Provas ilícitas no direito do trabalho

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas101-114

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Introdução

Acontecimentos recentes no mundo político brasileiro, especialmente os relacionados ao processo da investigação Lava Jato e o impeachment da Presidente Dilma Rouseff, reacenderam a questão da utilização de provas ilícitas ou mesmo das provas que tenham a sua licitude controvertida.

O texto constitucional estabelece que não serão admitidas provas ilícitas no ordenamento pátrio, em seu art. 5º, inciso LVI, mas não é simples explicar aos leigos os motivos que levariam uma prova cabal de determinado ato ou fato a não ter utilidade para eventual condenação ou análise de determinada controvérsia jurídica.

O presente artigo tem como finalidade abordar e delimitar quais provas seriam consideradas ilícitas e em quais situações estas seriam admitidas especificamente no ramo do direito do trabalho. Busca-se encontrar os limites da atividade probatória no processo do trabalho.

A compreensão sobre o tema escolhido impacta na ideia de justiça que se tem do sistema judiciário trabalhista, e admitir determinadas provas obtidas por meios ilícitos pode implicar num sistema mais justo ou, pelo contrário, incentivar a adoção de práticas não desejáveis em produção de provas, conforme o caminho seguido.

O problema formulado é saber até onde vai o direito à produção de provas. Seria esse direito absoluto, desde que seja em busca da verdade? E nas hipóteses que a produção de prova viola outros direitos? Até que ponto o sistema tolera violações a direitos individuais em nome da produção da prova, ou seja, com objetivo de convencer o Poder Judiciário dos fatos alegados? E, por fim, até que ponto a tolerância de lesão a direitos ou leis com esta finalidade probatória é desejável para um estado democrático de direito?

No Direito Processual do Trabalho e no Direito do Trabalho a atividade probatória tem certas peculiaridades em relação aos demais ramos. Tanto doutrina quanto jurisprudência desta área do conhecimento estabelecem como um dos princípios norteadores o princípio da verdade real. Ademais, de forma diversa do Direito Processual Civil, há o princípio da proteção decorrente do próprio Direito Material do Trabalho. Tal princípio pressupõe a hipossuficiência do trabalhador, econômica e técnica, e a suficiência econômica, técnica e social do empregador, estabelecendo um norte para serem resolvidos os conflitos quanto aos meios de prova permitidos, quando for o caso.

Observando-se a importância do tema para a pragmática processual, buscar-se-á elucidar a colisão de princípios, mas antes mesmo de chegar a esse ponto, será analisado o conceito dos meios de prova e sua classificação em legítima/ilegítima, lícita/ilícita, a fim de melhor elucidar a questão da admissão ou não de provas ilícitas ou ilegítimas no Direito Processual do Trabalho.

Buscou-se sistematizar a forma como o sistema jurídico-processual trabalhista brasileiro analisa as provas ilícitas e as suas consequências para os operadores do direito e dos cidadãos, com ênfase na jurisprudência e doutrina.

Discorreu-se sobre os diversos tipos de provas utilizados pelos jurisdicionados e teceu-se algumas considerações acerca de como estas podem ser utilizadas com violação ao ordenamento ou de forma vedada pelo Direito.

Por fim, analisaram-se decisões jurídicas de Tribunais Superiores para ver como a legislação vem sendo aplicada neste tema e como os entendimentos jurisdicionais encaram a questão.

1. Provas no direito do trabalho

Na área jurídica, cabe ao aplicador do direito dar significados aos conceitos e ideias existentes na legislação de forma a torná-los compreensíveis e aplicáveis. A

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legislação trabalhista, por ser relativamente antiga (sendo a CTL de 1º de maio de 1943), não conta com muitas disposições acerca da atividade probatória.

Como bem colocou Homero Batista Mateus da Silva, este diploma traz lista muito enxuta de provas e regulamentação pífia acerca do tema, cabendo ao intérprete o trabalho de dar aplicabilidade ao mandamento constitucional de inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos1, ou, para os fins deste trabalho, das provas ilícitas.

Quando os indivíduos pretendem que alguma norma jurídica seja observada, bem como quando têm interesse em obter proteção de algum ou alguns direitos em face de outros indivíduos ou de alguma entidade de direito público ou privado, e não conseguem isso de forma pacífica, ou seja, há resistência no cumprimento da norma jurídica, eles podem requerer ao Poder Judiciário a proteção ou a garantia de observância daquela.

Para isto, é necessário provar a veracidade das alegações em um processo, tendo em vista que a resposta do Poder Judiciário (decisão) estabelecerá se os fatos previstos em normas jurídicas efetivamente ocorreram e, igualmente, se houve resistência da parte contrária em cumprir as consequências jurídicas previstas naquelas normas. Provar estes fatos que as normas determinam consequências jurídicas (fatos jurídicos) consiste em premissa inicial para a aplicação da lei pelo Poder Judiciário.

Tratar sobre provas não é tarefa simples, considerando que a noção de prova, conforme ensinou Hernando Devis Echandia, “transcende o campo do direito, para estender-se a todas as ciências que integram o saber humano e inclusive a vida prática cotidiana”2. Assim, escrever sobre tema tão relevante exige rigor científico considerável.

As provas no Direito do Trabalho, como em qualquer ramo jurídico, formulam a base e fundamento das decisões a serem prolatadas. Wendel de Brito Lemos Teixeira descreve a importância da produção provas de forma precisa, dizendo que:

Desde que se repassou ao Estado o monopólio jurisdicional, o mínimo que se exigiu foi a existência de um processo com direito de de-fesa, julgado por um terceiro imparcial e com possibilidade de produção de provas. Sem tais garantias mínimas, não faz sentido a existência do processo e tampouco se realiza um processo équo e justo. Não há necessidade de processo se não se concede às partes a oportunidade de provar suas alegações. Um processo em que não se oportuniza às partes a produção de prova é um processo sem alma, é um processo de ‘faz-de-conta’ é um verdadeiro não-processo. Uma parte que não tem possibilidade de produzir prova é mero figurante no feito.3

Com esta lição, infere-se que um dos pilares do processo é a produção de provas, o que também envolve a apresentação em juízo e a apreciação, pelo órgão julgador, daquelas.

Sem pretensão de esgotar o tema, mas de fazer apanhado de parte da doutrina e jurisprudência acerca do tema, com alguma incursão no direito positivo brasileiro, inicia-se discorrendo sobre algumas premissas jurídicas e conceituais.

1.1. Função judiciária

A observância da norma jurídica pelos jurisdicionados será garantida pelos órgãos do Poder Judiciário, sendo esta sua função principal. Leciona Hans Kelsen, acerca desta:

A função judiciária consiste, essencialmente, em dois atos. Em cada caso concreto, 1) o tribunal estabelece a presença do fato qualificado como delito civil ou criminal por uma norma geral a ser aplicada ao caso dado; e 2) o tribunal ordena uma sanção civil ou criminal concreta estipulada de modo geral na norma a ser aplicada. O processo judiciário geralmente tem a forma de uma controvérsia entre duas partes. Uma parte afirma que a lei foi violada pela outra parte, ou que a outra parte é responsável por uma violação da lei cometida por outro indivíduo, e a outra parte nega que seja esse o caso. A decisão judiciária é a decisão de uma controvérsia.4

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Sob esta visão, a função judiciária consiste em, primeiro, estabelecer a presença de um determinado fato (que pode ser entendido como a verdade dos fatos, a realidade, ou o caso concreto), qualificado como um ilícito civil ou criminal (ou trabalhista), ou mesmo a ausência deste fato; e, segundo, a consequência (jurídica) que este fato (acaso estabelecido como verdadeiro ou presente) acarreta para o ordenamento jurídico5.

Neste mesmo sentido, Cléber Lúcio de Almeida expõe que as normas jurídicas associam determinados fatos sociais a específicas soluções jurídicas e ressalta que “as consequências jurídicas estabelecidas pelas normas jurídicas somente se tornarão realidade se ocorreram os fatos sociais a que estão vinculadas”6.

A lei processual comum, referindo-se a estes precisos fatos sociais, ou caso concreto, fala sobre verdade dos fatos. O art. 369 do Código de Processo Civil, promulgado em março de 2015, diz que a verdade dos fatos é o fundamento do pedido ou da defesa, in verbis:

Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.7

Assim, para que haja esta aplicação do direito (consequência jurídica) ao caso concreto, deve-se estabelecer com o maior grau de certeza possível qual é o caso concreto, ou seja, quais foram os fatos que aconteceram, ou, como diz a lei, a verdade dos fatos.

Esta verdade dos fatos, conforme a própria lei menciona, será objeto de prova pelos jurisdicionados, ou seja, ela é estabelecida por meio das provas, dentro de um processo jurídico, por meio de um procedimento pré-estabelecido na legislação que trata de cada uma das áreas do Direito.

1.2. Limitações ao órgão julgador

Ao discorrer sobre o sistema da persuasão racional acolhido pelo art. 131 do CPC de 1973, Fredie Didier Jr. ensina que:

[...] não obstante apreciar as provas...

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