dados coletados por meio do portal Alexa. Acesso em maio de 2017. O sítio em
questão é o XVideos. Mais informações podem ser acessadas em: ALEXA. Top Sites
in Brazil. Disponível em: .alexa.com/topsites/countries/BR>. Acesso em:
17 dez. 2018.
6 No original: “I know it when I see it”
7 Jacobellis v.Ohio, 378 U.S. 184 (1964).
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 269
debate de leis que foram aprovadas. Discutiu-se, por exemplo, até que
ponto a pornografia está ou não contemplada pela Primeira Emenda da
Constituição, que protege a liberdade de expressão8.
No Brasil, o debate acerca de questões jurídico-regulatórias envolvendo
a indústria do sexo e a pornografia é quase inexistente. De todo modo,
o consumo de pornografia online no país apresenta dados curiosos. De
acordo com dados referentes ao ano de 2016, o Brasil está entre os países
no mundo com a maior quantidade de tráfego.
9
Um grande número dos
acessos a tais conteúdos – 43% – é feita por menores de 24 anos de idade,
e a porcentagem de acesso por mulheres é superior do que a média mun-
dial –33% Brasil v. 25% média mundial.
10
Além disso, o país está entre
os dez países com o maior número de atrizes na indústria pornográfica
(MILLWARD, 2013).
Embora a relação entre o Direito, a tecnologia e a pornografia ainda seja
pouco explorada no Brasil, a chamada “pornografia de vingança” é discutida
há vários anos, inclusive no âmbito do Judiciário e do Legislativo, por meio
de Projetos de Lei. Esta prática, que ocorre quando imagens ou vídeos com
conteúdos íntimos são compartilhados – geralmente pela Internet – sem
prévio consentimento, foi explorada no estudo de Valente et al. (2016),
dedicado inteiramente ao tema, no qual se destaca que existem instru-
mentos a serem usados contra esta prática, tanto na esfera penal como na
civil (VALENTE et al, 2016).11 Embora a “pornografia de vingança” seja
8 Kathleen Ann Ruane (2014) explica que a Suprema Corte americana determinou
por meio de sua jurisprudência, tipos de expressão que não são contempladas pela
referida Emenda, quais sejam: (i) a pornografia infantil; (ii) o discurso obsceno;
e (iii) a expressão que gera “reais ameaças”. Veja também a pesquisa de Isabella
Frajhof, que analisou decisões americanas relacionadas ao “discurso obsceno”, que
é uma das formas de expressão que não estão contempladas pela Primeira Emenda
nos Estados Unidos.
9 Veja: PORN HUB INSIGHTS. Pornhub’s 2016 Year in Review. Disponível em:-
tps://www.pornhub.com/insights/2016-year-in-review>. Acesso em: 17 dez. 2018.
Veja também: PORN HUB INSIGHTS. Redtube & Brazil. Disponível em:
www.pornhub.com/insights/redtube-brazil>. Acesso em: 17 dez. 2018.
10 Veja: PORN HUB INSIGHTS. Pornhub’s 2016 Year in Review. Disponível em:-
tps://www.pornhub.com/insights/2016-year-in-review>. Acesso em: 17 dez. 2018.
Veja também: PORN HUB INSIGHTS. Redtube & Brazil. Disponível em:
www.pornhub.com/insights/redtube-brazil>. Acesso em: 17 dez. 2018.
11 Não obstante, o estudo destacou também uma série de entraves no que se refere
à defesa dos direitos das pessoas que têm estes conteúdos expostos.
270 HORIZONTE PRESENTE
um tema de grande relevância e complexidade, há muitos outros temas
envolvendo a indústria do sexo e a pornografia que devem ser debatidos.
Abordarei abaixo de forma breve:
i. o que são a indústria do sexo e a pornografia;
ii. de que forma elas estão ligadas às variadas áreas do direito e da
tecnologia;
iii. a relação entre privacidade, a pornografia e a “Internet das Coisas
do Sexo”.
Por fim, farei breves considerações a respeito da evolução da tecnologia,
de sua influência na indústria do sexo, e das razões pelas quais o debate
acerca deste tema deveria ser promovido.
A INDÚSTRIA DO SEXO E A PORNOGRAFIA: O QUE SÃO?
Este artigo se referirá à indústria do sexo em sentido mais amplo, que abar-
ca serviços e produtos assim como a pornografia. Quando comercializada,
portanto, a pornografia é parte da indústria do sexo. De acordo com o que
explica Tarrant (2016), a expressão pornografia refere-se a conteúdos cujo
objetivo é provocar a excitação sexual em uma pessoa, algo que já era visto
até mesmo em livros publicados no século XVIII, e logo depois na fotografia
e no cinema. Filmes franceses e alemães introduziram conteúdos cinemato-
gráficos explícitos já no final da primeira década do século XX (TARRANT,
2016). Desde então, tecnologias mudaram, possibilitando novas formas
de produção e distribuição de conteúdo. A convergência de plataformas
também transformou a pornografia, possibilitando que conteúdos sejam
acessados de diferentes formas. Hoje em dia, quando se fala em pornografia,
a correlação com vídeos na Internet é feita quase que imediatamente, uma
vez que o consumo tem aumentado de forma galopante ao redor do mundo.
Embora conteúdos pornográficos tenham sido produzidos há séculos,
a facilidade de produção e distribuição trazida pela Internet trouxe uma
dinâmica sem precedentes para a indústria. A pornografia foi transformada
em uma commodity e forças de mercado puderam operar mais do que nunca.
Um exemplo de tal dinâmica é a existência de um conglomerado dono de
várias empresas relacionadas à indústria pornográfica – o Mindgeek – que
atua na produção de conteúdos e também na distribuição. O conglomera-
do também lançou, por exemplo, um selo musical em 2014 e um cassino
on-line em 2016. O aumento do poder do MindGeek ocorreu em poucos
anos, e em 2012 a consolidação dos portais de distribuição de conteúdo
pornográfico começou a ocorrer (THE ECONOMIST, 2015).
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 271
Como é possível notar, há um movimento de integração vertical e hori-
zontal da indústria pornográfica. Muitos dizem que o grupo esta integração
é liderada pela MindGeek apenas, mas é difícil afirmar com segurança qual
seria o real poder de mercado de tal empresa. No entanto, ao que parece,
tal consolidação passou longe dos olhos dos órgãos responsáveis pelo con-
trole de concentração. As consequências relacionadas a esta consolidação
devem ir além de questões econômicas e de mercado. Na Inglaterra, por
exemplo, o Digital Economy Act, aprovado em 2017 tem uma parte inteira
dedicada à pornografia on-line, e estabelece regras estritas para evitar que
menores de 18 anos acessem tais conteúdos. Muitos dos veículos de mídia,
contudo, ressaltaram o poder que a MindGeek terá caso dados cadastrais
sejam mandatórios, sendo que a empresa teve ativo papel nas discussões
jurídico-regulatórias e tentou impor seu próprio sistema de verificação de
identidade (VAAS, 2017). Além disso, também é possível esperar variados
e importantes impactos de cunho sociocultural e comportamental decor-
rentes desta concentração. No entanto, não nos dedicaremos a discuti-los
no presente texto.
A INDÚSTRIA DO SEXO E O DIREITO
A indústria do sexo relaciona-se com as mais variadas áreas do direito e
com importantes discussões relacionadas às políticas públicas. Um exemplo
é sua conexão com a inovação. Um artigo acadêmico publicado há mais
de vinte anos já argumentava que a pornografia “encoraja a experimen-
tação de novas mídias” (JOHNSON, 1996, p. 218, tradução nossa). Anos
depois, na Conferência Arse Eletronika, realizada na Áustria em 2015,
discutiu-se a relação existente entre as novas tecnologias que estão sendo
desenvolvidas e a ideia de “código aberto” (open source).12 Foi levantado
o argumento, inclusive, de que os “brinquedos” sexuais trazem inovações
à toda indústria de eletrônicos.13
Até mesmo questões de propriedade intelectual e concorrência têm
interfaces com a indústria em questão. Um exemplo é o fato de que o
MindGeek, conglomerado citado acima, está envolvido em disputas judi-
ciais relacionadas à propriedade intelectual dos vídeos acessados em seus
portais, sendo autora de uma ação e ré em outra (THOMSEN, 2015). Uma
12 Veja: ARSE ELETRONIKA. Arse Elektronika San Francisco 2015 Disponível em:
www.monochrom.at/arse-elektronika/talkabstracts.html>. Acesso em: 17 dez. 2018.
13 Veja o argumento da empresa Comingle, apresentado em: ARSE ELETRONIKA.
Arse Elektronika San Francisco 2015 Disponível em: .monochrom.at/
arse-elektronika/talkabstracts.html>. Acesso em: 17 dez. 2018.
272 HORIZONTE PRESENTE
outra questão de propriedade intelectual refere-se a patentes e “brinquedos”
sexuais. Como exemplo, um acordo firmado em 2016 entre a empresa
sueca Leloi AB e a empresa canadense rival Standard Innovation Corp.
estabeleceu o licenciamento das patentes entre as respectivas empresas
(BULTMAN, 2016).
O direito concorrencial também tem uma interface com o MindGeek, que
esteve envolvido em um disputa antitruste relacionada aos nomes de domínio
XXX, voltados para o entretenimento adulto e oferecidos pela primeira vez
em 2011.14 O MindGeek alegou, entre outras coisas, que o estabelecimento
do domínio XXX pela Corporação para Atribuição de Nomes e Números na
Internet (ICANN) corresponderia a uma conduta monopolística, e que estava
sendo vítima de práticas anticompetitivas que prejudicariam seus negócios
e consumidores.15 Esta relação com a ICANN revela curiosas conexões da
indústria pornográfica com instituições basilares para o desenvolvimento da
tecnologia e até mesmo com a chamada “governança da Internet”. Poucos
já pararam para pensar a respeito destas interfaces.
Conforme podemos notar, a indústria em questão se relaciona com os
mais variados aspectos jurídicos. Uma das questões fundamentais, no en-
tanto, é a forma pela qual a privacidade e os dados pessoais são afetados.
Tais questões serão abordadas a seguir.
PRIVACIDADE E DADOS PESSOAIS
Imagine um mundo no qual informações acerca de suas preferências
sexuais podem ser acessadas por diferentes partes, tais como a empresa
provedora do acesso à Internet ou empresas que distribuem conteúdos
on-line. Imagine, ainda, que a webcam do seu computador pode ser hacke-
ada a qualquer momento, e, portanto, que suas imagens e vídeo podem
ser acessadas. Este não é o futuro. Este é o presente. Não obstante, tanto
no Brasil como em outros países, a discussão relacionada à privacidade e
à proteção dos dados pessoais daqueles que consomem conteúdos adultos
on-line, ou compram objetos sexuais é quase inexistente.
14 Veja o caso resolvido em 2013 por meio de um acordo extrajudicial. Cf.: ICANN
History Project. Manwin Licensing International v. ICM Registry, et al. Disponível
em: g/resources/pages/manwin-v-icm-2012-02-25-en>. Acesso
em: 17 dez. 2018.
15 Veja a petição inicial da Manwin, empresa que foi comprada pela MindGeek.
ICANN History Project.Manwin Licensing International v. ICM Registry, et al.
Disponível em: g/en/system/files/files/complaint-16nov11-en.
pdf>. Acesso em: 17 dez. 2018.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 273
Muito embora a discussão acerca de toda a complexidade da indústria
do sexo seja incipiente, hoje a “repressão penal em função de posse de
pornografia, os vazamentos de informações privadas em larga escala, e
as crescentes tentativas de extorsão decorrentes de informações pessoais
coletadas online” (ALTAWEEL et al., 2017, p. 11, tradução nossa) são
comuns. Assim, talvez tenha chegado a hora de enfrentar o assunto de
maneira mais profunda. Tais assuntos devem deixar de serem tratados como
tabu para que seus aspectos sociais, econômicos, políticos e regulatórios
possam ser debatidos.
Embora o debate pertinente à privacidade e sua relação com os conteúdos
adultos ainda seja incipiente, já podemos notar algumas ações. Um exemplo
é uma iniciativa do Center for Democracy & Technology (CDT), do Free
Speech Coalition (FSC) e demais parceiros, cujo objetivo é aumentar a
adoção do “Protocolo Seguro de Transferência de Hipertexto” (HTTPS) em
sítios de conteúdo adulto (HALL; NORCIE, 2016). A função do HTTPS
é incrementar a proteção dos dados transmitidos entre o computador e
o servidor. Com tal protocolo, é mais difícil, por exemplo, que governos
acessem as informações transmitidas ou que hackers consigam usar páginas
da web para executar um ataque distribuído de negação de serviço (DDos)
(HALL; NORCIE, 2016). Um estudo apresentado em uma conferência
sobre privacidade organizada pela Comissão Federal de Comércio (FTC)
dos Estados Unidos analisou onze portais de pornografia mais populares e
concluiu que apenas dois usavam HTTPS de forma automática e um deles
possibilitava a escolha desta opção (ALTAWEEL et al., 2017). Podemos
especular que se existisse ao menos uma boa autorregulação por parte das
empresas na indústria em questão, o uso do protocolo HTTPS não seria
uma novidade. De todo modo, mudanças começam a ser implementadas.
O recente debate nos Estados Unidos relacionado ao histórico de nave-
gação dos usuários de Internet e a possibilidade do uso de tal histórico
pelos provedores de acesso à Internet, também está fazendo com que os
maiores portais de conteúdo adulto adotem o HTTPS (FUNG, 2017a e
FUNG, 2017b).
A organização Eletronic Frontier Foundation (EFF) explica as variadas
práticas dos provedores em relação aos dados dos usuários, que incluem:
(i) a venda dos dados para empresas de marketing; (ii) a apropriação do
conteúdo dos termos buscados pelos usuários; (iii) a interceptação de trá-
fego e inserção de anúncios publicitários; (iv) a pré instalação de software
nos aparelhos de celular de forma que todas as URL são gravadas; (v) a
introdução de cookies que não são passiveis de detecção, não podem ser
deletados e rastreiam todo o seu trafego online (GILLULA, 2017).
274 HORIZONTE PRESENTE
Até mesmo as categorias e termos buscados por usuários são facilmente
vazados para terceiros, tais como o Google Analytics ou o Yandex – baseado
na Rússia – (ALTAWEEL et al., 2017). Assim, não apenas informações sobre
as páginas acessadas podem ser descobertas por terceiros, mas também
preferências específicas dos usuários. Em 2010, pesquisadores baseados
na Áustria, França e Estados Unidos analisaram quase 270 mil páginas de
sítios pornográficos on-line, tanto pagos como não pagos e descobriram
que 3,23% deles têm alguma conduta mal-intencionada (por exemplo,
servem de vetor de diferentes tipos de malware) e a que segurança destes
sítios da web, de acordo com os pesquisadores, é pífia (WONDRACEK et
al., 2010). Contudo, estudos também revelam paradoxos: em 98,2% dos
casos nos quais um código malicioso foi encontrado, tal código não havia
sido originalmente criado pelos próprios sítios analisados (WONDRACEK
et al., 2010). Assim, na grande maioria dos casos, tais sítios haviam sido
explorados por terceiros, não pelo sítio eletrônico acessado. Além disso,
o número de cookies gerados pelos sítios pornográficos on-line é menor
do que a média dos demais sítios (ALTAWEEL et al., 2017), e os mesmos
seguem as regras estabelecidos pelo FTC referentes ao compartilhamento de
dados, e transparência em relação à coleta e ao tratamento de dados, mais
do que fazem sítios em outras indústrias (MAROTTA-WURGLER, 2016).
A “INTERNET DAS COISAS DO SEXO”
A indústria do sexo está mudando e se adequando a diferentes dinâmicas
competitivas. Existe uma oferta abundante de conteúdos, uma vez que
barreiras à entrada são poucas, que há uma fácil substituição de conteúdos
e que os sítios mais populares oferecem conteúdos gratuitamente e em
larga escala, uma vez que sua receita vem de anúncios (DARLING, 2014).
16
Além disso, oferta de serviços, experiências e de interatividade tem sido
o novo foco da indústria (DARLING, 2014).17,
16 O modelo tradicional da indústria audiovisual depende em grande parte da
proteção de direitos autorais, mas infrações de direitos autorais são muito comuns
na indústria dos conteúdos adultos.
17 Uma conferência chamada de “CamCom” realizada nos Estados Unidos, por exem-
plo, direciona-se especificamente a modelos que produzem conteúdo adulto online em
tempo real. A existência de tal conferência e seu grau de especialização são indícios
desta busca pela interatividade. Veja: THANK YOU VERY MUCH FOR MAKING
HISTORY WITH US! STAY TUNED FOR UPCOMING DATES. #CAMCON2018.
Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2018.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 275
A interatividade deverá crescer ainda mais, uma vez que os conceitos
de “realidade virtual” (RV) e “realidade aumentada” (RA) deverão se
aproximar cada vez mais da pornografia e do sexo. Por exemplo, vídeos
3D e aparelhos sexuais conectados à Internet estão surgindo – o termo
“Internet das Coisas” – Internet of Things (IoT), em inglês – refere-se a
variados tipos de objetos conectados à Internet, que mandam e recebem
dados. Seria possível, inclusive, falar em uma “Internet das Coisas do Sexo”
uma vez que dispositivos como “brinquedos” sexuais se popularizam. A
expectativa é de que surjam não apenas novos tipos de experiências, mas
também novos modelos de negócio (TAVES, 2016).
Um dos aspectos mais sensíveis e urgentes relacionados ao desenvolvi-
mento deste “nicho” específico de IoT é – novamente - a privacidade e a
proteção de dados pessoais. Exemplo disso é a o acordo firmado em março
de 2017 nos Estados Unidos, no qual a empresa We-Vibe concordou em
pagar quase USD 4 milhões no âmbito de uma ação coletiva (BOYSEN,
2017). A disputa referiu-se a questões de privacidade e dos dados pessoais
dos usuários do produto oferecido pela We-Vibe: um brinquedo sexual
que além de estar conectado à Internet também pode ser controlado por
meio de um aplicativo instalado no celular dos usuários. Alegou-se que os
dados relativos ao uso do aparelho estavam sendo utilizados pela empresa
sem a devida anuência do usuário. Além disso, aqueles que fizeram uso do
aplicativo no celular, estiveram ainda mais expostos por terem concedido
dados adicionais (HAUTALA, 2016). Como podemos notar, são muitos os
desafios relativos à proteção da privacidade e dos dados pessoais.
BREVES APONTAMENTOS
A indústria do sexo passa por mudanças sem precedentes. A Internet
alterou de forma substancial a maneira pela qual a pornografia é produzida,
distribuída e consumida. A convergência de plataformas possibilita que
conteúdos sejam acessados de diferentes formas. Ademais, a existência
de objetos conectados à Internet também faz parte das inovações que tal
indústria promove. Tendências tais como a da interatividade são a nova
fronteira a ser explorada, uma vez que se espera que a “Internet das Coisas”,
a “realidade virtual” e a “realidade aumentada” possibilitarão experiências
diferentes do que existia há pouco.
Muito embora este tema desperte a curiosidade de muitos, há pouca
discussão no que se refere a seus aspectos jurídicos, regulatórios e políti-
cos. A falta de debate acerca de tais aspectos faz com que usuários estejam
expostos a diferentes práticas e/ou omissões. Não obstante, de acordo com
o que foi demonstrado neste artigo, várias áreas do Direito estão relacio-
nadas com o desenvolvimento da indústria do sexo.
276 HORIZONTE PRESENTE
O presente artigo focou principalmente em questões ligadas à privacidade
e aos dados pessoais dos usuários de serviços e produtos de tais industrias.
Um exemplo claro de que há pouca proteção de tais dados é a incipiente
conscientização por parte dos grandes portais de conteúdo pornográfico
de que o protocolo HTTPS deve ser utilizado. Além disso, práticas da
indústria em questão incluem até mesmo a venda de dados dos usuários,
tais como os tipos de categorias e os termos buscados, ou a guarda de da-
dos sem prévio consentimento, conforme exemplos mencionados acima.
Embora existam potenciais aspectos a serem aprimorados, alguns argu-
mentam que se trata de uma indústria cujo desenvolvimento gera inovações,
beneficiando diferentes setores. Assim, tabus de quaisquer natureza não
podem impedir esforços no sentido de melhorar o ambiente para a refe-
rida indústria, de propiciar um melhor arcabouço jurídico e regulatório,
e de proteger diretamente e indiretamente o ecossistema da Internet e da
chamada “Internet das Coisas”.
Por último, considerando que a produção e a distribuição de conteú-
dos pornográficos está cada vez mais concentrada em poucas empresas,
é possível esperar variadas implicações decorrentes de tal concentração.
Podemos prever, por exemplo, grandes mudanças socioculturais e com-
portamentais, estas sim demasiadamente complexas para serem abordadas
em apenas um artigo.
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