Ação civil pública (PRT 21ª região ? procuradores do traba-lho Ileana Neiva Mousinho, Xisto Tiago de Medeiros Neto e Rosivaldo da Cunha Oliveira) ? Lojas Riachuelo S/A

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DO TRABALHO, A QUEM COUBER POR DISTRIBUIÇÃO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO — PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO, por seus Procuradores ao final subscritos, vem, guardando o usual respeito, com fundamento nos arts. 129, III, da Constituição Federal, 83, III, da Lei Complementar n. 75/93, combinados com o disposto nas Leis ns. 7.347/85 e 8.078/90, propor a presente

Ação civil pública

com pedido de antecipação dos efeitos da tutela inaudita altera parte

em face de LOJAS RIACHUELO S/A., pessoa jurídica de direito privado, com endereço para notificação, nesta capital, na Av. Bernardo Vieira, 3775, inscrita no CNPJ sob o n. 33.200.056/0020-01, pelas razões de fato e de direito a seguir declinadas:

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I - Dos fatos
  1. O Ministério Público do Trabalho instaurou o Inquérito Civil n. 0067/2010, em virtude de denúncia formulada contra a ré, onde foram apontadas, dentre outras, as seguintes condutas irregulares:

    a) A empresa abusa de seu poder diretivo, pois desconta, direta e compulsoriamente, de seus empregados, débitos por estes efetuados como clientes das Lojas Riachuelo, inclusive os que foram contraídos antes do início dos contratos de trabalho;

    b) Em janeiro de 2010, como exemplo mais gritante, a ré descontou, dos salários de todos os empregados que tinham débitos com as Lojas Riachuelo, de uma só vez, a integralidade dos débitos de compras efetuadas, resultando que, nesse mês, alguns trabalhadores não receberam nenhuma quantia a título de remuneração;

    c) Para que os valores descontados nos salários do mês de janeiro de 2010 fossem devolvidos, a empresa obrigou os empregados a assinar um acordo de confissão de dívida, mediante o qual se estabeleceu que este débito seria descontado, de forma parcelada, dos salários daquela coletividade de empregados.
    2. Em face da denúncia, requisitou-se fiscalização à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego — SRTE/RN, que apresentou relatório (doc. 1), em que realizada a análise das folhas de pagamento dos empregados, constatando-se o seguinte:

    “1. No tocante aos descontos em folha de pagamento de prestações de compras efetuadas pelos empregados nas Lojas Riachuelo, empresa varejista do mesmo grupo econômico, foi constatado que realmente há esses descontos, conforme cópia anexa da folha de pagamento de janeiro de 2010. Foi solicitado, através de Notificação para Apresentação de Documentos — NAD, os Acordos de Confissão de Dívida com as Lojas Riachuelo (cópia anexa), mas a representante da empresa alegou que a gerência de recursos humanos da empresa, que fica em São Paulo, lhe informou que já consta no contrato de trabalho a previsão de desconto, conforme cláusula 7 de contrato de experiência (cópia anexa).” (sem destaques no original)
    3. Portanto, o órgão fiscalizador constatou que a empresa ré realmente efetuou e efetua descontos nos salários de todos os empregados que têm débitos junto às Lojas Riachuelo, sob a justificativa de que o contrato de trabalho contém cláusula que permite esse tipo de desconto salarial. Nessa linha, apresentou cópia de contrato de experiência (doc. 2), onde se vê a seguinte cláusula:

    7) O EMPREGADO autoriza, neste ato, a EMPREGADORA a descontar de seus salários as compras a prazo efetuadas pelo sistema de crediário ou cartão de crédito em qualquer uma de suas filiais.

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  2. Em virtude da conduta da empresa ré, que se negou a apresentar documentos à fiscalização, sob o argumento de que, no contrato de trabalho, há cláusula permitindo a realização de descontos nos salários dos empregados, o Ministério Público do Trabalho requisitou uma nova fiscalização, no intuito de apreender os acordos de confissão de dívida referidos na denúncia.

  3. Na segunda fiscalização (doc. 3), o Auditor Fiscal do Trabalho realizou a apreensão dos acordos de confissão de dívida (doc. 4), concluindo em seu relatório que:

    “1. No tocante aos descontos em folha de pagamento de prestações de compras efetuadas pelos empregados nas Lojas Riachuelo, empresa varejista do mesmo grupo econômico, a representante da empresa, Sra. Jacqueline Silva de Araújo, asseverou o seguinte: que a empresa devolveu o valor da parcela descontada em janeiro de 2010 de quem procurou a loja do centro. A fim de comprovar o alegado, a representante apresentou cópias dos recibos de devolução dos descontos efetuados em janeiro de 2010 e dos novos acordos de confissão de dívida firmados com a empresa (cópias anexas — doc. n. 4).” (sem destaques no original)

  4. Destarte, as fiscalizações comprovaram os seguintes fatos:

    • houve desconto nos salários dos empregados do valor de compras efetuadas no cartão de crédito Riachuelo;

    • ciente de ilicitude da conduta, e para não ser autuada pela fiscalização do trabalho, a empresa devolveu os valores indevidamente descontados;

    • os empregados foram obrigados, porém, a assinar acordo de confissão de dívida;

    • somente mediante assinatura do acordo de confissão de dívida os valores descontados dos salários foram devolvidos;

    • não houve devolução a todos os empregados que sofreram o desconto, mas somente àqueles que procuraram a Loja Riachuelo (Centro), e assinaram os acordos de confissão de dívida.

  5. Assim, para receber o salário integral do mês de janeiro de 2010, os empregados que sofreram o ilícito desconto, em seus salários, viram-se obrigados a assinar acordos de confissão de dívida, o que demonstra, indiscutivelmente, a evidência de coação no ato de assinatura destes documentos.

  6. Ocorre que os acordos de confissão de dívida que os empregados foram obrigados a assinar, para que pudessem receber os salários, também contêm cláusula que autoriza que as compras feitas através do cartão Riachuelo sejam descontadas de seus salários (doc. 4), conforme se pode observar da cláusula 10:

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    10) O EMPREGADO autoriza, neste ato, a EMPREGADORA a descontar de seus salários todas as compras de mercadorias, produtos financeiros (seguros, serviços assistenciais, convênio odontológico, etc. ...), empréstimos pessoais e saques, feitos através do cartão de crédito Riachuelo.

  7. Está claramente demonstrada a conduta padrão da ré de descontar, dos salários de seus empregados, as dívidas não trabalhistas que estes contraem com a própria empresa, em prática inequívoca de abuso de direito, consistente na imposição de descontos não autorizados por lei ou convenção coletiva de trabalho, e, em alguns casos, em percentuais tão elevados a ponto de os empregados receberam o contracheque “zerado” ou com valores ínfimos.

  8. Diante das irregularidades constatadas, o Parquet ainda propôs a assinatura de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, negando-se a empresa em assiná-lo, alegando a licitude de sua conduta, e que os empregados teriam benefícios nas compras nas lojas, tais como 10% (dez por cento) de descontos nas compras à vista, efetuadas no cartão Riachuelo, e pagamento em até 5 (cinco) vezes, sem juros, nas compras parceladas no mesmo cartão.

  9. Todavia, registre-se que tais “vantagens” não existem, pois a possibilidade de parcelamento das compras em até 5 (cinco) vezes, sem juros, e a concessão de descontos de 10% (dez por cento) nas compras à vista ou efetuadas no cartão é franqueada a qualquer cliente que possua o cartão Riachuelo. Ora, como se pode observar nos folhetos publicitários juntados aos autos (doc. 5), qualquer pessoa que adquira o cartão Riachuelo poderá parcelar suas compras em até 5 (cinco) vezes, sem juros, ou receber 10% (dez por cento) de desconto na primeira compra efetuada com o cartão.

  10. Tem-se, portanto, que, nos contratos de trabalho juntados aos autos não há referência a nenhuma vantagem diferenciada para os empregados que sejam, também, clientes das Lojas Riachuelo. Há sim, a malfadada autorização de descontos diretos nos salários, prática ilegal e ofensiva ao princípio da intangibilidade salarial.

  11. Logo, ao contrário do que afirmou a ré, os seus empregados não recebem vantagens nas compras efetuadas nas Lojas Riachuelo, e muito menos na hora de pagá-las, como clientes.

  12. Conforme se depreende dos documentos obtidos pela fiscalização do trabalho, embora a ré se valha, na situação retratada, de um mecanismo que reduz a zero o risco de inadimplência, não confere nenhuma vantagem adicional aos seus empregados.

    É, à toda vista, um sistema de vantagem para a empresa: obriga, na admissão, os empregados a assinar autorização de desconto, inserida em um contrato padrão, sem qualquer condição de questionamento; após, efetua-se o desconto de uma só vez nos salários, ou em parcela expressiva dele, mas, de qualquer modo, se o empregado quiser reaver o valor descontado e obter a benevolência de um pagamento em parcelas menores, sujeitar-se-á a assinar um acordo de confissão de dívida, com pagamento de juros e taxas praticadas no mercado financeiro.

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    Não há, pois, na realidade, nenhuma vantagem de tratamento aos empregados.

  13. Ao contrário disso, o que ressai da cláusula 7ª, inserida nos contratos de trabalho padronizados, é a intenção e iniciativa da empresa ré em perceber seus créditos de uma forma facilitada, livre dos riscos da inadimplência, desrespeitando, para isso, um dos principais primados da legislação trabalhista — a intangibilidade salarial — e as normas de proteção da remuneração.

  14. A ré abusa da sua condição de supremacia sobre os empregados para efetuar o desconto em folha de pagamento. No que se refere aos clientes não empregados o tratamento é, obviamente, outro, e, nos termos da cláusula 15 do contrato de adesão ao Cartão Riachuelo (doc. 6) a empresa primeiro avisa, depois notifica extrajudicialmente ou judicialmente, e, só por fim...

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