Proteção à saúde e segurança no trabalho: acumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade
Autor | Gustavo Filipe Barbosa Garcia |
Páginas | 148-156 |
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Gustavo Filipe Barbosa Garcia1
O presente artigo tem como objetivo o estudo da proteção à saúde e segurança no trabalho, sob o enfoque do meio ambiente do trabalho e dos direitos sociais no âmbito da evolução dos direitos fundamentais.
Nesse contexto, propõe-se analisar os adicionais de periculosidade e de insalubridade, mais especificamente a controvérsia relativa à possibilidade de sua cumulação em favor de empregado que labore em condições tanto perigosas como insalubres.
O exame da matéria é feito por meio de pesquisa legislativa, doutrinária e jurisprudencial, notadamente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, visando a se alcançar a conclusão mais adequada a respeito da referida questão.
Os direitos fundamentais podem ser entendidos como prerrogativas essenciais à garantia da dignidade da pessoa humana.
Historicamente, podem ser mencionados, com certa generalização e enfoque didático, três momentos de conscientização dos direitos humanos2. Nesse sentido, é possível distinguir-se três “dimensões” de direitos fundamentais3, conforme teoria lançada por Karel Vazak, “em Conferência proferida no Instituto Internacional de Direitos Humanos no ano de 1979”4.
A primeira dimensão corresponde à consagração dos chamados direitos individuais, civis e políticos5.
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Assim, nas Declarações de Direito do século XVIII, ganham destaque os direitos de liberdade, no sentido de que o Estado deve abster-se de interferir na conduta dos indivíduos.
A segunda dimensão corresponde aos direitos econômicos, sociais e culturais, envolvendo uma prestação positiva do Estado6, como o direito ao trabalho, à educação, à saúde, direitos trabalhistas e previdenciários, enfatizados no início do século XX7.
Objetiva-se corrigir as desigualdades sociais e econômicas, procurando solucionar os graves problemas da chamada questão social, surgida com a Revolução Industrial. O Estado, com isso, passa a intervir no domínio econômico-social8.
A terceira dimensão abrange os direitos de solidariedade, pertinentes ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade, à autodeterminação dos povos, à paz, à comunicação e à preservação do meio ambiente9.
Cabe registrar que parte da doutrina faz menção a uma quarta dimensão, referente aos direitos ligados à biogenética e ao patrimônio genético10, ou à participação democrática, à informação e ao pluralismo11.
O fundamento dos direitos em questão relaciona-se com o valor jurídico supremo da dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
Como se pode notar, o meio ambiente pode ser incluído entre os direitos fundamentais de terceira dimensão.
Ao mesmo tempo, importantes direitos trabalhistas, diretamente relacionados à segurança e medicina do trabalho, como os adicionais de insalubridade e de periculosidade, fazem parte dos direitos sociais, os quais também figuram como direitos fundamentais, normalmente conhecidos como de segunda dimensão ou “família”12.
Há, portanto, nítida interdependência entre o meio ambiente do trabalho, os direitos sociais e os direitos fundamentais13.
Nesse tema, cabe destacar, ainda, o mandamento constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, inciso XXII, da Constituição da República).
Observa-se, assim, a existência de um sistema jurídico de tutela do meio ambiente do trabalho, reconhecido pela Constituição da República, em seu art. 200, inciso VIII, e que integra o meio ambiente em sentido global (art. 225 da Constituição da República), fazendo parte do rol dos direitos fundamentais (art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988)14.
A proteção ao meio ambiente é questão de relevância crescente, tendo em vista que a sociedade atual, apesar dos avanços e desenvolvimentos alcançados, muitas vezes acaba por acarretar a degradação das condições ambientais15.
Justamente em razão disso, a Constituição Federal de 1988, no art. 225, assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, impondo ao Poder Público e à coletividade “o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
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O meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais, possibilitando o desenvolvimento equilibrado da vida16.
A Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. De acordo com o seu art. 3º, inciso I, entende-se por meio ambiente “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
O Direito Ambiental, assim, estabelece as normas jurídicas que disciplinam a conduta humana em relação ao meio ambiente, com o fim de preservá-lo e protegê-lo.
O meio ambiente pode ser classificado nas seguintes espécies17: meio ambiente natural ou físico, o qual é constituído pelo solo, água, ar atmosférico, flora e fauna; meio ambiente cultural, relativo aos valores históricos, ou seja, os patrimônios histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico existentes em determinado país; meio ambiente artificial, entendido como o espaço urbano construído pelo ser humano, englobando o conjunto de edificações e espaços urbanos públicos; meio ambiente do trabalho, isto é, o local de realização da atividade laboral, a ser compreendido em sentido amplo, abrangendo as condições de trabalho, a sua organização e as relações intersubjetivas ali presentes18.
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (art. 225, § 3º, da Constituição Federal de 1988).
Nesse sentido, adotando a responsabilidade objetiva em matéria de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, de acordo com o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981, o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Quanto ao meio ambiente cultural, de acordo com o art. 216 da Constituição Federal de 1988, constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
O meio ambiente artificial, por sua vez, incide na disciplina da propriedade urbana e rural19.
Cabe reiterar que o meio ambiente do trabalho é garantido constitucionalmente, conforme art. 200, inciso VIII, da Constituição da República, destacando-se, ainda, o art. 7º, incisos XXII e XXIII, os quais preveem os direitos à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, bem como de adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.
O meio ambiente como um todo está inserido no âmbito dos direitos humanos e fundamentais20, apresentando-se como direito difuso ou coletivo, a ser tutelado por meio da ação civil pública21.
Desse modo, o art. 129, inciso III, da Constituição Federal de 1988, estabelece ser função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
A Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, disciplina a ação civil pública, indicando os entes legitimados para o seu ajuizamento (art. 5º).
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Destaca-se, ainda, o cabimento da ação popular também com o objetivo de defesa do meio ambiente, conforme prevê o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal de 1988, no sentido de que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (destaquei).
O meio ambiente, assim, por ser bem jurídico essencial à vida humana, é disciplinado por diversos ramos do Direito, estando presente nas esferas constitucional, administrativa, penal, civil, do trabalho e processual.
Sabendo-se que o meio ambiente do trabalho pertence ao meio ambiente como um todo, cabe fazer referência aos princípios ambientais, ou seja, pertinentes ao Direito Ambiental, como a seguir indicados22.
Os princípios da precaução e da prevenção determinam que devem ser evitados quaisquer perigos de dano ou riscos de prejuízo ao meio ambiente.
Conforme o princípio 15 da Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, aprovada pela Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, tendo-se reunido no Rio de Janeiro, de 3 a 21 de junho de 1992:
De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
Como se pode notar, enquanto o princípio da prevenção está voltado a...
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