A prova pericial na Lei 13.105/15 - novo Código de Processo Civil

AutorCarlos Alberto Del Papa Rossi
CargoAdvogado, Especialista em Direito Tributário (PUC/SP)
Páginas183-214

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Introdução

Ao disciplinar a prova pericial, a Lei 13.105/15 trouxe relevantes alterações, enriquecendo o sistema do direito positivado na medida em que o respectivo regramento restou mais detalhado e atento a questões que, sob a égide do código de 1973, deram ensejo a inúmeras discussões perante os nossos tribunais.

Neste singelo artigo, tentaremos trazer ao leitor os aspectos mais importantes da nova legislação, e na medida do possível, apresentaremos posições jurisprudenciais alcançadas na vigência do diploma processual revogado, demonstrando que as mesmas parecem ter sido incorporadas pelo atual codex.

1. Jurisdição

De uma forma bastante resumida, o direito pode ser entendido como um sistema de normas jurídicas válidas em tempo e espaço específicos, cuja finalidade é disciplinar as relações humanas intersubjetivas. Dentre todas essas normas há uma parcela destinada a regrar a composição das lides, ou seja, o ordenamento jurídico estatui como as pessoas devem agir na hipótese de terem direitos lesados ou colocados em situação de risco. Da mesma forma, num estado democrático de direito, as normas

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jurídicas dispõem, ainda, como o Estado-juiz deve se conduzir para pacificar os conflitos de interesses que lhe são submetidos.

A Constituição Federal assegura a todos o livre acesso ao Poder Judiciário para a proteção ou reparação de direitos, sendo que ao Estado foi atribuído o dever de desempenhar a atividade jurisdicional.

Para que se inicie a prestação da tutela jurisdicional é necessário que o interessado exerça o seu direito de ação, provocando o Poder Judiciário. O direito ameaçado ou violado só torna-se objeto de apreciação pelo Estado-juiz após o seu titular solicitar, através de uma ação, a prestação jurisdicional (art. 2º, CPC).

Provocado, o Estado tem o dever de analisar a questão que lhe foi submetida e resolvê-la através da aplicação das normas jurídicas. Assegurará a sobreposição da vontade da lei à vontade das partes, garantindo o respeito à ordem jurídica e a paz social.

Quando dizemos que o Estado tem o dever de compor a lide, o fazemos porque "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º, XXXV, CRFB/1988), e o "juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico" (art. 140, CPC). Desta maneira, atendidos os pressupostos processuais e presentes todas as condições da ação, uma vez levado o caso concreto ao Poder Judiciário, este deverá decidi-lo, ainda que não encontre expressamente as normas jurídicas reguladoras.

Jurisdição é, portanto, o encargo que o Estado tem de, por seus órgãos, e sempre que for provocado, prestar a tutela jurisdicional através da aplicação da lei aos casos concretos. Note-se que não nos limitamos a dizer que a jurisdição tem por fim a solução de litígios, pois em muitos casos haverá o desenvolvimento de atividade jurisdicional sem que haja lide a ser dirimida, como ocorre, por exemplo, com o divórcio consensual em que o casal possui filhos menores.

O princípio do devido processo legal exige que, desde a provocação do Estado-juiz até o momento em que a tutela jurisdicional é prestada em definitivo, sejam disponibilizados aos jurisdicionados todos os meios legais para defesa de seus interesses, assegurado o contraditório. Consequentemente, às partes deve ser facultada a produção de todas as provas que se mostrarem necessárias2à comprovação de suas alegações, pois só assim se desincumbem dos respectivos ônus3.

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Dentre os meios de prova legalmente previstos, destaca-se a pericial, haja vista que sua natureza técnica ou científica, e a maior complexidade que geralmente gira no seu entorno, exige que o magistrado seja auxiliado por um perito.

Feitas estas breves considerações, passamos a tecer rápidos comentários sobre o perito judicial para, na sequência, tratarmos da prova pericial.

2. Perito - auxiliar da justiça

Para o exercício de suas funções o juiz necessita do auxílio constante ou eventual de outras pessoas que, tal como ele, devem atuar com diligência e imparcialidade (art. 149, CPC).

Nas causas em que a matéria envolvida exigir conhecimentos técnicos ou científicos próprios de determinadas áreas do saber, o magistrado será assistido por perito ou órgão, cuja nomeação observará o cadastro de inscritos mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado (art. 156, § 1º, CPC), sendo que esse cadastro deve ser feito de acordo com o exigido pelo artigo 156, em seus §§ 2º e 3º.

A Lei 13.105/15 inovou ao expandir a possibilidade do juiz também ser assistido por "órgãos técnicos ou científicos", não estando limitado apenas a pessoas físicas na condição de "profissionais de nível universitário", tal como dispunha o código revogado. Nesta hipótese, o órgão que vier a ser designado para a realização de determinada perícia deverá comunicar ao juiz os nomes e os dados de qualificação dos profissionais que forem destacados para o respectivo trabalho pericial, de modo a viabilizar a verificação de eventuais causas de impedimento4e suspeição5(art. 156, § 4º, CPC).

Pode ocorrer, principalmente em comarcas pequenas, que para a realização de uma determinada perícia sobre área específica do conhecimento, não haja perito ou órgão inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal. Nesta hipótese, o parágrafo 5º do artigo 156 permite que o magistrado escolha livremente um profissional ou órgão que, comprovadamente, detenha conhecimento especializado para tal mister.

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Nomeado, o auxiliar do juiz - perito ou órgão - deverá empregar toda diligência para, no prazo que lhe for assinado, cumprir seu trabalho. Poderá, se for o caso, no prazo legal de quinze dias, escusar-se do encargo alegando justo motivo, sob pena de renúncia a tal direito (art. 157, § 1º, CPC).

Reforçando o dever de diligência exigido pelo artigo 157, o Código de Processo Civil, no seu artigo 466, estabelece que mesmo dispensado de assinar um termo de compromisso o perito - assim como o órgão técnico ou científico - tem o dever de cumprir escrupulosamente seu encargo.

Caso, por dolo ou culpa, o perito acabe prestando informações inverídicas, será responsabilizado pelos prejuízos que causar à parte, ficando ainda inabilitado para atuar em outras perícias por um prazo de dois a cinco anos, sem prejuízo de outras sanções. Caberá ao juiz comunicar tal fato ao respectivo órgão de classe, para que sejam adotadas as medidas cabíveis (art. 158, CPC). Dito de outra forma, para a responsabilização do perito ou órgão não é necessária a demonstração da intenção de prejudicar uma das partes, bastando ficar caracterizada a culpa pela imprudência, negligência ou imperícia.

Tecidas estas singelas considerações sobre o perito, passaremos a abordar a prova pericial.

3. A prova pericial

A prova pericial consistirá em exame, vistoria ou avaliação, e poderá ser determinada de ofício6ou a requerimento das partes. Será indeferida quando: a) não houver a necessidade de conhecimento especial de técnico para prova do fato; b) o fato já estiver comprovado por outros meios de prova; e c) a verificação for impraticável (art. 464, § 1º, CPC).

Caso o objeto da perícia envolva aspectos de maior complexidade, abarcando várias áreas do saber, o juiz nomeará mais de um perito, haja vista a necessidade de que cada um seja especializado em sua respectiva área de conhecimento (art. 475, CPC).

A produção da prova pericial poderá ser dispensada quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato,

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pareceres técnicos ou documentos elucidativos que forem considerados suficientes pelo magistrado (art. 472, CPC).

3. 1 Prova técnica simplificada

Em muitos casos, apesar da necessidade de conhecimentos técnicos ou científicos especializados para a comprovação de determinado fato, pode ocorrer que a causa não envolva questões de alta complexi-dade.

Nesta hipótese o juiz poderá de ofício, ou a requerimento das partes, substituir a perícia por prova técnica simplificada, a qual consiste apenas na inquirição do especialista sobre os pontos controvertidos da causa. Durante sua arguição, o especialista poderá se utilizar de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens.

3. 2 Especialização dos peritos

Na vigência do código revogado já era exigido que para assumir o encargo de perito, além de graduado em nível universitário, o profissional comprovasse sua especialização através de certidão expedida pelo órgão de classe7no qual encontrava-se inscrito. Para exemplificar, numa perícia médica sobre neurologia, não bastava que o profissional fosse graduado em medicina e inscrito no CRM - Conselho Regional de Medicina -, pois devia também possuir título de especialização na área do objeto da perícia. Entretanto, e lamentavelmente, muitos foram os casos em que os tribunais desprezaram a exigência legal de que o perito deveria ser especialista na matéria sobre a qual lhe incumbia opinar.

Prestigiando a segurança, e minimizando os riscos de prejuízos às partes e ao resultado útil do processo, a Lei 13.105/15 é incisiva ao dispor que para o cargo de perito só pode ser nomeado o profissional que for especializado na área de conhecimento do objeto da perícia.

Com efeito, o artigo 465 do Código de Processo Civil é expresso quando impõe ao juiz o dever de nomear apenas "perito especializa-

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do no objeto da perícia". Ciente de sua nomeação, o expert deverá, em cinco dias, apresentar seu currículo com comprovação de especialização quanto ao objeto da perícia (art. 465, § 2º, II, CPC), devendo ser substituído se "faltar-lhe conhecimento técnico...

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