Prova Testemunhal

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas247-292

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Considerações introdutórias

Visto sob o aspecto histórico, o testemunho constitui, juntamente com a confissão, o mais antigo meio de prova judiciária. Alguns Códigos primitivos, como o de Manu, bem assim como determinadas leis (egípcias, gregas, romanas) priscas continham disposições acerca da prova testemunhal e do valor que ela representava para a demonstração da verdade dos fatos. Mesmo com o surgimento, mais tarde, dos meios escritos, o testemunho manteve a sua preeminência, a ponto de haver-se, como na França, estabelecido um brocardo segundo o qual témoins passent lettres, isto é, as testemunhas valem mais do que os escritos. Tal era a importância da prova testemunhal, nessa época, que Bentham (apud Pestana de Aguiar, ob. cit., p. 286) a ela se referiu como sendo “os olhos e os ouvidos da Justiça”.

Os tempos, contudo, mudaram. O aparecimento de outros meios modernos de prova fez com que se fosse restringindo, no âmbito do processo civil, o campo de atuação das testemunhas, a ponto de torná-las até mesmo inadmissíveis em determinadas hipóteses, conforme veremos.

Essa profunda alteração quanto à importância da prova testemunhal para o processo proveio da constatação da sua falibilidade103, da sua natureza condutível, plástica, segundo seja o interesse da parte em ver provados certos fatos, ainda que não tenham ocorrido. É possível falar-se, portanto, nos dias de hoje, em um desprestígio, um certo descrédito (inclusive popular) nesse meio provativo, cuja causa Porras López atribui, preponderantemente, “a la crisis moral del régimen económico-social en el que vivimos” (ob. cit., p. 274). No que está certo.

A despeito disso, é indubitável que, em certas situações, a prova testemunhal se revela necessária, e até imprescindível, se levarmos em conta que ela tem por objeto os

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fatos controvertidos na ação, que, por sua natureza imaterial, não podem ser apreendidos por outros meios de prova. Daí por que o filósofo González Serrano, citado por Porras López (ibidem, p. 275), pôde afirmar, com razão, que “El testimonio, es la admisión, de la experiencia propia”.

Com efeito, as testemunhas contribuem com suas percepções sensoriais a respeito de tais fatos que interessam à causa e que não eram da cognição privada do juiz; ainda que o fossem, aliás, ao magistrado apenas seria lícito julgar segundo seus conhecimentos pessoais somente em casos extraordinários. Eis por que às testemunhas cabe reproduzir, perante o juiz, a realidade que captaram; mas o descrédito que se tem manifestado quanto a esse meio de prova reside, exatamente, na possibilidade de essa realidade ser subvertida, contrafeita, em virtude de certas regras de conveniência da própria testemunha ou da parte que a apresentou em juízo. Ninguém ignora a existência de testemunhas profissionais, que tanto mal causam à honorabilidade e ao conteúdo ético do processo judiciário. Nem mesmo o compromisso que elas prestam, ao início da inquirição, e a advertência que recebem quanto às sanções penais que incidirão no caso de fazerem afirmações falsas, calarem ou ocultarem a verdade (CPC, art. 415 e parágrafo único) produzem o efeito intimidante pretendido pelo legislador.

Foi visando a evitar, mediante a adoção de certos critérios objetivos, que a testemunha propenda, deliberadamente, em favor do interesse da parte que a conduziu a juízo, seja por motivos de parentesco, de afinidade política ou ideológica, de interesse pessoal e outros mais, que a lei erigiu os obstáculos do impedimento (CPC, art. 405, § 2.º) e da suspeição (art. 3.º), a que também se refere a CLT (art. 829), embora de maneira menos técnica.

Conceito de testemunha

João Monteiro (ob. cit., p. 250, § 162) a conceituava como a “pessoa, capaz e estranha ao feito, chamada a juízo para depor o que sabe sobre o fato litigioso”; para Moacyr Amaral Santos (ob. cit., p. 261), testemunha “é a pessoa distinta dos sujeitos processuais que, convocada na forma da lei, por ter conhecimento do fato ou ato controvertido entre as partes, depõe sobre este em juízo, para atestar sua existência”; “é a pessoa física, distinta das partes do processo, que, admitida pela lei, vem informar o juiz — a pedido das partes e por determinação do juiz, ou só por ordem deste — sobre fatos suscetíveis de serem provados por esse tipo de prova” (Arruda Alvim, ob. cit., p. 280); para Paula Batista (apud Humberto Theodoro Júnior, ob. cit., p. 585), testemunhas são “as pessoas que vêm a juízo depor sobre o fato controvertido”; “es la persona extrãna al juicio, que declara acerca de los hechos o cosas controvertido en la relación procesal” (PORRAS LÓPEZ, ob. cit., p. 274); Hugo Alsina (apud Amauri Mascaro Nascimento, ob. cit., p. 207) a tem como “a pessoa capaz, estranha ao processo, que é chamada a declarar sobre fatos que caíram sob o domínio dos seus sentidos”.

Poderíamos reproduzir, aqui, algumas dezenas de conceitos formulados pela doutrina com relação à testemunha; os que já mencionamos, contudo, bem se prestam para demonstrar certos elementos substanciais que devem ser observados para uma exata conceituação dessa figura.

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Se não, vejamos. A testemunha:

a) é, necessariamente, uma pessoa física, pois apenas ela é capaz de ter percepções sensoriais, de forma a poder narrar ao juiz, mais tarde, os fatos presenciados e que interessam à causa; as pessoas jurídicas, embora também contribuam com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade, o fazem mediante informações, e não testemunho;

b) distinta das partes do processo. Melhor será que se diga distinta dos sujeitos do processo, cujo conceito é mais abrangente que o de partes. Por isso, o juiz, que também é sujeito processual, não pode servir, por princípio, como testemunha na causa que lhe está sendo submetida a apreciação e julgamento. Um outro reparo se impõe: a testemunha, em rigor, não é pessoa estranha ao processo, como se afirmou em alguns dos conceitos transcritos; tanto não é que ela aparece, surge, no processo. O que se quis dizer — e nos parece ser lícito supor neste sentido — é que a testemunha é estranha à relação jurídica processual, que é coisa diversa;

  1. admitida como tal pela lei, isto é, apenas podem depor como testemunhas as pessoas que não sejam incapazes, impedidas ou suspeitas, nada obstante (e desde que seja estritamente necessário) ao juiz seja facultado ouvir, como meras informantes, pessoas impedidas ou suspeitas (CPC, art. 405, § 4.º); nunca, porém, as incapazes;

    d) que inquirida pelo magistrado. As testemunhas são sempre inquiridas pelo magistrado, seja o juiz da causa ou aquele a quem se deprecou a inquirição. Não é correto dizer-se que elas sempre comparecem a juízo porque, embora em regra essa modalidade de prova oral deva ser colhida em audiência (CPC, art. 336, parágrafo único), há casos em que isso não acontece, pois assim permite ou determina a lei, como em virtude de doença ou de outro motivo relevante que impeça a testemunha de vir a juízo (CPC, art. 410, III), ou se se tratar das pessoas a que faz menção o art. 411 e incisos do mesmo Código. Mesmo assim, tais testemunhas serão inquiridas pelo juiz, o que importa também em dizer: na sua presença, conquanto não em juízo. São inquiridas pelo magistrado porque somente a ele compete, como diretor do processo, interrogar os litigantes (CLT, art. 848, caput), facultando-se que, por seu intermédio, as partes, seus representantes ou procuradores formulem reperguntas;

    e) voluntariamente ou em decorrência de intimação. Quer dizer, as testemunhas tanto podem se submeter à inquirição espontaneamente (são convidadas pela parte e depõem) quanto em virtude de intimação (porque, convidadas, se esquivaram da inquirição ou porque foi o juiz quem, sponte sua, decidiu ouvi-las);

  2. a respeito de fatos controvertidos, relevantes e pertinentes, pois o objeto da inquirição são os fatos controvertidos. A controvérsia, contudo, por si só, não basta; os fatos têm de ser pertinentes à sua causa e, ainda assim, relevantes para ela. Destarte, fatos pertinentes, mas irrelevantes, não interessam, do mesmo modo que há desinteresse em relação aos fatos relevantes, mas que não pertinem à causa. Depara-se-nos, data venia, cerebrina a distinção pretendida por Ísis de Almeida (Curso de direito

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    processual do trabalho. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p. 393), entre fatos controversos e controvertidos, porquanto, a nosso ver, estão identificados por uma sinonímia léxica e, consequentemente, processual.

  3. dos quais tem conhecimento próprio, porque se exige da testemunha uma cognição pessoal dos fatos (ex proprius sensibus), assim, o testemunho de quem soube dos fatos por intermédio de terceiro (por “ouvir dizer” — “hearsay testimony”) é frágil, é nonada, pois desatende à razão teleológica pela qual se admite esse meio de prova no processo; “testis debet deponere de eo quod novit et praesens fuir et sic per proprium...

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