Punitive damages: características do instituto nos Estados Unidos da América e transplante do modelo estrangeiro pela jurisprudência brasileira do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

AutorMark Pickersgill Walker - Rafael Peteffi da Silva
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Páginas295-326
Punitive Damages: características do instituto
nos Estados Unidos da América e transplante do
modelo estrangeiro pela jurisprudência brasileira
do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Punitive Damages: United States conceptualization of the doctrine and case
law analysis of Santa Catarina Court of Appeals
5DIDHO3HWH൶GD6LOYD
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis – SC, Brasil
Mark Pickersgill Walker
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS, Brasil
Resumo: O presente artigo busca, essencialmen-
te, contribuir com a discussão doutrinária no que
diz respeito ao instituto da indenização punitiva,
conhecido, em sua origem anglo-saxônica, como
punitive damages. Para esse fim, o estudo divide-
-se em duas partes: um primeiro momento dedi-
ca-se a esclarecer os elementos que constituem o
instituto em sua origem – detalhando-se sua de-
finição, características, funções, diferenciando-o
do caráter punitivo atribuído nacionalmente às
indenizações por dano moral. Já a segunda me-
tade centra-se na análise do instituto dentro do
ordenamento jurídico brasileiro – em específico
com um diagnóstico detalhado de sua aplicação
pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Palavras-chave: Punitive Damages. Indeniza-
ção Punitiva. Responsabilidade Civil.
Abstract: This article essentially intends to
contribute with the current doctrinal discussion
regarding the institute of punitive damages,
as it is known in its Anglo-Saxon origins. For
this purpose, the study is divided in two parts:
in a brief first moment, one dedicates himself
to clarify the components of the institute itself
– detailing its definition and characteristics,
functions, and disambiguating it from the
punitive function ascribed to noneconomic
damages under Brazilian law. The second half
concentrates on the analysis of the institute in
relation to Brazilian legal system – specifically
with a detailed diagnosis of how it has been
used by the Santa Catarina Court of Appeals.
Keywords: Punitive Damages. Tort Law.
Comparative Law. Case-law Analysis.
Recebido em: 02/04/2016
Revisado em: 29/07/2016
Aprovado em: 09/10/2016
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2016v37n74p295
296 Seqüência (Florianópolis), n. 74, p. 295-326, dez. 2016
Punitive Damages: características do instituto nos Estados Unidos da América e transplante do modelo
estrangeiro pela jurisprudência brasileira do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
1 Introdução
Os punitive damages, aqui chamados de indenização punitiva1,
constituem um instituto jurídico concebido e desenvolvido historicamente
no sistema jurídico da Common Law, buscando a punição de condutas es-
pecialmente gravosas dentro da esfera cível da Tort Law, análoga à nossa
responsabilidade civil. O instituto despertou o interesse nacional nos anos
recentes, sendo sua recepção por muitos defendida como ferramenta útil
a uma apontada tendência de dinamismo nesta matéria, que buscaria uma
ruptura com o apego exclusivo à tradicional função indenizatória2. Inter-
nacionalmente, o instituto também ganhou novo protagonismo diante dos
movimentos de unificação da responsabilidade civil ocorridos na União
Europeia (LANNI, 2015, p. 302-303).
No ordenamento nacional, a jurisprudência majoritária entende que
a quantificação do dano extrapatrimonial pode levar em consideração um
chamado “fator pedagógico-punitivo”, isto é, poder-se-ia conferir impor-
tância para elementos como a culpa do ofensor e sua capacidade econô-
mica no momento do arbitramento da indenização.
Embora se entenda, atualmente, que a distinção entre a indenização
punitiva e o fator pedagógico-punitivo do dano moral não seja mais tão
clara, como a jurisprudência pátria continua utilizando o fator pedagógi-
co apenas como possibilidade de majoração do elemento compensatório,
a diferenciação dos conceitos operacionais, mesmo que de forma tênue,
mantém-se possível.
1 Damages traduz-se para o português como indenização, e não como “danos”, tendo
HP YLVWD VXD GH¿QLomR QR Black’s Law Dictionary, em tradução livre: “damages
soma pleiteada ou outorgada a alguém a título de compensação por perda ou injúria”
(GARNER, 2009, p. 445). Dano, por sua vez, é somente o vocábulo no singular: “damage
– perda ou injúria à propriedade ou pessoa” (GARNER, 2009, p. 445). Destarte, visando
até mesmo tornar mais costumeira a utilização do termo em língua portuguesa, sempre
que possível intitular-se-á o instituto como “indenização punitiva”, evitando também a
avessa tradução como danos punitivos, conforme também destacado por Martins-Costa e
Pargendler (2005), p. 16.
2 A exemplo de Andrade (2009, p. 219-220); Pires (2014, 265-269), Rosenvald (2013, p.
63-69), Venturi (2014 p. 41-52). Defendendo de maneira mais geral uma função punitiva
intrínseca à responsabilidade civil, Bittar (1999, p. 232-233).
Seqüência (Florianópolis), n. 74, p. 295-326, dez. 2016 297
Rafael Peteffi da Silva – Mark Pickersgill Walker
Com vistas a embasar uma crítica da forma como os tribunais pá-
trios – em especial o de Santa Catarina – vêm enfrentando a questão, o
presente artigo busca inicialmente uma definição sucinta do instituto da
indenização punitiva, ressaltando suas características essenciais e fun-
ções. Em seguida, são analisados pontualmente os acórdãos que fazem
referência expressa ao instituto em suas ementas, julgando-se sua confor-
mação aos princípios e ditames estabelecidos no momento anterior, para
que se possa, portanto, extrair conclusões acerca da (in)adequação da ju-
risprudência nacional na importação da figura estrangeira. Com vistas
a uma análise mais superficial, puramente quantitativa, dados de outros
tribunais, como os demais tribunais da região Sul e o Superior Tribunal
de Justiça, serão utilizados; a pesquisa qualitativa, contudo, ficará restrita
ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Mister destacar, por fim, que não será abordado, nesse trabalho, a
discussão corrente quanto a possibilidade de recepção do instituto pelo
ordenamento pátrio, nem os eventuais argumentos a favor ou em contrá-
rio dessa recepção, seja ela por via jurisprudencial ou de lege ferenda.
O enfoque será exclusivamente dedicado ao diagnóstico jurisprudencial.
Igualmente, não se tecerá juízo de valor sobre o chamado fator punitivo
do dano moral, largamente utilizado pelos tribunais brasileiros.
2 Os Punitive Damages
Alguma atenção à perspectiva histórica do instituto é necessária
para avaliar adequadamente os casos modernos que o aplicam (SULLI-
VAN, 1977, p. 208). A indenização punitiva surgiu na Inglaterra, no sé-
culo XVIII (Huckle v. Money, 1763; Wilkes v. Wood, 1763; BELLI, 1980,
p. 4; RUSTAD; KOENIG, 1993, p. 1.287-1.288; OWEN, 1994, p. 369)3,
3 Com as escusas necessárias, elucida-se que por uma questão de opção de estilo,
e mesmo para facilitar a leitura e a compreensão, doravante as citações diretas ou
indiretas de decisões estrangeiras da Common Law, quando a íntegra ou parte dessas
tiverem constituído material base do posicionamento exposto, não se darão em sua forma
tradicional da ANBT – que, no caso aqui referenciado, deveria ser: “(INGLATERRA,
1763a)” – e sim em seu formato mais convencional “(Autor v. Réu, ano)”. As referências
DR¿QDOHVWDUmRGLVSRVWDVQRSDGUmRQDFLRQDO

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT