A prova pericial no processo do trabalho: os caminhos entre o CPC/2015 e a reforma trabalhista

AutorCarolina Silva Silvino Assunção
Páginas160-166

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1. Introdução

O processo do trabalho, criado para instrumentalizar a aplicação do direito material do trabalho, foi concebido para ser simples, de modo a permitir o amplo e rápido acesso do trabalhador, parte hipossuficiente na relação jurídica, ao crédito de natureza alimentar (art. 100 da CR/1988 e art. 186 do CTN). Ocorre que, com o advento da Emenda Complementar n. 45/2004, que ampliou significativamente a competência da justiça laboral, passaram os juízes do trabalho a julgar demandas cada vez mais complexas, fundamentadas em fatos técnicos que extrapolam o campo de conhecimento dos magistrados.

Assim, além da clássica necessidade de auxílio técnico para aferir a existência de meio ambiente de trabalho perigoso ou insalubre (art. 195 da CLT), passou o juiz do trabalho também a demandar a atividade dos peritos para investigar o nexo de causalidade entre o trabalho e a doença ocupacional, bem como a extensão dos danos advindos do acidente de trabalho1.

Haja vista a necessidade de o convencimento motivado do juízo ser tomado de forma informada, almejando-se sempre a aproximação da verdade real, deve o órgão jurisdicional se valer da prova pericial sempre que a investigação dos fatos envolvidos na causa exigir conhecimentos técnicos especializados que extrapolem o campo do conhecimento jurídico, de maneira que o auxílio de especialistas corrobore na segurança da formação da convicção do magistrado. O perito, portanto, substitui2 o juiz na percepção e análise das fontes da

prova, contribuindo, assim, para a investigação dos fatos (DIDIER, 2016, p. 267).

Em vistas da importância da atuação séria e proba do perito para a solução justa dos litígios, é ele considerado um auxiliar do juízo (art. 149 do CPC), que contribui com sua cognição técnica para o descobrimento da verdade (TEIXEIRA FILHO, 2016, p. 612). Por isso, a ele também se aplicam os motivos de impedimento e suspeição (arts. 148, III, e 465, I, ambos do CPC), na forma da lei processual3.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe importantes mudanças na prova pericial com o objetivo de se alcançar prova de maior qualidade técnica, a fim de se obter decisões mais seguras e bem fundamentadas. A exigência prevista no art. 473 do CPC vem para subsidiar a exigência da decisão judicial completa e com fundamentação exauriente (art. 489, § 1º, do CPC), em clara observância do princípio da motivação (art. 93, IX, da CR/1988).

Além disso, buscou a nova codificação instituir no ordenamento jurídico pátrio o processo colaborativo, marcado pelo princípio da cooperação (art. 6º do CPC), no qual juiz e partes participam da relação processual de forma democrática, sempre pautados no diálogo mútuo e na boa-fé objetiva (art. 5º do CPC). No âmbito da prova pericial, além da intuitiva percepção da imbricação do tema aos referidos princípios, notadamente no que se refere à perícia consensual (art. 471), observa-se também a preocupação do legislador em materializar os princípios da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da

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CR/1988) e do efetivo acesso à justiça com a adoção da
perícia simplificada (art. 464, § 2º, do CPC).

A análise da compatibilidade das normas do Código de Processo Civil de 2015 com o Processo do Trabalho demandará profundos estudos e reflexões da comuni-dade jurídica. O presente trabalho não busca o esgotamento do tema, mas sim a análise mais detida do que, a princípio, se mostra como relevante na perspectiva da prova pericial no processo do trabalho.

2. Alterações trazidas à prova pericial pelo CPC/2015 e pela reforma trabalhista

O CPC/2015 regulamentou a prova pericial no Livro I, Capítulo XII, Seção X da Parte Especial, nos arts. 464 a 480. Além das disposições contidas no capítulo destinado às provas, os arts. 156 a 158 trouxeram inovações significativas quanto à figura do perito. O código é enfático ao determinar que o auxílio técnico seja feito por profissional legalmente habilitado (art. 156, § 1º) e especializado no objeto da perícia (art. 455), de forma a não mais ser admitido laudo pericial confeccionado por quem não detenha os conhecimentos científicos necessários para a correta análise dos fatos controvertidos.

A principal alteração em relação ao auxiliar do juízo, no entanto, está prevista nos parágrafos do art. 156, que determinam a constituição de cadastro dos profissionais e órgãos técnicos4, que deverá ser mantido pelos tribunais e divulgado pela rede mundial de computadores. O CPC determina que os tribunais realizem manutenções periódicas no cadastro, de forma a mantê-lo atualizado. Assim, a partir do registro dos profissionais, deve o juízo nomear apenas perito constante no rol, somente sendo autorizada a livre nomeação caso não tenha na localidade técnicos ou órgãos cadastrados (art. 156, § 5º). Ainda assim, deve a pessoa ou órgão técnico comprovar os conhecimentos científicos necessários à realização da perícia.

Tais exigências são fruto da constante reivindicação das partes e advogados, em razão de nomeações pelos juízos de profissionais pouco qualificados para o objeto da perícia, o que, via de consequência, afetava substancialmente o exercício da ampla defesa e do contraditório e gerava decisões pouco seguras, vez que baseadas em prova pericial frágil.

Para construir o cadastro, os tribunais realizarão consulta pública, mediante ampla divulgação nos meios de comunicação (meios físicos e internet), além de consultar universidades, conselhos de classe, Ministério Público, Defensorias Públicas e a Ordem dos Advogados do Brasil com vistas a obter indicações de respeitados profissionais e órgãos técnicos (TEIXEIRA FILHO, 2016,
p. 207).

O art. 157 sofreu alteração para elastecer a 15 dias o prazo para a apresentação da escusa pelo perito. Além disso, foi incluída determinação para que a lista de profissionais seja disponibilizada aos interessados, bem como sejam as nomeações distribuídas equitativamente, a fim de viabilizar a participação de todos os técnicos cadastrados.

Apesar de parte dos operadores do direito apontar a incompatibilidade da norma do CPC com o processo do trabalho em razão do disposto no art. 3º da Lei
n. 5.584/19705, a formação do cadastro de profissionais perante os tribunais se mostra compatível com o processo do trabalho. É certo que o cadastro atende ao ensejo da população de publicidade e transparência na escolha de quem irá atuar no processo de formação do convencimento do juízo. Além disso, o cadastro proporciona tratamento isonômico e democrático entre os profissionais. A liberdade do juiz na condução do processo (art. 765 da CLT c/c art. 3º da Lei n. 5.584/1970) não é absoluta e deve harmonizar-se com os anseios da sociedade brasileira de maior segurança e isonomia nas relações processuais.

Necessário salientar que, após a entrada em vigor na nova norma processual, diversos Tribunais do Trabalho passaram a exigir que os profissionais técnicos realizassem cadastro a fim de cumprir as exigências da Resolução n. 233/2016 do CNJ, que visa dar concreção à norma prevista no art. 156 do CPC6, o que sinaliza a adoção pelos TRT dos cadastros nos moldes preconizados pelo Código Processual de 2015.

Já na seção especialmente destinada à prova pericial, dispôs o art. 464, caput, que repetiu o teor do art. 420 do CPC/1973, que a prova técnica consiste em exame, vistoria ou avaliação. O exame é ato de inspeção de pessoas, bens móveis e semoventes ao passo que a vistoria é ato de inspeção de bens imóveis. A avaliação, por sua vez, é a atividade de fixação do valor de coisas e direitos (DIDIER, 2016, p. 271).

As espécies de perícia mais comuns no processo do trabalho são a vistoria, para verificar a existência ou não de meio de trabalho perigoso e insalubre, e o exame, nos trabalhadores, que tem o intuito de quantificar a extensão dos danos advindos de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho.

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O art. 464 trouxe inovações com a inclusão dos §§ 2º e 3º que autorizam a substituição da perícia por produção de prova técnica simplificada quando o ponto controvertido for de menor complexidade. A prova técnica simplificada consiste na inquirição do especialista acerca dos pontos controvertidos da lide que demandem conhecimento científico, dispensando, assim, a elaboração de laudo técnico7.

A Instrução Normativa n. 39/2016, editada pelo Tribunal Superior do Trabalho em razão do advento do CPC/2015, com o objetivo de transmitir segurança jurídica aos jurisdicionados e órgãos da Justiça do Trabalho8, nada dispôs sobre a possibilidade de produção de prova técnica simplificada no processo do trabalho. É notório, no entanto, que a prova simplificada deverá ser aplicada ao processo laboral quando o fato objeto da perícia assim permitir, haja vista a sua utilização possibilitar economia de despesas – mesmo que sejam devidos honorários periciais, esses serão consideravelmente de menor monta (TEIXEIRA FILHO, 2016, p. 615) – e a simplificação do procedimento, que possibilitará a conclusão da instrução probatória sem a necessidade de se fracionar a audiência una para realização de perícia, o que, certamente, vai ao encontro dos princípios da simplicidade, oralidade, celeridade e concentração dos atos processuais, que são ínsitos ao processo laboral. Observa-se que a prova técnica simplificada poderia ter grande utilidade no processo do trabalho, principalmente no que se refere à aferição do tempo de deslocamento do trabalhador para fins de apuração das horas in itinere. Necessário destacar ao leitor, no entanto, que a Lei
n. 13.467/2017 alterou a redação do art. 58 da CLT, de forma que, a partir de 11.11.2017, fim da vacatio legis da reforma trabalhista, não mais existirá a figura das horas de trajeto9.

Verifica-se assim, a perfeita compatibilidade da prova pericial simplificada com o processo do trabalho. No entanto...

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