A qualificação jurídica do IRB Brasil resseguros s/a e a tributação pela CSLL

AutorFernando Netto Boiteux
Páginas193-201

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1 - A consulta
  1. A questão em exame está limitada a saber se o IRB - Brasil Resseguros S/A, ou IRB - Brasil RE (adiante referido simplesmente IRB), exerce atividade de seguradora ou de órgão regulador e quais os efeitos tributários de sua qualificação jurídica frente ao disposto no art. 23, § P, da Lei 8.212/1991.

  2. O Primeiro Conselho de Contribuintes afirmou que o IRB - Brasil RE é órgão regulador, a SRF/DEINF e a SRF/ COSIT que é sociedade seguradora.

  3. O Conselheiro Kazuki Shiobara entendeu, nos acórdãos em que foi relator, proferidos pela Primeira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes (acórdãos 101-93.078,101-93.401 e 101-93.713) que o IRB:1

    (...) até o advento da Lei 9.649, de 28 de maio de 1998, embora integrante do Sistema Nacional de Seguros Priva-dos não é uma empresa de seguros privados e nem sociedades que operam com seguros privados ou sociedades seguradoras a que se refere o art. 22, § P, da Lei 8.212/1991.

  4. O Conselho de Contribuintes manteve, portanto, a tributação do IRB pela CSLL, mas aplicando a alíquota de 10%.

  5. A Nota COSIT 218/2004, da Coor-denação-Geral do Sistema de Tributação defende entendimento diverso, reafirmando o entendimento da Delegacia Especial de Instituições Financeiras no Rio de Janeiro - DEINF/RJO de que o IRB "possui características próprias das seguradoras".

    Por esta razão, sustenta o cabimento da tributação na alíquota de 23%.

II - A legalidade do disposto no art 22, § 1% da Lei 8.212/1991
  1. Em primeiro lugar, estaremos examinando o conteúdo do art. 22, § P, da Lei 8.212/1991, para determinar se ele contém alguma violação de lei, especialmente do Código Tributário Nacional. Ele dispõe (itálicos apostos):

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    § 1°. No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas económicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autónomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, além das contribuições referidas neste artigo e no art. 23, é devida a contribuição adicional (...).

  2. Vê-se, portanto, que o legislador não criou um conceito de empresa de seguros privados, referiu-se a uma realidade preexistente. Desta forma, não se pode nem ao menos alegar que o legislador tributário estaria alterando conceitos de direito privado, violando o disposto no art. 110 do Código Tributário Nacional.2

III - As diversas funções exercidas pelo IRB
  1. Sabemos que a legislação - ainda que a clareza de sua redação deixe a desejar - atribui ao IRB, ao menos (Decreto-lei 73/1966, art. 44):

    1. umafunção de resseguro, quando a ele determina "aceitar o resseguro obrigatório e facultativo, do País ou do exterior" (alínea "b");

    2. uma função normativa (ainda que limitada, como veremos adiante), quando lhe concede poderes para "elaborar e expedir normas reguladoras de cosseguro, resseguro e retrocessão" (alínea "a").

  2. Devemos determinar, portanto, se o fato de o IRB exercer, simultaneamente, funções normativas e atividade económica implica na prevalência de uma sobre a outra ou se elas podem coexistir, cada uma regulada separadamente.

IV - O IRB enquanto sociedade de economia mista
  1. O IRB é uma sociedade de economia mista (Decreto-lei 73/1966, art. 41) com controle acionário da União e participação das seguradoras privadas, desde 1997, quando o Instituto de Resseguros do Brasil foi transformado em IRB - Brasil Resseguros ou IRB - Brasil RE (abreviatura prevista na sua denominação social).3

  2. A transformação do Instituto de Resseguros do Brasil em IRB - Brasil Resseguros data de 1997.

    Em agosto de 1996, o Congresso Nacional aprovou a quebra de monopólio para a atividade de resseguro no Brasil, delegada, até então, exclusivamente ao IRB. Um ano depois, ele tomou a forma de sociedade por ações, permanecendo como empresa estatal de economia mista, com controle acionário da União, tendo sido mantida a proporção da participação das empresas seguradoras nacionais.

  3. A característica de sociedade de economia mista do IRB requer exame mais atento para a compreensão de sua qualificação jurídica, pois essa forma jurídica não revela unidade conceituai. As características básicas das sociedades de economia mista seriam:

    1. conjunção de recursos financeiros entre o Estado e os particulares para a formação do capital social;

    2. a efetiva participação do estado na condução dos negócios sociais;

    3. o exercício de atividade económica de interesse público.

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  4. O art 235 da Lei de Sociedades por Ações não define o que sejam sociedades de economia mista. O art. 5Q, inciso III, do Decreto-lei 200/1967, com alterações do Decreto-lei 900/1999, a definiu como (itálicos apostos):

    (...) a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade económica, sob a forma de sociedade anónima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.

  5. Dispõe, por sua vez, o art. 238 da Lei de Sociedades por Ações:

    A pessoa jurídica que controla a sociedade de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionis-ta controlador (arts. 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação.

  6. Os critérios adotados no direito comparado para a qualificação de uma sociedade de economia mista (geralmente tratada como uma modalidade de empresa pública) variam,4 o que nos leva a considerar o seu conceito como, eminentemente, de direito positivo.5

    Acertada, portanto, a observação de Luiz Gastão Paes de Barros Leães de que o quid a que corresponderia o ser essencial de uma sociedade de economia mista, na verdade, inexiste,6 donde se conclui que não há função determinada para todas as sociedades de economia mista:7 exige-se o exame de cada uma em particular.

  7. Pode-se afirmar, com segurança, que a tentativa do Conselho de Contribuintes de encontrar uma natureza das sociedades de economia mista (que seria unívoca e deveria ter sido respeitada pelo legislador) foi louvável, mas revelou-se uma missão impossível.

  8. Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, também não se encontra divergência quanto à tributação das sociedades de economia mista.

  9. A questão seria diversa se se tratasse de uma empresa pública, pois esta é constituída com capital exclusivo do Poder Público. Quando ela tem o seu capital formado por uma única pessoa jurídica de direito público (por exemplo, pela União Federal) nem ao menos "sócios" ela tem, tanto que o legislador não a denomina "sociedade", mas "empresa".

    Ainda assim, a empresa pública só goza dos privilégios que a lei lhe outorgou. Não mais, pois a regra geral é a da submissão de sua atividade ao regime das empresas privadas.

  10. Atendendo a essa particularidade é que o Supremo Tribunal Federal, ao examinar privilégios outorgados à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos -- ECT, entendeu ter sido recepcionado pela Constituição Federal em vigor o Decreto-lei 509/ 1969, para acolher a impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços.8

    O caso da ECT em nada se assemelha ao do IRB, que não é empresa pública, mas sociedade de economia mista, têm sócios

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    privados e explora atividade económica (por ser uma seguradora).

  11. Em conclusão parcial, as sociedades de economia mista exercem, por definição legal, atividade económica. Todavia, atendendo "ao interesse público que justificou sua criação" elas podem, ainda, exercer funções de órgão regulador. Essas características as tornam instrumento jurídico flexível para o exercício em comum de objetivos públicos e privados.

V - OIRB enquanto "empresa de seguros privados"
V 1 - O conceito de empresa
  1. "Empresa" na realidade económica, tanto quanto na ordem jurídica, significa a organização do empresário para o exercício de sua atividade. E, como adverte Asquini:9 "(....) defronte ao direito o fenómeno económico da empresa se apresenta como um fenómeno possuidor de diversos aspectos, em relação aos diversos elementos que para ele concorrem, o intérprete não deve agir com o preconceito de que o fenómeno económico de empresa deva, forçosamente, entrar num esquema jurídico unitário. Ao contrário, é necessário adequaras noções jurídicas de empresa aos diversos aspectos do fenómeno económico".

  2. No nosso direito positivo, encontraremos diversos conceitos de empresa, que não discrepam da definição utilizada acima, a saber: na Lei de Sociedades por Ações10 e na Lei de Repressão ao Abuso de Poder Económico.11

  3. Ainda a título exemplificativo, o Código Civil de 2002 não se preocupou em definir a empresa, ainda que tenha lhe reservado um Livro denominado "Do Direito de Empresa"; definiu o empresário, como fez o legislador italiano no Código Civil de...

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