Qual nossa única reivindicação?' - representatividade e cruzamentos políticos para a construção de uma 'criminologia 2.0'

AutorGabriel Divan
CargoAdvogado e pesquisador
Páginas158-175
P A N Ó P T I C A
DIVAN, Gabriel Antinolfi. “Qual nossa única reivindicação?” – repre sentatividade e cruzamentos políticos para
a construção de uma ‘criminologia 2.0’. Panóptica, vol. 10, n. 2, 2015 (jul./dez.), pp. 158-175 .
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Qual nossa única reivindicação? representatividade e
cruzamentos políticos para a construção de uma ‘criminologia 2.0’1
Gabriel Antinolfi Divan 2
Recebido em 1.10.2015
Aprovado em 17.11.2015
1. Considerações iniciais
A primeira metade da década de 2010 foi inegavelmente marcante do ponto de vista
político-social global, sumamente pela eclosão de uma série de eventos que simbolizaram (e
seguem simbolizando) tanto alterações drásticas em algumas agendas das gestões políticas
quanto retomadas de pleitos paradoxalmente complexos em sua simplicidade. Poder-se-ia
dizer que a quadra de protestos políticos com a (ou o retorno da) consequente tática de
ocupação de espaços públicos e a propagação de notícias e narrativas, mormente sobre a
consequente resistência dos descontentes (ou seu ‘triunfo’ ou mesmo ‘derrocada’ conforme
tenham sido as demandas e suas consequências projetadas), não são novidade no cardápio de
elementos que compõem o embate entre reivindicações e expectativas sociais das atuações
(mormente estatais) no campo político. Há algo, porém, que emerge com um certo frescor e
difere esse conjunto de eventos independentes entre si, mas interconectados, de outros
(antigos e/ou recentes) tipos de manifestações populares relativas à seara de pleitos
(sumamente de descontentamento) políticos.
1 O presente trabalho foi ela borado para ser base da apresentação como comunicação oral no II Encontro
Brasileiro de Criminologia Crítica, na Faculdade de Direito de Vitória-ES, em Julho do co rrente ano. Dele,
posteriormente, como parte da mesma pesquisa, decorreu a participação no Grupo de T rabalho “Sistema Penal,
Controle Social e Suste ntabilidade” em meio ao Seminário I nternacional Direito, Demo cracia e
Sustentabilidade, promovido pela Faculdade Meridional - IMED, em Passo Fundo -RS.
2 Gabriel Antinolfi Divan. Advogado e pesquisador. Doutor e Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pós-Graduado (Especialização) em Ciências Penais, pela mesma
universidade. Atualmente exerce o cargo de Professor Adjunto da Universidade de Passo Fundo - RS (UPF),
credenciado como pro fessor do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Direito - Mestrado, ministrando a
disciplina "Estado de Direito e Sistemas de Justiça" e ministrando, na graduação, disciplinas de Processo Penal e
Criminologia. Lidera o Grupo de Pesquisa 'Reclame as Ruas: Direito , Política e Sociedade", certificado junto ao
CnPQ. E-mail: divan.gabriel@gmail.com.
P A N Ó P T I C A
DIVAN, Gabriel Antinolfi. “Qual nossa única reivindicação?” – repre sentatividade e cruzamentos políticos para
a construção de uma ‘criminologia 2.0’. Panóptica, vol. 10, n. 2, 2015 (jul./dez.), pp. 158-175 .
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Cumpre pensar, aliás, com apuro, não apenas na forma e nas motivações epidérmicas dos
eventos em cada local de eclosão, mas, especialmente, nesse liame, nesses aspectos de
interconexão entre eles.
Entretanto, as primeiras aproximações, análises e estudos relativos aos eventos que aqui
serão mencionados em destaque mostraram que as tentativas de pauta simplista dos mesmos
foram retumbantemente fracassadas, na medida em que se recusaram a visualizar uma
abertura ou ponto de corte para novos prismas. Senão que procuraram - com insistência pueril
- tratar de catalogar os fatos dentre esquemas e antigas ferramentas teórico-políticas de
análise.
É incontestável que, afora a dissonância de temáticas, contextos, questões legislativas,
econômicas, sociais e mesmo culturais, em si, Cairo, Madrid, Nova Iorque, Istambul (entre o
segundo semestre de 2010 e 2012), e dezenas de metrópoles brasileiras nos idos de Junho e
Julho de 2013 experimentaram o mesmo que, de forma pulverizada, populações de Grécia e
Islândia nos últimos anos têm vivido no que tange à esfera pública e aos atinentes debates
políticos nela travados. E a questão passa por várias formas e estratégias de manifesto de
insatisfação com igualmente vários (muitos, inclusive, acumulados) aspectos do que é
ofertado em termos de ‘soluções’ advindas dos discursos e práticas políticas tradicionais’.
O estupor dos atores da politics partidária foi, por isso, semelhante e estéril como o de
alguns apressados intelectuais públicos que buscaram em vão as rédeas filosóficas e políticas
do fenômeno: menos uma tentativa de captar os elementos em jogo e mais um desespero em
domesticá-los dentre parâmetros clássicos que oferecessem pontos interpretativos
tranquilizantes.
Onde alguns anteviram uma simples nova leva de insatisfações pronta para ser remediada
com os mecanismos de sempre que, aliás, tornariam a questão afogada em um ranço cíclico,
em última análise outros puderam perceber que havia uma notável possibilidade de ponto de
partida para o escape ou a voluntária negação a um cenário que combina elementos do
desastre capitalista diuturno (justamente aqueles que são ostentados como seus grandes
troféus e/ou como efeitos colaterais cogentemente toleráveis e tolerados), com traços
redivivos de um discurso de uma certa esquerda que ideologicamente já viu a falência
múltipla ao tentar impor seus méritos como fachada para pesadas contradições ideológicas.

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