Quando o direito encontra a economia

AutorAntonio Bazilio Floriani Neto
Ocupação do AutorPós-graduado em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário pela PUCPR. Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR. Professor de pós-graduação lato sensu. Advogado
Páginas127-152

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Friedman1 ensina que se existisse um único homem no mundo, este poderia ter diversos problemas, mas nenhum deles teria natureza jurídica. Acrescente um outro indivíduo e restará aberta a possibilidade de conflito, seja por um alimento, seja por espaço ou por qualquer outro interesse. Assim, quanto maior for o número de indivíduos, maiores serão as possibilidades de seus interesses estarem em rota de colisão, premissa que se assenta pelo fato de as necessidades humanas serem ilimitadas e os recursos escassos2.

Essa, inclusive, é a ideia da economia. A primeira assertiva decorre do fato de que o desdobramento das necessidades humanas, em menor ou maior escala, sempre existiu. Em épocas remotas, quando indivíduos viviam em pequenas comunidades, muitas vezes isoladas, as inovações eram lentas e o processo inovador vagaroso. Uma das formas de rompimento desse marasmo ocorria quando diferentes tribos ou comunidades encontravam-se, momento em que se presenciava uma explosão de novas necessidades e de conflitos. Mais recentemente, é fácil visualizar a expansão das necessidades, haja vista a grande abrangência dos meios de comunicação e a criação de uma sociedade de consumo3.

Já a segunda premissa, ao inverso da primeira, parte do pressuposto de que há escassez de recursos para satisfazer as necessidades dos indivíduos.

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Mackaay4 comenta que escassez é o oposto da abundância, mas seu conceito não é tão simples assim, pois ela também possui um aspecto subjetivo: a escassez varia de acordo com o nível de conhecimento das pessoas, de região para região, de tempos em tempos. Isto é, a escassez está relacionada com a quantidade de informação sobre um fato ou um objeto e como utilizá-lo. O autor cita como exemplo o caso da empresa 3M com o post-it. Em experimentos, buscava-se elaborar um papel adesivo, mas por um erro na produção, a cola alojou-se em uma extremidade, formando uma linha com baixa aderência. Ato contínuo, a ideia inicial foi descartar o produto, eis que não seria útil. No entanto, um dos empregados da mencionada empresa teve o insight de utilizar o papel adesivo como lembrete para livros e documentos. Assim sendo, encontraram um mercado para o post-it e a fórmula, anteriormente fracassada, tornou-se perfeita.

De volta à escassez, Mackaay5 destaca que quando um objeto torna-se escasso e não há o suficiente para todos os consumidores utilizarem, inicia-se uma disputa. Em caso pátrio, o recente racionamento hídrico na região sudeste do Brasil é um exemplo. Por conta disso, a escassez impõe escolhas. A limitação e a iminência de exaurimento dos bens exige uma boa administração6.

Se é assim, então é óbvio que as sociedades devem criar relações destinadas a enfrentar a escassez, implementando padrões decisórios. Logo, a economia pode ser definida como o estudo científico "[...] do comportamento humano e das relações e fenômenos dele decorrentes, que se estabelecem em sociedade permanentemente confrontada com a escassez"7.

Nessa linha de raciocínio, chega-se a outra ideia central da ciência econômica: a racionalidade. O comportamento humano pode ser compreendido em termos de propósitos a serem alcançados8.

Gico Junior9 explica que racionalidade é um conceito técnico, definido por três formas distintas e complementares. A primeira delas significa supor que todos têm suas próprias preferências, cada um pode aplicar um meio diferente

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para atingir um determinado fim. Outro aspecto diz respeito à utilidade: cada um atribui uma utilidade a cada escolha: entre duas opções, um indivíduo optará por aquela que lhe traga maior utilidade (não necessariamente econômica, mas sim satisfação). Já a terceira forma de conceituar racionalidade é a análise marginal:"[...] uma pessoa será racional quando continuar desenvolvendo uma atividade enquanto ela ganhar com isso"10.

A economia clássica fundava-se na ideia da racionalidade ilimitada do homem, ou seja, acreditava-se que os indivíduos pensavam e faziam escolhas infalivelmente boas, dando origem à expressão homo economicus11. Esta visão primitiva conferia precisão matemática e elegância a um mundo estático e sem fricções, ignorando a estrutura de incentivos a volta dos homens12.

É dizer: "os modelos econômicos tradicionais foram construídos não só com base na premissa da racionalidade do sujeito, como na da que a ele estão plena e equilibradamente disponíveis as informações necessárias ao seu processo decisório".13

Nesses textos econômicos, portanto, todos os agentes pensariam como Albert Einstein, teriam uma memória capaz de armazenar tanta informação quanto um avançado computador ou seriam hábeis de apresentar tanta força de vontade quanto Mahatma Gandhi14.

No entanto, a realidade mostrou que pessoas reais têm dificuldade em fazer divisões com números grandes sem calculadoras, algumas vezes esquecem datas importantes ou até mesmo têm ressaca após o ano novo. Em outros termos, não são o homo economicus, mas simo homo sapiens15.

Este insight é relativamente novo e foi desenvolvido nas últimas décadas, quando cientistas sociais deram um grande passo no aprendizado sobre como pessoas, de fato, tomam decisões16.

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Mais recentemente foi Douglass North, vencedor do prêmio Nobel de ciências econômicas de 1993, quem demonstrou a importância do tempo e das instituições para os indivíduos, especialmente porque os gostos se alteram ao longo dos anos, bem como as próprias instituições de moldam às tendências evolutivas17.

E o que seriam as instituições? Estas podem ser definidas como a estrutura de incentivos de uma determinada sociedade, responsáveis por restringir e moldar as interações humanas, comportando uma subdivisão em formais (v. g. regras, direitos, constituições) ou informais (v. g. normas de comportamento, convenções, códigos de conduta)18. Logo, as leis, o posicionamento dos tribunais pátrios ou até mesmo os costumes são responsáveis por induzir condutas.

Diante desse panorama, o modelo de escolha racional, predominante nas ciências sociais e na própria análise econômica do direito, deu lugar ao ap-proach da economia comportamental. Em resumo, afasta-se da ideia da plena racionalidade para se chegar à racionalidade limitada: pessoas dificilmente detêm todas as informações acerca de um determinado assunto ou negócio, sofrem interferência tanto de fatores externos, como o nível de conhecimento, quanto internos, suas ideias, seus objetivos, seus prazeres19.

Importante destacar que isso não significa que pessoas possuem um comportamento imprevisível, sistematicamente irracional, fortuito20. Pelo contrário, as preferências humanas podem ser construídas, ou seja, as atitudes de um sujeito podem resultar de um processo, de uma descrição ou ainda de um contexto no qual estão inseridos. Diz-se isso porque pessoas não andam por aí com menus de restaurantes nas suas cabeças, ou seja, eventualmente temos o estímulo de um toque sutil21 na tomada de decisões, muitas vezes até mesmo de forma mascarada.

As leis agem desta forma (muitas vezes não tão sutilmente), anúncios publicitários, enfim, atividades comuns do dia a dia também.

Exemplos práticos destas induções não faltam, Michael J. Sandel22 fornece vários, aqui destacamos dois. A fim de incentivar crianças a ler livros, determinadas escolas nos Estados Unidos criaram uma remuneração por cada obra lida23. Em

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Israel, Sandel cita o caso de creches que estavam tendo problemas de atrasos dos pais para buscar seus filhos. A saída encontrada foi criar uma multa24.

O efeito destas induções, contudo, nem sempre é atingido. No caso do incentivo remunerado à leitura, muitas pessoas a consideram um suborno. Além disso, os jovens poderiam passar a considerar este ato não como importante para a construção de seu aprendizado, mas sim como uma forma de ganhar dinheiro rápido.

No caso das creches, a imposição da multa culminou no aumento do número de atrasos, ou seja, este incentivo teve um efeito reverso. Antes os pais tinham um dever moral com a escola e sentiam-se culpados em fazer a professora esperá-los. Com a multa, a regra moral foi deixada de lado, de sorte que os pais passaram a comprar o atraso. Além disso, passaram a remunerar a escola pela hora extra daquele que os aguardava.

De qualquer sorte, voltamos à indução e racionalidade. Dan Ariely25, professor de economia comportamental do Media Laboratory do MIT, igualmente aborda com proficiência o tema da limitação da racionalidade ensinando que não raras vezes nossas escolhas sofrem influência direta de um nudge.

Um caso citado pelo autor foi um anúncio do jornal Economist que oferecia as seguintes opções de assinaturas para os leitores, na Figura 1:

Figura 1 - Opções de assinaturas para leitores

Fonte: Ariely.

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Na primeira das ofertas, a assinatura dá direito ao leitor de ter acesso ao material online, apenas. O preço deste pacote é de U$ 59,00 e aparenta ser razoável.

Na segunda opção, está somente a assinatura impressa e o preço é bastante caro: U$ 125,00.

Por fim, a terceira opção proporciona tanto a versão impressa, quanto a digital por apenas U$ 125,00. Assim, pergunta-se: qual ser racional iria escolher somente a versão impressa, quando pelo mesmo preço também poderá ter acesso ao conteúdo online? Em outros termos, no...

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