Prova testemunhal - algumas reflexões à luz do CPC/2015

AutorClarissa Valadares Chaves
Páginas151-159

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1. Aspectos gerais e introdutórios

O vocábulo prova, oriundo do latim proba/probare, significa, em sentido amplo, demonstrar. Segundo o dicionário Michaelis (WEISZFLOG, 2015), prova é aquilo que demonstra a veracidade de uma afirmação ou de um fato; confirmação, comprovação, evidência.

Manoel Antônio Teixeira Filho (2015, p. 478) define prova como a demonstração, segundo as normas legais específicas, da verdade dos fatos relevantes e controvertidos no processo.

É dizer: prova é todo elemento (seja oral, documental ou documentado) trazido aos autos por meio de procedimento previsto em lei, cujo objetivo imediato é a demonstração da veracidade da pretensão processualmente relevante e objetivo mediato é a construção do convencimento do julgador.

Testemunha, segundo Mauro Schiavi (2016,
p. 746), é a pessoa natural capaz (1), estranha (2), e isenta (3) em relação às partes, que vem a juízo trazer suas percepções sensoriais a respeito de um fato relevante (4) para o processo do qual tem conhecimento próprio.

Algumas premissas, portanto, devem ser destacadas. O sujeito apto a prestar testemunho deve ser pessoa natural capaz (1). Nos termos do art. 447 do CPC1, podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes (1), impedidas ou suspeitas (2 e 3).

O conteúdo do art. 447, § 1º, conservou, em grande parte, a previsão contida no art. 405 do CPC de 1973, acerca das incapacidades para ser testemunha. A adequação terminológica2 feita pelo legislador nos incisos I e II reflete a incorporação pelo ordenamento constitucional do valor fundamental de inclusão da pessoa com deficiência à sociedade, por meio da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Brasil em 2009 e, posteriormente, reforçado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 2015.

Nas hipóteses de impedimento, no § 2º, foi acres-cida a figura do companheiro, juntamente ao cônjuge, o que reflete, apenas, o amoldamento do texto legal à realidade dos atuais arranjos familiares.

Nos §§ 4º e 5º foi positivada a possibilidade de oitiva do menor de dezoito anos, na qualidade de informante, caso necessário3. O CPC de 1973 já previa a hipótese de se admitir o depoimento daqueles impedidos ou suspeitos como informantes, mas nada dizia especificamente acerca das testemunhas menores de idade.

É verdade que na prática tal situação já ocorria4.

Considerando-se que a capacidade para trabalhar se inicia aos 14 anos (art. 7º, XXXIII, da CRFB), não faz sentido que se limite a possibilidade de participação do menor como colaborador da construção da prova no processo. Conforme explica Manuel Cândido Rodrigues (2016,
p. 756), há situações específicas em que os contratos de trabalho são firmados quase que exclusivamente com menores de idade5, sendo tal espécie de testemunha, nesses casos, o único meio à disposição da parte e próprio Juízo para esclarecimento dos fatos.

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A doutrina majoritária, entretanto, trata a hipótese como excepcional, entendendo que a oitiva do menor deva acontecer apenas na ausência de outras testemunhas e sempre na qualidade de informante, sem prestar compromisso legal.

Pontue-se, ademais, que a testemunha, além de capaz, deve ser sujeito colaborativo no processo. Apesar de ser terceiro, é sujeito processual, submetendo-se ao dever de colaboração no processo (Princípio da Cooperação – art. 6º/CPC) e perante a justiça. É o que preceituam os arts. 77, I, 378 e 380, I, do CPC:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;

Art. 378. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.

Art. 380. Incumbe ao terceiro, em relação a qualquer causa:

I – informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento;

Essa premissa, inclusive, é ratificada pelo novel diploma celetista ao positivar o instituto da litigância de má-fé, como forma de combate ao dano processual. O instituto, que visa garantir o dever geral de boa-fé no processo, apesar de não positivado até então no texto consolidado, já possuía larga utilização prática, por importação do Processo Civil. Antes aplicado apenas às partes estritamente consideradas, agora, mais acertadamente, abrange também a testemunha (art. 793-D6), sujeito processual cujas declarações possuem grande responsabilidade na formação do convencimento do julgador.

Saliente-se que a penalização por litigância de má-fé não se confunde com aquela instituída pelo art. 730, direcionada à testemunha que injustificadamente deixa de atender à intimação judicial para depor, permanecendo em vigor, sem alterações. A novidade do art. 793-D trata da testemunha que é flagrada alterando a verdade dos fatos ou omitindo pontos essenciais para o julgamento da causa. Segundo exemplo trazido por Homero Batista (2017, p. 148), essa situação ocorre particularmente nos casos em que a mesma testemunha presta depoimentos conflitantes em dois processos distintos, sendo que na outra demanda ela pode ter sido arrolada como testemunha ou ter sido parte.

Não se confunde, ainda, com o tipo penal do falso testemunho7, adstrito a esfera criminal. A penalização processual em âmbito trabalhista está dissociada de eventual repercussão penal da conduta.

O quarto e último aspecto (4) do conceito de testemunha trata da relevância processual do fato que pretende se provar com o depoimento testemunhal. A ponderação do que venha a ser um fato processualmente relevante trata-se de objeto de análise minuciosa pelo julgador no caso concreto, sob pena de caracterização de cerceamento de defesa8.

A análise criteriosa se justifica, de mais a mais, pela máxima prevista no art. 442 do CPC, adotada no processo do trabalho, segundo a qual a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. Assim, infere-se que caso o magistrado indefira a oitiva de determinada testemunha, deverá fazê-lo fundamentadamente.

O diploma civilista limita a utilização da prova testemunhal em algumas situações, a exemplo do próprio caput do art. 442, parte final, arts. 443 e 444.

Nesse aspecto, ainda que a lei traga restrições, a CLT traz como um de seus preceitos basilares a atuação do Juiz como condutor do processo (art. 765), garantindo a máxima colaboração dos sujeitos processuais, em busca da efetiva prestação jurisdicional.

No contexto da construção probatória, portanto, mesmo que já exista prova documental ou pericial acerca

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de um determinado fato, pode ser que o juiz não esteja com seu convencimento formado, sendo plenamente
possível que queira ouvir determinada testemunha9 a fim de aclarar sua compreensão relativa à situação discutida10.

A possibilidade de produção de prova complementar, contudo, gera controvérsias quando se parte do pressuposto de que certas situações decorrentes do contrato de emprego devem ser documentadas, notadamente pelo empregador. Estar-se-ia diante de um dever reflexo da relação empregatícia; obrigação irradiada pelo próprio poder diretivo patronal. Admiti-la, nesses casos, deve demandar cautela, haja vista que, a priori, poderia induzir à conclusão de que se estaria dando à parte a faculdade de cumprir ou não com seu dever de documentação.

Situações como o registro do contrato na CTPS do empregado11, a anotação da jornada12, o recibo de pagamento do salário13, e o registro das férias14, representam alguns exemplos corriqueiros em que o magistrado, ao analisar o deferimento de prova complementar testemunhal, deve levar em consideração o aspecto pontuado. Como assevera Valdete Souto Severo (2017, p. 202), admitir a possibilidade de ‘produção de prova em contrário’, quando o empregador não cumpre com seu dever de documentação implica exatamente isso: admitir que as partes podem escolher se irão ou não cumprir as normas impositivas contidas na legislação trabalhista.

A prova testemunhal, apesar das inúmeras críticas que recebe, seja em razão de sua fragilidade ou por não representar a fiel realidade dos fatos, mas a reprodução da percepção do terceiro acerca de um determinado cenário15, é, muitas vezes, o único meio de prova disponível ao juiz, notadamente na Justiça do Trabalho.

Grande parte das controvérsias que chegam às Varas do Trabalho diz respeito a matéria preponderantemente fática, como é o caso de justa causa, equiparação salarial e horas extras. No âmbito da relação de emprego, em que a hipossuficiência do trabalhador é expressão da desigualdade existente entre as partes, sabe-se que a prova documental muitas vezes é inócua, enaltecendo a eficácia da prova testemunhal.

2. Produção da prova testemunhal

A subseção destinada à produção da prova testemunhal no CPC inicia-se com o art. 450, que amplia a qualificação do rol de testemunhas apresentado pelas partes em juízo.

A maior parte da doutrina entende que, em razão de na esfera trabalhista a produção da prova testemunhal ser requerida na própria audiência (art. 825 da CLT), essa alteração não traz significativos reflexos ao processo do trabalho.

O fato de não haver a apresentação de um rol prévio vai além da simplicidade inerente à processualística laboral. Conforme bem assinala Manoel Antônio Teixeira Filho (2015, p. 591), a surpresa que o comparecimento à audiência das testemunhas arroladas provoca na parte contrária contribui, sobremaneira, para o processo de descobrimento da verdade, o que certamente não aconteceria (ou pelo menos com igual intensidade) caso se soubesse, antecipadamente, quem seriam elas. Lembra que, em muitos casos, as testemunhas do empregado, por exemplo, ainda mantêm vínculo de emprego com o réu, hipótese em que, do ponto de vista das...

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