A publicidade dos atos processuais e a inviolabilidade da privacidade no processo judicial eletrônico

AutorGuilherme Luis Quaresma Batista Santos
CargoMestrando em Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado e Consultor jurídico atuante na cidade do Rio de Janeiro, RJ.
Páginas405-442
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume VIII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
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A PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS E A INVIOLABILIDADE DA
PRIVACIDADE NO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO
Guilherme Luis Quaresma Batista Santos
Mestrando em Direito Processual da Faculdade
de Direito da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Advogado e Consultor
jurídico atuante na cidade do Rio de Janeiro,
RJ.
Resumo: Este artigo define o denominado ―processo eletrônico‖ e a aplicação e
ponderação das garantias fundamentais da publicidade dos atos processuais e da
inviolabilidade da privacidade e da intimidade da pessoa neste novo meio extrínseco e
digital do processo.
Abstract: This article defines the called "electronic procedure", and the application and
consideration of the fundamental guarantees of publicity of procedural acts and of
inviolability of privacy and intimacy of the person in this new and digital extrinsic form
of procedure.
Palavras-chave: Direito Processual. Processo Eletrônico. Procedimento. Publicidade.
Privacidade.
Keywords: Procedure Law. Electronic Procedure. Proceeding. Publicity. Privacy.
Sumário: 1. Introdução; 2. O ―processo eletrônico‖ ou o fenômeno da informatização
do processo judicial; 3. Atos processuais no processo eletrônico; 4. O princípio da
publicidade dos atos processuais; 5. A garantia constitucional de defesa da privacidade
como limite à publicidade dos atos; 6. As vantagens e os riscos dos modelos de
processo eletrônico adotados atualmente; 7. A extensão do princípio da publicidade dos
atos processuais no processo eletrônico; 8. O acesso aos advogados aos autos do
processo eletrônico: análise da questão no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e do Conselho Nacional de Justiça;
9. Conclusões; Referências bibliográficas
“Tenho medo do escuro /
tenho medo do inseguro /
dos fantasmas da minha voz.”
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume VIII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
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Vanessa da Mata. Não Me Deixe Só. Sony BMG, 2002.
1. Introdução:
O novo e o desconhecido sempre assustaram as pessoas. Em tudo. Dos grandes
feitos da Humanidade até as invenções e as descobertas mais simples.
Mesmo hoje em dia, no início do século XXI, não é difícil encontrar pessoas que
ainda se encantam e se assustam com as novas tecnologias da informação e até,
mesmo conhecendo-as, olham para as novidades com desconfiança. Vive-se em uma
sociedade onde computadores, das mais variadas formas e funções, se espalharam em
quase todas as atividades humanas, tanto laborais, como recreativas.
Ubi societas ibi jus. Se os computadores e a rápida transferência de dados e
informações fazem parte há muito tempo do quotidiano de grande parte dos seres
humanos, por que esta mudança seria diferente no Direito (ou melhor, indiferente a
este)? Sendo fruto da necessidade de organização social, o Direito e, principalmente, o
Processo (instrumento estatal por excelência para a solução dos conflitos) não podem
ficar alheios ao que se passa fora dos portões dos seus fóruns.
Aliando-se ainda o apelo ecológico e a necessidade de busca de sustentabilidade
ambiental nas atividades humanas, crescentes desde a década de 1970, torna-se cada vez
mais real o denominado ―processo eletrônico‖.
O assombro e a desconfiança com o uso de computadores e da transmissão
telemática de dados não é privilégio das recentes tecnologias de comunicação. O uso
por advogados e magistrados de uma saudosa e conhecida máquina a máquina de
escrever também era causa de desconfiança e assombro por muitas pessoas há quase
um século.
O prof. Augusto Tavares Rosa Marcacini, em recente e excelente tese de livre-
docência defendida na Universidade de São Paulo (USP), traz o impacto, nas primeiras
décadas no século passado, da máquina datilográfica nos processos judiciais.1
Criadas em 1867 e postas no mercado pela primeira vez em 1874, as máquinas
de escrever trouxeram dúvidas quanto à segurança da informação em seu uso em autos
processuais, domínio onde, na feliz expressão de Renato de Magalhães Dantas Neto,
classicamente predominavam o papel e a tinta.2
1 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Pr ocesso e Tecnologia: garantias processuais, efetividade e a
informatização processual. 2011. 456 f. Tese (Livre Docência em Direito) Universidade do Estado de
São Paulo (USP), São Paulo, 2011. pp. 28-32.
2 DANTAS NETO, Renato de Magalhães. ―Autos virtu ais: o novo ‗layout‘ do processo judicial
brasileiro.‖ Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 36, n.º 194, abril 2011. p. 178.
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Pairavam dúvidas quanto à autenticidade dos escritos (o que não se constatou
que não era problema, pois a tinta da máquina de escrever era indelével) e - o que será
objeto deste artigo - ao conhecimento antecipado das decisões, antes de sua publicação.
O ilustre professor Augusto Marcacini, em suas pesquisas, encontrou um
acórdão do Tribunal de Justiça paulistano no Agravo n.º 16.886, julgado em 27 de
setembro de 1930, que assim tratada a questão:
Duas allegações principaes fazem-se contra as
sentenças da tylographadas: a primeira de que facilita seu
conhecimento antes de publicada, e a segunda, de que, não
sendo indelével a tinta das machinas e podendo ser facilmente
corrigido o escripto, póde este desaparecer, ou ser alterada a
decisão. Nenhuma dessas alegações, porém, é procedente:
quanto á pr imeira, basta que o juiz declare, no final da mesma,
que foi ella por elle escripta em machina de seu uso; e quanto á
segunda, os interessados devem pedir logo que a sentença fôr
proferida, uma certidão della “verbo ad verbum”, até que os
juizes tomem a resolução, que par eça aconselhavel, ou de
mandar registr ar suas sentenças, ou de determinar, ao r ematal-
as, que o escrivão, sem perda de tempo, faça copial-a por
pessoa de bôa caligraphia, de modo que a s partes intimadas da
sentença, poderã o verificar a exactidão da copia.3
Ora, a Humanidade não é estática. Os homens sempre evoluem e, junto com
eles, as suas atividades, ofícios e estilos de vida. E acompanhando essa evolução,
surgem novas tecnologias e, com estas, novas dúvidas e conflitos que devem ser
ponderados e contornados.
Quando os riscos trazidos pelas novas tecnologias são superados pelos
benefícios que elas podem proporcionar, aí se verifica a natural adoção delas nas
atividades sócio-econômicas.
Isto ocorreu no século passado na substituição da caneta à tinta pela máquina de
escrever; e, bem posteriormente, pelos computadores que, munidos de impressoras,
substituíram gradualmente aquelas máquinas.
3 Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo n.º 16.886, Rel. Des. Antonino Vieira, j. 27/09/1 930, Revista
dos Tribunais n.º 76, pp. 100-101. Ortografia no original, segundo os p adrões vigentes à época. apud
MARCACINI. Op. cit. p. 30.

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