Proteção penal contra violações aos direitos humanos

AutorMarlon Alberto Weichert
Páginas609-651
In: MEYER, Emílio Peluso Neder; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Justiça
de transição nos 25 anos da Constituição de 1988. 2ª ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2014. ISBN
978-85-64912-50-2.
Proteção penal contra violações
aos direitos humanos!
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! Este artigo se originou da conferência "Visão Crítica dos Óbices à
Promoção da Justiça no Brasil", proferida no Seminário "Justiça de
Transição: análises comparadas Brasil Alemanha (“Transitional
Justice": Vergleichende Einblicke in Transitionsprozesse aus Brasilien
und Deutschland"), na Universidade Goethe, em Frankfurt, Alemanha,
no dia 17/7/2012, realizado sob os auspícios da Comissão de Anistia
do Ministério da Justiça do Brasil e da Universidade Goethe de
Frankfurt. O texto não é reprodução exata do apresentado na
conferência, pois alguns argumentos foram aprofun dados neste artigo.
Foram aproveitados elementos de trabalhos anteriores do autor,
sobretudo Suprema impunidade no julgamento da ADP F 153. In
SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais
no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, p. 955-979, e A Obrigação constitucional de punir graves
violações aos direitos hum anos. In: Direito à verdade e à justiça.
SOARES, Inês Virgínia Prado; PIOVESAN, Flávia (coord.), Editora
Fórum, prelo.
Procurador Regional da República. Mestre em Direito do Estado pela
PUC/SP. Perito em justiça de transição indicado pela Comissão
Interamericana de D ireitos Huma nos da OEA. Funcionou como
testemunha no processo Gomes L und, na Corte Interamericana de
Direitos Humanos. Coordenador do Grupo de Trabalho em Memória e
Verdade da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Autor de
diversos artigos sobre justiça de transição e coautor de iniciativas civis
e criminais de responsabilização de perpetradores d e violações aos
direitos humanos durante a ditadura militar brasileira, bem como de
promoção da verdade em relação a esse período autoritário.
Marlon Alberto Weichert
!
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1. Introdução
Este artigo tem por objeto imediato a análise dos
dois principais óbices invocados por parte do Poder
Judiciário brasileiro para negar a promoção da justiça
criminal em relação às graves violações de direitos
humanos ocorridas no Brasil durante a ditadura militar
brasileira: a existência de uma lei de anistia e o trans-
curso do prazo da prescrição. Porém, os fundamentos
utilizados contribuem para uma reflexão mais ampla
sobre o papel do direito penal como instrumento de
garantia de direitos humanos, assim como os limites da
atividade legislativa quando produtora de normas de
impunidade.
Trabalharei o tema à luz de princípios do direito
constitucional democrático e também do direito inter-
nacional dos direitos humanos. Antes, porém, farei um
breve resumo do desenvolvimento da transição no Bra-
sil, para contextualizar aspectos fáticos e jurídicos da
edição da Lei de Anistia.
2. A transição política
A ditadura militar brasileira teve início em 1964,
no contexto da guerra fria. O País tinha um governo
democrático que desenvolvia algumas políticas sociais,
as quais foram consideradas por segmentos conser-
vadores como de influência socialista.
Juridicamente, o País era regido pela Constitui-
ção democrática de 1946, promulgada por uma Assem-
bleia Nacional Constituinte convocada com o fim da
ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945).
O golpe militar de 1º de abril de 1964 manteve a
vigência (meramente formal) da Constituição de 1946.
Para fundamentar a quebra dos preceitos constitucio-
nais foram editados Atos Institucionais e Atos Com-
plementares, outorgados pelo Poder Executivo, ou seja,
decretos presidenciais aos quais os militares atribuíram
Proteção penal contra violações aos direitos humanos
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força constitucional. Em 1967, com a edição do quarto
Ato Institucional, o Congresso Nacional foi convocado
para votar e promulgar um novo projeto de Constitui-
ção, ou seja, formalmente referendar o texto outorgado
pelo governo. E, com efeito, nesse ano se formalizou a
Constituição autoritária, ditada pelo regime militar,
que revogou o texto de 1946.
Não obstante a outorga de uma Constituição au-
toritária, o governo manteve a edição paralela de Atos
Institucionais e Complementares, os quais inclusive
eram usados para alterar a carta "constitucional" por
ele mesmo imposta.#
No plano da repressão, desde os primeiros dias
do golpe houve prisões em larga escala e atos de re-
pressão. Todavia, foi a partir de 1968 que a perseguição
sistemática e generalizada ganhou força e passou a ser
extremamente violenta. Nesse ano o governo editou o
Ato Institucional nº 5, com o qual restringiu ainda mais
os direitos e as garantias fundamentais, inclusive abo-
lindo o habeas corpus nos casos de crimes políticos e
contra a segurança nacional. Em 1969, com o Ato Insti-
tucional nº 14, foi instituída a pena de morte, a prisão
perpétua e o banimento nos casos de guerra externa
psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva.
Ainda em 1969, com o Congresso em recesso, foi
decretada a Emenda Constitucional nº 1, que alterou
substancialmente a Carta outorgada em 1967 e consoli-
dou a previsão das penas de morte, prisão perpétua e
banimento introduzidas no AI-14.
Estes atos deram o sinal verde para a instituição
do terrorismo de Estado e a perpetração em larga esca-
la da violação aos direitos humanos, tais como prisões
arbitrárias, torturas, execuções sumárias, desapareci-
mento forçado de pessoas e violências sexuais. Os or-
ganismos policiais e militares responsáveis pela segu-
# No total, foram 17 atos institucionais e 104 atos complementares.

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