O papel da prova no processo coletivo trabalhista como agente de efetividade na prestação jurisdicional
Autor | Willians Franklin Lira dos Santos |
Ocupação do Autor | Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA. Especialista em Direito pela UFPR e pela PUCPR |
Páginas | 114-154 |
Page 114
Como referenciado nos capítulos anteriores, a efetividade está visceralmente ligada à ideia de prestação jurisdicional que evite violação do direito, faça cessá-la ou, isso sendo impossível, restabeleça-o ao status quo ante violatio. Trata-se de um enfrentamento pelo viés fático.455
A coletivização, é certo, favorece grandemente esse desiderato, todavia não o exaure, nem o assegura por completo. A prova judiciária, como responsável direta pelo direcionamento final da demanda, parece representar importante via para analisar estratégias de efetividade. Isso seguramente envolve a superação de paradigmas456 de fortalecimento da dimensão pública457 no seu viés de interesse social do processo.
A perspectiva pluralista também tem espaço em matéria de prova, na medida em que a desejada paridade de armas entre os demandantes, ingrediente primal da efetividade, pode ser assegurada mediante distribuição de ônus que, relativizando a rígida divisão dos planos material e processual, tome em conta a natureza do direito processual tutela. Essa constatação parece direcionar a hipótese inicial à conclusão de que a efetividade está diretamente ligada à distribuição dos ônus probatórios.
Nesse caso, e como já sinalizam importantes regramentos de lege ferenda458, a distribuição dos ônus probatórios é o ponto nodal do resultado prático do processo e, em consequência, da efetividade que dele se espera, remetendo à questão, em última análise, à prova e, consequentemente, à distribuição de seus ônus.
A função jurisdicional do Estado presume a necessidade de se encontrar a melhor solução à lide. Por conseguinte, as partes vão deduzir suas pretensões, que sustentam como verdadeiras, no intuito de vencer a demanda. No entanto, em razão
Page 115
do princípio da verdade real, o Estado-juiz tem interesse em encontrar a verdade dos fatos e, para tanto, a prova será, talvez, o único instrumento para o alcance dessa meta. Outra questão importante diz respeito aos limites de intervenção do juiz, diretor do processo, em prol da busca da verdade real.459
Isso é ainda mais importante na seara coletiva, haja vista que, na medida em que os direitos tutelados transbordam a barreira da individualidade460, reclamam por maior atenção e interferência do juiz na realização da verdade material. Nesse sentido, a oportuna lição de Rui Portanova: "em matéria de prova, o interesse público aparece com toda sua força e leva o processualista civil para caminhos que se aproximam do processo penal"461.
Parece apropriado, então, o aprofundamento dos temas afetos à especificidade da prova no direito processual em sua forma coletiva e, dentro do principal viés deste estudo - a efetividade da tutela jurisdicional462 -, enfocar alguns aspectos da prova, que é talvez o ponto mais relevante para a realização concreta desse objetivo.
Não se olvide que Leo Rosenberg463 considerou a prova a coluna vertebral do processo. Realçando que a importância desse instituto é política e situa-se no viés do devido processo legal, Cândido Rangel Dinamarco464 considera-o um dos pilares fundamentais do sistema processual.
O processo coletivo, em que pese observe regramento conexo465 àquele fixado no Código de Processo Civil466, tem peculiaridades próprias467 e, dentre elas, a que mais importa à efetividade parece ser a técnica da distribuição dinâmica dos ônus probatórios.
A prova envolve o público e o privado. É sua missão expor o privado (situações particulares que tenham conexão com a verdade buscada no processo) ao público
Page 116
(Estado-juiz e partes469 envolvidas no processo), com a finalidade de estabelecer a verdade real ou, ao menos, aquela máxima condição de verdade que o juízo de avaliação dos elementos coligidos permita aferir, podendo-se falar, nesse sentido, em máxima verossimilhança do alegado.470
A prova é o elo de conexão do processo com o mundo dos fatos, os quais, pela tradição normativista e generalizante da civil law, em regra, recebem menor atenção que a articulação abstrata da norma (ou normas) que vão incidir sobre o caso concreto. Como bem pontuam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart471,
a função da prova, justamente porque envolve o parâmetro fático, bem justifica o extenso regramento que lhe foi dedicado no Código de Processo Civil:
Se o conhecimento dos fatos é pressuposto para a aplicação do direito e se, para o perfeito cumprimento dos escopos da jurisdição, é necessária a correta incidência do direito aos fatos ocorridos, tem-se como lógica a atenção redobrada que merece a análise fática no processo.472
Em termos conceptualísticos, na acepção mais usual473, a ideia de prova remete a todos os meios legítimos de que as partes podem lançar mão a fim de demonstrar a veracidade das alegações que deduziram em juízo. Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco, dissertando sobre a Teoria Geral da Prova, menciona que, na dinâmica do processo e dos procedimentos, a prova é um "[...] conjunto de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade quanto aos fatos relevantes para o julgamento".474
No mesmo compasso, Francisco Antônio de Oliveira, também tratando do conceito de prova, esclarece:
Do ponto de vista processual, poder-se-ia dizer que a prova é o meio pelo qual a parte procura obter a confirmação dos fatos sobre os quais sustenta a existência de um direito (autor) ou a inexistência desse mesmo direito (réu). Vale dizer: é o trabalho desenvolvido pelas partes, em sede jurisdicional, para convencer o julgador da existência ou da inexistência de um direito.475
Page 117
Francesco Carnelutti476 aprofunda essa reflexão, destacando o parâmetro de convencimento que envolve o tema probatório, quando disserta sobre seu sentido jurídico, asseverando que, na linguagem comum, o termo prova se utiliza no sentido de comprovação da verdade de uma proposição, pois:
[...] somente se fala de prova a propósito de alguma coisa que foi afirmada e cuja exatidão se trata de comprovar; não pertence à prova o procedimento mediante o qual se descobre uma verdade não afirmada senão, pelo contrário, aquele mediante o qual se demonstra ou se encontra uma verdade firmada.477
Ponderando que o conteúdo comum do conceito se encontra na antítese entre a operação aritmética e a prova da operação, conclui que:
Rigorosamente, pois, a prova deve diferenciar-se do procedimento utilizado para a verificação da proposição (afirmada); a distinção surge de maneira clara do exemplo da operação aritmética: a prova (do resultado) de uma operação se faz mediante outra operação, que é a operação de prova. Assim, a prova da afirmação acerca da existência de um fato, se faz mediante o conhecimento de um mesmo fato; o conhecimento não é prova, porém dá a prova da afirmação. Nesse sentido, é justo reconhecer que objeto da prova não são os fatos senão as afirmações, as quais não se conhecem porém se comprovam, enquanto que aqueles não se comprovam, senão que se conhecem. Não obstante já na linguagem comum se produz uma transposição (translação) no significado do vocábulo, em virtude da qual, prova não designa tão somente a comprovação, senão do mesmo modo o procedimento ou a atividade usada para a comprovação; a prova já não é a demonstração da exatidão da operação aritmética obtida mediante outra operação, senão esta mesma operação; prova já não é a comprovação da verdade de uma afirmação mediante o conhecimento do fato afirmado, senão este mesmo conhecimento quando se obtém para a comprovação da afirmação. Opera-se assim uma alteração entre resultado e procedimento ou atividade, que responde em substância uma função intransitiva do vocábulo. Neste sentido, é justo dizer que objeto da prova são os fatos e não as afirmações: os fatos se provam, enquanto que se conhecem, para comprovar as afirmações.478
Nessa ordem de ideias, o objetivo da prova é dotar o juízo de elementos objetivos suficientes para declarar ou negar a pretensão deduzida, com razoável margem de certeza.479
Page 118
Em acréscimo, registre-se que, na fase cognitiva, as fontes de prova480 têm sua natural expressão no momento instrutório, oportunidade em que poderão se exteriorizar pelos meios regulares481. Aliás, nesse sentido é que se considera o aspecto subjetivo da prova, que diz respeito à produção probatória em si mesma, realizada pelas partes.482
Quanto ao julgamento, a prova será fatalmente valorada e, dentro do critério da livre apreciação e da persuasão racional, de forma que o julgador vai ponderar, em princípio, a quem cabe o ônus de provar, e como foi ele dirimido pela parte a quem incumbia, a...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO