Quebra do Sigilo Bancário por Autoridade Administrativa

AutorEliezer de Araujo Vicente
CargoBacharelando do curso de Direito da Universidade Positivo
Páginas72-81

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1. Privacidade

A privacidade foi elencada ao sta-tus de direito fundamental com o advento da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, em 1948. No mesmo ano, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi reconhecido o direito à vida privada.

No Brasil, o direito à intimidade e privacidade teve prescrição expressa somente com a Constituição Federal de 1988, embora a matéria fosse anteriormente tratada1.

Em seu art. 5 °, caput, incisos X e XII, há previsão de que:

"Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

X ! são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

XII ! é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução penal processual."

Posteriormente à promulgação da Constituição Federal em 1988, o novo Código Civil de 2002 estabeleceu proteção à vida privada, conforme segue: "Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para im-pedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma."2

Na doutrina brasileira há divergência de entendimento. O autor René Ariel Dotti entende que há um direito à vida privada, enquanto José Afonso da Silva afirma existir um direito à privacidade distinto da intimidade.

Para René Ariel Dotti a intimidade está inserida na vida privada, sendo considerada uma espécie do gênero privacidade. Devem ser considerados como pertencentes à vida privada da pessoa "não só os fatos da vida íntima, como todos aqueles em que seja nenhum o interesse da sociedade de que faz parte"3. Dessa forma, haverá uma ponderação de valores quando houver exposição de dados particulares, assim, quanto maior a proximidade da informação à intimidade da pessoa, maiores devem ser as razões que justifiquem sua revelação.

De outro lado, os autores que defendem um direito à privacidade distinto da intimidade fundamentam tal entendimento por conta da disposição do art. 5o, inciso X, da Constituição Federal. Segundo eles, o sujeito de direito tem de ser protegido de forma específica reprimindo condutas que violem a vida privada ! por exemplo, vida familiar ! bem como as que visem acessar informações sobre a privacidade ! por exemplo, dados fiscais, dados bancários.

Destaca-se o entendimento de Robert Alexy, que menciona em sua obra "Teoria dos Direitos Fundamentais, a Teoria das Esferas"4 a possibilidade de separar três esferas de proteção: uma esfera mais interna (intimidade), seria a esfera íntima intangível, compreendendo os assuntos mais secretos que não devem chegar ao conhecimento dos outros devido à sua natureza extremamente reservada; outra esfera privada ampla (privacidade), que está relacionada ao âmbito privado na medida em que não pertença à esfera íntima, seria a vida familiar do indivíduo, ficando excluído o resto da comunidade; e, por fim, a esfera social, que engloba tudo o que não for incluído nas demais esferas, seriam as informações disponibilizadas pelos meios de comunicação (jornais, redes sociais) que o indivíduo deseja que não sejam do conhecimento de terceiros.

Dessa forma, é possível estabelecer graus quanto à privacidade, objetivando identificar a lesividade causada por determinada conduta que divulgou a pessoa ou seus dados pessoais, servindo como parâmetros para os juízes sentenciarem.

2. Sigilo de dados

O sigilo é equivalente ao segredo. A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 5o, inciso XII, ser inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Alguns doutrinadores defendem que a única possibilidade de relativi-zação do sigilo seria com relação às comunicações telefônicas, devendo ser protegida a inviolabilidade dos demais, inclusive o direito ao sigilo bancário, uma vez que compõe a vida privada e a intimidade da pessoa.

No entanto há controvérsia quando se fala em possibilidade de quebra de sigilo, uma vez que alguns doutrinadores entendem não ser possível

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existir um direito absoluto, até mesmo os relacionados à intimidade e privacidade.

Após longo debate, o Supremo Tribunal Federal manifestou o seguinte entendimento no julgamento do RE 219.780/PE:

Constitucional. Sigilo bancário: Quebra. Administradora de cartões de crédito. CF, art. 5°, X.

I. Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à privacidade, que a Constituição protege art. 5°, X não é um direito absoluto, que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da Justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilida-de. No caso, a questão foi posta, pela recorrente, sob o ponto de vista puramente constitucional, certo, entretanto, que a disposição constitucional é garantidora do direito, estando as exceções na norma in-fraconstitucional

  1. R.E. não conhecido. (RE n° 219.780/PE, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, J. 12/04/1999, DJ de 10/9/99).

    Em outro julgado manifestou-se a favor da relativização do sigilo da privacidade e da intimidade da pessoa:

    "I. Decisão judicial: fundamentação: alegação de omissão de análise de teses relevantes da Defesa: recurso extraordinário: descabimento. Além da falta do indispensável prequestionamento (Súmulas 282 e 356), não há violação dos art. 5°, LIV e LV, nem do art. 93, IX, da Constituição, que não exige o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas apresentadas pelas partes, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão; exige, apenas, que a decisão esteja motivada, e a sentença e o acórdão recorrido não descum-priram esse requisito (v.g., RE 140.370, 1a. T., 20.4.93, Pertence, DJ 21.5.93; AI 242.237 D AgR, 1a. T., 27.6.00, Pertence, DJ 22.9.00).

  2. Quebra de sigilo bancário: prejudicadas as alegações referentes ao decreto que a determinou, dado que a sentença e o acórdão não se referiram a qualquer prova resultante da quebra do sigilo bancário, tanto mais que, dado o deferimento parcial de mandado de segurança, houve a devolução da documentação respectiva.

  3. Decreto de busca e apreensão: validade. 1. Decreto específico, que somente permitiu que as autoridades encarregadas da diligência selecionassem objetos, dentre aqueles especificados na decisão e na sede das duas empresas nela indicadas, e que fossem 'interessantes à investigação' que, no caso, tinha pertinência com a prática do crime pelo qual foi efetivamente condenado o recorrente. 2. Ademais não se demonstrou que as instâncias de mérito tenham invocado prova não contida no objeto da medida judicial, nem tenham valorado qualquer dado resultante da extensão dos efeitos da decisão determinante da busca e apreensão, para que a Receita Federal e a 'Fiscalização do INSS" também tivessem acesso aos documentos apreendidos, para fins de investigação e cooperação na persecução criminal, "observado o sigilo imposto ao feito'.

  4. Proteção constitucional ao sigilo das comunicações de dados ! art. 5o, XVII, da CF: ausência de violação, no caso. 1. Impertinência à hipótese da invocação da AP 307, em que a tese da inviolabilidade absoluta de dados de (Pleno, 13.12.94, Galvão, DJU 13.10.95) computador não pode ser tomada como consagrada pelo Colegiado, dada a interferência, naquele caso, de outra razão suficiente para a exclusão da prova questionada D o ter sido o microcomputador apreendido sem ordem judicial e a conseqüente ofensa da garantia da inviolabilidade do domicílio da empresa D este segundo fundamento bastante, sim, aceito por votação unânime, à luz do art. 5°, XI, da Lei Fundamental. 2. Na espécie, ao contrário, não se questiona que a apreensão dos computadores da empresa do recorrente se fez regularmente, na conformidade e em cumprimento de mandado judicial. 3. Não há violação do art. 5o, XII, da Constituição que, conforme se acentuou na sentença, não se aplica ao caso, pois não houve 'quebra de sigilo das comunicações de dados, mas sim apreensão de base física na qual se encontravam (in-terceptação das comunicações) os dados, mediante prévia e fundamentada decisão judicial'. 4. A proteção a que se refere o art. 5o, XII, da Constituição, é da comunicação 'de dados' e não dos 'dados em si mesmos', ainda quando armazenados em computador. (cf. voto no MS 21.729, Pleno, 5.10.95, red. Néri da Silveira - RTJ 179/225, 270).

    V D Prescrição pela pena concretizada: declaração, de ofício, da prescrição da pretensão punitiva do fato quanto ao delito de frustração de direito assegurado por lei trabalhista (C. Penal, arts. 203; 107, IV; 109, VI; 110, § 2° e 114, II; e Súmula 497 do

    Supremo Tribunal). (RE n° 418.416/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, J. 09/05/2006, DJ de 19/12/2006)" (Grifei).

    Com isso, verifica-se que é possível afastar a inviolabilidade do sigilo, mas assim o será se for realizado por autoridade judiciária, resguardando a não divulgação e acesso por terceiros que não fazem parte do processo em...

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