O que protege os protetores dos direitos humanos

AutorCleide Regis Sousa Oliveira
Páginas301-319

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Apresentação

O objetivo deste estudo foi mostrar, resumidamente, como se articula a militância em prol da garantia do respeito aos Direitos Humanos no Brasil, a qual é exercida por aqueles que são conhecidos como defensores. Por meio de levantamento bibliográfico, procurou-se, com um breve histórico, mostrar de que forma a consciência sobre Direitos Humanos foi se desenvolvendo no país e como se formou toda uma estrutura que hoje existe a trabalho desta causa. E, então, procurou-se descrever qual é o perfil das pessoas que se doam em favor de outras com o intuito de fazer valer seus direitos. Como esta atividade é bastante arriscada, foi feito um apontamento sobre os riscos e a violência que sofrem esses defensores, bem como o que existe em termos de programa de proteção aos mesmos. Por fim, foi feita uma resenha de uma obra editada pela Organização das Nações Unidas, cujo título é "Dez Faces na Luta pelos Direitos Humanos no Brasil", que cita o exemplo de dez defensores, cujos exemplos ilustram claramente todas as referências feitas anteriormente.

1 O conceito de direitos humanos

A definição de Direitos Humanos é complexa, e cabe inclusive dizer que não existe de fato um conceito único ou completo. De maneira simplista, pode-se entender Direitos Humanos como aqueles inerentes ao

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ser humano pelo simples fato dele existir. Dessa simplicidade parte toda uma discussão que aprofunda cada vez mais o conceito e torna impossível fechá-lo, pois não é suficiente entender que, para ser portador de direitos humanos, basta a condição de se ser humano. A esses direitos naturais vão sendo acrescidos outros que são adquiridos ao longo da vida, como os direitos civis, políticos, econômicos, culturais, dentre outros, os quais se inter-relacionam e ampliam o conceito.

É importante entender que não são concessões políticas os Direitos Humanos, embora muitos deles façam parte, inclusive, das Constituições federais. Porém, estarem elencados em leis, embora seja positivo pelo reforço à sua importância, ainda não é garantia de que sejam conhecidos, respeitados ou sequer garantidos. Esse conceito, do ponto de vista político, é muito bem colocado por João Baptista Herkenhoff quando ele diz:

Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.1De certa forma, quando se fala em conceitos como o de democracia, justiça, igualdade, liberdade, se percebe que estão intimamente correlacionados aos Direitos Humanos, pois para que estes direitos existam de fato numa sociedade, todos esses conceitos devem ser respeitados, independentemente do sistema social ou das condições econômicas da mesma. Em resumo, pode-se dizer que os direitos humanos são aqueles não somente primordiais para que um ser humano exista, mas para que ele possa se desenvolver dignamente e se sentir parte da sociedade onde vive. Dentre esses direitos temos: a moradia, a alimentação, a educação, a segurança pública, a saúde, o próprio direito à vida, dentre outros.

Embora não exista um conceito único para Direitos Humanos, existe, desde 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como uma norma comum a ser seguida por todas as nações, de forma a garantir proteção a esses direitos a todos os povos. Essa Declaração foi escrita num momento pós Segunda Guerra Mundial e ainda sob as lembranças, por exemplo, da barbárie do holocausto. Principalmente as atrocidades

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cometidas pela Alemanha Nazista levaram a comunidade mundial a se preocupar em definir melhor os direitos individuais para que pudessem ser garantidos os direitos humanos. Antes da elaboração desta Declaração, uma série de tratados internacionais e de outros instrumentos ligados à preservação dos direitos humanos foram produzidos, fazendo com o que o conceito se expandisse. Um desses instrumentos foi a Carta das Nações Unidas ou Carta de São Francisco, que consistiu num acordo produzido pela Organização das Nações Unidas - ONU, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. O Brasil foi membro do acordo e promulgou o texto da Carta por meio do Decreto n. 19.841 de 1945. Em seu preâmbulo, a Carta sintetiza o sentimento e a preocupação que viria nortear todas as ações que culminaram com a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Carta assim se inicia:

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.2

Desde a sua elaboração a Declaração Universal dos Direitos Humanos já foi traduzida para mais de 400 idiomas, o que a torna o texto mais traduzido em todo o mundo, segundo consta no Guinness Book of World Records. A Declaração tem caráter universal por que não tem como signatários os Estados, mas todas as pessoas de todos os Estados, independentemente se estes foram signatários da mesma. Esse documento é de fundamental importância, pois, embora não obrigue juridicamente que todos os Estados o respeitem, ele serve de inspiração à luta de quem visa promover o respeito a esses direitos, pois infelizmente, muito do que está escrito na Declaração ainda existe somente no campo da teoria.

2 Os direitos humanos no Brasil

Muitos autores explicam a evolução dos direitos humanos no Brasil analisando as Constituições Federais que estiveram vigentes no país, começando em 1824. Os progressos e retrocessos ao longo dos anos ficaram

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de fato marcados nessas Constituições. Há de considerar, por exemplo, que o país viveu 21 anos de ditadura militar, período em que ocorreram graves afrontas aos direitos humanos, ignorando-se as garantias descritas na Carta Magna. Com o fim da ditadura militar, pôde-se então elaborar, vigente até hoje, aquela que ficou conhecida como a Constituição Cidadã. Nela, a existência dos direitos humanos foi trazida de volta à população brasileira, pelo menos formalmente. A respeito disso, Flávia Piovesan disse:

A ordem constitucional de 1988 apresenta um duplo valor simbólico: ela é o marco jurídico da transição democrática, bem como da institucionalização dos Direitos Humanos no país. A Carta de 1988 representa a ruptura jurídica com o regime militar autoritário que perpetuou no Brasil de 1964 a 1985.3

De fato, denominar a Constituição de 1988 de Cidadã não é nenhum exagero. Em todo o corpo constitucional percebe-se a preocupação dos constituintes em reconhecer os indivíduos como detentores de direitos, independente de quem sejam, respeitando suas individualidades, suas diferenças e priorizando a liberdade. É lamentável somente que, após quase trinta anos, muito do que consta na Constituição ainda não é respeitado e, principalmente, que uma parcela significativa da sociedade não conhece, de fato, os seus direitos e, muito menos, sabe como lutar por eles. Mas, diante desse quadro, ou talvez por causa dele, também não se pode deixar de reconhecer que, com o passar do tempo, mais e mais defensores dos direitos humanos foram surgindo no Brasil.

Em 2009, a revista Desafios do Desenvolvimento, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, em sua edição 49, trouxe um artigo de Márcio Falcão4, intitulado "Direitos Humanos, 60 anos depois", em que o autor traz um breve histórico do que ocorreu no Brasil, especialmente após a redemocratização do país. Segundo este autor, após a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos e diante do desinteresse e até mesmo de resistências em relação à mesma, em 1993, ocorreu a Conferência Mundial dos Direitos Humanos em Viena, a partir da qual houve a formação de blocos regionais de países em defesa dos direitos humanos, e o Brasil se juntou a essa causa. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1996, surgiu o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, com mais de 500 metas, voltadas, especialmente, aos

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direitos civis e políticos, e, em 1997, foi instituída a Secretaria Nacional de Direitos Humanos - SNDH, vinculada ao Ministério da Justiça, e as primeiras políticas foram tomando forma. Em seu governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu status de ministério a esta secretaria, sendo as ações rediscutidas e ampliadas, e foi criado o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.

Os grupos de pessoas que se dedicam à defesa de direitos humanos foram surgindo em todo o país. A imensidão territorial, de certa forma, se colocou como um obstáculo ao trabalho desses grupos, e para evitar que as pessoas se dispersassem e esses grupos acabassem se extinguindo, em 2005 foi instituído o Fundo Brasil de Direitos Humanos. Esse fundo não foi criado pelo governo, e sim por defensores dos direitos humanos, por ativistas que vinham desenvolvendo projetos em diferentes frentes e que enxergaram a necessidade de unir forças. Trata-se...

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