Prova Testemunhal Não Supre a Ausência de Exame de Corpo de Delito (Direto ou Indireto) por Desídia da Acusação

AutorAphonso Vinicius Garbin
CargoBacharel em Direito (UNIVALI). Advogado criminalista
Páginas39-43

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1. Introdução

A equimose de vítima de lesões corporais desaparece; o dono da propriedade arrombada repara a janela destruída; esperma é expelido pela vítima de estupro; estes são vestígios de crimes que se perdem porque a perícia técnica não é realizada em tempo, e não raro porque não diligenciada tempestivamente por quem tem a obrigação constitucional de fazê-lo (pelas autoridades policiais e ministerial).

Diante disso, muitos tribunais vêm decidindo pela possibilidade de suprimir a carência de tal prova (seja direta ou indireta) por relatos de testemunhas, tornando regra a exceção1, e daí decorre a problemática.

Neste contexto, o presente texto visa analisar a (im)possibilidade da supressão do exame de corpo de

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delito direto e indireto pela prova testemunhal em decorrência de desídia das autoridades que detêm a competência de providenciá-la, iniciando-se com as necessárias explanações acerca do exame de corpo de delito, bem como ônus da prova e o dever de providenciá-la e requerê-la em tempo, as verdadeiras possibilidades em que a prova testemunhal pode ocupar a falta do exame de corpo de delito, culminando com a análise da (im)probabilidade de a prova testemunhal suprir a ausência do exame de corpo de delito pela desídia do Estado.

2. Exposições sobre o exame de corpo de delito

Inicialmente, insta consignar que a "materialidade do delito" e "vestígios" não se confundem. A materialidade é inerente a todos os tipos penais, pois todos possuem materialidade (por exemplo, a materialidade do crime de homicídio é o cadáver, da ameaça é justamente o proferir de ameaçar causar mal injusto e grave). Já os vestígios nem sempre existem em toda e qualquer infração penal, tais como alguns crimes formais, como o delito de ameaça, injúria ou desacato, quando não expressos em algum lugar, apenas verbalizado.

Deste modo, o "corpo de delito" consiste no apanhado de vestígios materiais ou sensíveis decorrentes do crime; assim, a palavra "corpo" não é exatamente o corpo de um indivíduo, mais sim o aporte de vestígios resultante da infração penal, restando seu conceito unido à materialidade do delito, tal como num crime de latrocínio em um apartamento; dentro desta conjectura o corpo de delito não se restringe somente ao cadáver, englobando todos os vestígios perceptíveis ao homem, a exemplo de marcas de sangue, a arma utilizada no crime e sinais de arrombamento2.

O exame de corpo de delito, portanto, consiste em uma prova pericial realizada por pessoa com conhecimento técnico ou cientifico nos vestígios materiais deixados pelo crime, buscando comprovar a materialidade e autoria delitiva3, verificando-se também o alcance de suas consequências, devendo ser realizado diretamente sobre o objeto material (corpo de delito), ou de modo indireto na hipótese de desaparecimento inevitável dos vestígios4. Ele será realizado em laudo técnico a ser expedido pelo profissional que a concretizou, no qual ele responderá às questões e esclarecimentos demandados pelas partes e pelo magistrado, por meio de quesitos5.

O exame de corpo de delito diferencia-se de outras periciais porque ele maneja o resultado do crime, enquanto as demais provas técnicas vão dar conta das circunstancias do delito, quer dizer,

"[E]ssas são as perícias realizadas para a demonstração de circunstâncias do crime (modo, tempo de execução etc.), que, inclusive, poderão ser úteis na identificação da autoria, como ocorre com o exame de balística, bem como de todos aqueles realizados sobre o instrumento do delito, como a autópsia (art. 162), a perícia realizada no local do crime (em caso de incên-dio, por exemplo) e, por fim, com os exames laboratoriais (art. 170)."6

Como dito, é um meio de prova elaborado por pessoas com conhe-cimentos técnicos ou científicos, preferencialmente pelo perito o?-cial, portador de diploma de curso superior na área, e, na ausência deste, será realizado por duas pessoas idôneas, que detenham diploma de curso superior, com preferência no campo específico ou ligado à natu-reza do exame (CPP, art. 159, § 1º).

A realização do exame de corpo de delito pode ser efetuada em qualquer dia e hora (CPP, art. 161)7, e ser determinado pela autoridade policial e pelo juízo a requerimento da acusação; contudo, em que pese serem detentores de tal poder, nunca podem determinar qual a conclusão que o perito deverá chegar, pois, ao exercer a atividade de perito oficial de natu-reza penal, é assegurado ao expert a autonomia técnica, cientifica a funcional para firmar sua conclu-são (Lei 12.030/09, art. 2º)8.

O exame indireto é cabível (CPP, art. 158), devendo ser reali-zado por perito oficial, que partindo de informações de testemunhas e exame de documentos atinente aos fatos a que se pretende provar, trará o conhecimento técnico ao caso por dedução. Além disso, conforme preceitua o art. 167 do CPP, "Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta", não se confundindo com exame de corpo de delito indireto, sendo neste caso prova exclusivamente testemunhal. O exame de corpo de delito, tanto direito como indireto, deve ser realizado por perito, e somente nas hipóteses em que impossível a realização desta forma, a prova testemunhal poderá supri-lo. Repisa-se, portanto, que exame de corpo de delito direto e indireto é um bloco, e aí podendo ser substituídos pela prova testemunhal, não podendo se tratar a substituição do parecer pericial pela prova testemunhal como se fosse exame indireto9. São, portanto, três hipóteses: 1ª exame de corpo de delito direto, 2ª exame de corpo de delito indireto (na impossibilidade de realizar-se diretamente sobre os vestígios e ausentes demais documentos que deem conta da existência e fora deles), e 3ª prova testemunhal (quando desaparecidos totalmente os vestígios e ausente qualquer outro elemento que comprove a sua existência e a sua forma).

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A confissão jamais deve ser usada para suprir o laudo pericial por expressa vedação legal insculpida no art. 158 do CPP, em vista das vastas possibilidades que podem levar uma pessoa a confessar falsa ou erroneamente, colocando em xeque a segurança que demanda o processo penal10.

Por fim, insta frisar que, con-forme preceitua o art. 184 do CPP, "Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da...

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