A proteção jurídica conferida aos adicionais para as atividades insalubres e perigosas como direitos acumuláveis

AutorEly Talyuli Júnior
Páginas44-90

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A tendência contemporânea juslaboral é a de imprimir maior valorização ao meio ambiente de trabalho e também à pessoa humana do trabalhador prestigiando os direitos sociais e humanos e aquilatando aspectos do meio laboral que visam a melhoria social dos trabalhadores. Este é o papel, aliás, fortemente desempenhado pelo Direito do Trabalho na busca e concretização dos direitos fundamentais do trabalhador, e como indispensável mecanismo de desenvolvimento económico e de inclusão social145. Por tal razão, sendo a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade a matéria central desta análise, para compreendê-la melhor, selecionaram-se os principais pontos peculiares como acepções de termos, identificação das normas de proteção interconectadas e uma cuidadosa investigação do atual cenário doutrinário e jurisprudencial sobre a polêmica engendrada pelo tema da cumulação dos adicionais.

2. 1 Adicionais de remuneração

Os adicionais de insalubridade e de periculosidade correspondem a parcelas contraprestativas suplementares ao salário em virtude do exercício do trabalho em circunstâncias tipificadas como mais gravosas à saúde e/ou segurança de quem as exerce. Trata-se, assim, de um plus salarial pago em virtude do desconforto, desgaste ou risco suportado pelo trabalhador.146

Vê-se, claramente, que a própria essência do adicional revela naturalmente que ele é devido pelo tipo de atividade crítica e delicada executada pelo trabalhador. Para Amauri Mascaro do Nascimento, é um acréscimo salarial que tem como causa o trabalho em condições mais gravosas para quem o presta.147

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Se bem observado, salvo os adicionais de insalubridade e de periculosidade, todos os outros adicionais legais (por horas extras, serviços noturnos e transferência de local do serviço) são compulsórios e acumuláveis pelo em-pregado148. No entanto, apenas os adicionais de remuneração para atividades penosas, insalubres e perigosas serão melhor investigados.

2.1. 1 Adicional de insalubridade

Adicional de insalubridade é um direito social do trabalhador que visa compensar o trabalho realizado em condições sujeitas a agressões de agentes físicos, químicos ou biológicos nocivos à saúde do empregado149. Para ele existir, duas condições devem se configurar: intensidade do agente e tempo de exposição150.

O trabalho insalubre é aquele exposto a agentes que podem afetar ou causar danos à saúde, provocando doenças. Muitas enfermidades estão direta-mente relacionadas e outras são resultados de desencadeamento, antecipação ou agravamento pela atividade, ou condições em que o serviço é prestado151. É o que ocorre, por exemplo, com a insalubridade em locais com agentes biológicos como hospitais e clínicas médicas, em que pode haver contato com doenças infectocontagiosas.

A insalubridade é regulada pelos artigos 189 a 192 da CLT, mas as atividades e operações insalubres são previstas na Norma Regulamentadora (NR) n. 15, da Portaria 3.214/1978, do Ministério do Trabalho, a qual descreve os agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde do empregado, bem como os respectivos limites de tolerância.152

Fazer jus a esse direito implica dizer que o empregado deve receber uma compensação de ordem pecuniária, calculada sobre o valor do salário-mínimo, salvo norma coletiva dispondo em contrário, em percentuais de 10% (dez por cento), 20% (vinte por cento) ou 40% (quarenta por cento), caso a insalubridade seja classificada em graus mínimo, médio ou máximo.153

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2.1. 2 Adicional de periculosidade

O adicional de periculosidade é devido ao empregado que presta serviços que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente a inflamáveis, explosivos ou energia elétrica e, ainda, roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial ou, por fim, quando executá-las mediante o uso de motocicleta.154

O ambiente de trabalho pode conter agentes que atuem instantaneamente, com danos imediatos e possibilidade concreta de acidentes, os quais são denominados de perigosos.

A criação do adicional para o trabalho perigoso, no Brasil, surgiu com a Lei n. 2.573155, de 15 de agosto de 1955. Nela se concedeu o direito a um adicional de 30% sobre os salários aos trabalhadores que estivessem em contato permanente com inflamáveis decorrentes do transporte, da carga e descarga de inflamáveis, do reabastecimento de aviões ou de caminhões-tanques e de postos de serviço, enchimento de latas e tambores, dos serviços de manutenção e operação em que o trabalhador se encontre em contato com inflamáveis, em recintos onde estes são armazenados e manipulados ou em veículos em que são transportados. Esta mesma legislação incluiu, ineditamente, no artigo 5a156, a opção pelo pagamento do adicional de insalubridade que porventura fosse devido ao trabalhador.

Posteriormente, a Lei n. 6.514157, de 22 de dezembro de 1977, que adicionou o Capítulo V ("Da segurança e da medicina do trabalho") à CLT, revogou a Lei n. 2.573/1955, mas manteve intacto, no artigo 193, § 2º158, a diretriz para o empregado optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.

A periculosidade é definida, ainda, pelos artigos 193 a 196 da CLT e está associada ao fator "fatalidade", ou seja, a submissão do empregado a risco de morte. O empregado que laborar em tais condições perigosas tem direito a receber um acréscimo de 30% (trinta por cento) de seu salário contratual, salvo

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norma coletiva dispondo em contrário. As atividades e operações perigosas são previstas na Norma Regulamentadora (NR) n. 16, da Portaria 3.214/1978, do Ministério do Trabalho159.

2.1. 3 Adicional de penosidade

Embora o adicional de penosidade seja um terceiro adicional de remuneração também previsto como direito social (CRFB, artigo 7º, XXIII160), este não será objeto de penetrado estudo por falta de regulamentação via lei complementar e porque a recente discussão sobre a cumulação está circunscrita às condições fáti-cas e jurídicas concernentes aos outros dois adicionais.

O entendimento majoritário a respeito deste adicional de remuneração, conforme Carlos Henrique Bezerra Leite, é a de que tal norma possui eficácia limitada e ainda não pode ser aplicado nos casos concretos pela Justiça do Trabalho, salvo em caso de regulamentação via negociação coletiva.161

É conveniente apontar os seguintes julgados, a título informativo, porque recentemente proferidos pelo Tribunal Superior do Trabalho no sentido de sustentarem a não receptividade do artigo 193, § 2º, da CLT, pela Constituição Federal e a força da ratificação da Convenção n. 155, da OIT, pelo Estado brasileiro em situações envolvendo a cumulação de adicional de penosidade, instituído por norma regulamentar, com outro adicional de remuneração:

ADICIONAL DE PENOSIDADE INSTITUÍDO POR NORMA REGULAMENTAR. CUMULAÇÃO COM O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. POSSIBILIDADE. A Corte regional entendeu que, na hipótese em análise, embora a reclamante tenha optado pelo percebimen-to apenas do adicional de penosidade, considerou "nula a opção em tela, pois a sua disponibilização, em tais termos, pela empregadora, importou em ato destinado a impedir a aplicação dos preceitos trabalhistas, a teor do que dispõe o artigo 9º da CLT", além de que "a escolha procedida pela reclamante acabou por representar verdadeiro prejuízo financeiro à trabalhadora". No que diz respeito à possibilidade jurídica de cumulação dos adicionais de insalubridade e penosidade, a decisão recorrida foi fundada no "entendimento de que o art. 193, § 2º, da CLT não foi recepcionado pela Constituição Federal, bem como em razão da ratificação pelo Estado brasileiro da Convenção 155 da OIT, a qual, dentre outras obrigações, estabelece a de ' exigir-se dos empregadores que, na medida em que seja razoável e factível, garantam que os lugares de trabalho (...) que estejam sob seu controle são seguros e não envolvem risco algum para a segurança e a saúde dos trabalhadores'". Inicialmente, quanto a validade, ou não, da opção firmada pela reclamante relativa ao percebimento apenas do adicional de penosidade, destaca-se que, embora, na situação em análise, conste, da decisão recorrida, a ausência de "qualquer alegação, quiçá prova,

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de vício de consentimento na declaração citada", esta mostra-se no todo inválida. Isso porque, na forma do artigo 444 da CLT, invocado pela reclamada como violado, a livre estipulação das contratações realizadas pelas partes integrantes do pacto laboral somente são válidas desde que não "contravenha às disposições de proteção ao trabalho". Na situação em apreço, verifica-se que não houve efetiva opção realizada pela reclamante,...

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