A proteção judicial aos investidores no mercado de valores mobiliários

AutorWilges Bruscato
Páginas35-52

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Introdução

O mercado de valores mobiliários, além de se constituir em importante ativi-dade económica para seus participantes di-retos, tem representado, ainda, uma espécie de sinalizador das economias nacionais.

Por isso, a proteção aos investidores no mercado mobiliário é medida que transcende o interesse direto e imediato dos investidores, agentes de mercado e empresas envolvidas na atuação em bolsa e mercado de balcão, para compor um instrumento de resguardo à economia nacional e, conse-qúentemente, atender interesses sociais.

Embora o mercado mobiliário no Brasil tenha, ainda, muito a evoluir, a adoção da ação civil pública para defesa dos interesses dos investidores não é medida precipitada, e, sim, vem somar-se aos esforços que os envolvidos nas transações mobiliárias têm feito para fortalecê-lo.

O estudo do tema se mostra atual e relevante, não só do ponto de vista académico, quanto prático, já que é de bastante utilidade para os implicados na atividade de investimento mobiliário, que necessitam de instrumentos efetivos de proteção, con-to forma de robustecer a credibilidade no mercado.

O presente trabalho visa apresentar e tecer ponderações a respeito da utilização da ação civil pública como meio de proteção aos investidores no mercado mobiliário, tendo como origens o direito comercial e processual civil, imbricando-se ambos na Lei 7.913/1989.

Para enfrentar a questão central - a ação civil pública se mostra eficiente na proteção de investidores no mercado mobiliário? - será necessário investigar algumas questões secundárias, como os conceitos de mercado de valores mobiliários e investidor, os atos ou omissões que configuram conduta lesiva aos investidores, a especificação da responsabilidade do agente causador do dano, o conceito de ação civil pública, seu objeto na defesa dos investidores, a legitimidade e competência para a propositura da ação e o alcance da decisão nela proferida.

1. Mercado mobiliário e investidor

A companhia ou sociedade anónima é o tipo societário empresarial em que o ca-

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pital é dividido em ações, representadas por títulos, possuindo modo de constituição próprio, cuja responsabilidade dos sócios limita-se ao preço de emissão das ações adquiridas, tendo seu funcionamento condicionado a normas legais e estatutárias. É regulada pela Lei 6.404/1976, atualizada pelas Leis 9.457/1997 e 10.303/2001.

A sociedade anónima pode adotar a forma aberta (open Corporation, publicy-held) ou fechada (close Corporation, private company), devido a sua característica da livre cessibilidade de ações ou não.

Normalmente, a utilização da sociedade anónima é caracterizada por abrigar grandes empreendimentos. Outra característica das companhias (principalmente as abertas) é que, por seu modo de atuação e pela maneira como se dá o investimento de cada sócio, ela contribui para uma distribuição de sua renda, já que, em geral, seus papéis são negociados em bolsa, não importando a pessoa dos sócios (impessoalidade é outra característica das sociedades anónimas abertas - suas ações são livremente transferíveis), democratizando, assim, a participação societária.

Graças a esta característica, formou-se um mercado de ações, que está direta-mente ligado aos resultados obtidos pela empresa em suas atividades, entre outros fatores. É o chamado mercado de capitais ou mobiliário. Desse modo, se a empresa obtém bons resultados na exploração de seus negócios, suas ações passam a ter maior valor de mercado e o contrário também é verdadeiro, embora este não seja o único fator que interfere na oscilação do preço das ações.

A companhia aberta é aquela que negocia, ou está estatutariamente autorizada a negociar, suas ações no mercado de capitais (bolsa de valores ou mercado de balcão), rateando, assim, seu capital com público. Para tanto, a empresa deve registrar-se na CVM (Comissão de Valores Mobiliários - Lei 6.385/1976), bem como está obrigada a efetuar o registro da emissão pública de ações. A companhia aberta tem sempre caráter institucional genuíno, vinculada à fiscalização e vigilância do Poder Público, já que atinge ou tem possibilidade de atingir uma indistinta massa da população, reclamando a preservação do interesse coletivo.

A companhia aberta se constitui por subscrição pública (sucessiva) que depende de prévio registro na CVM e somente pode ser efetuada com a Íntermediação de instituição financeira.

As bolsas de valores são instituições, públicas em alguns países e privadas em outros, destinadas a operar em fundos públicos, ações e obrigações de companhias e outros títulos de crédito, onde somente os corretores oficiais podem transacionar, sendo um local onde se reúnem os operadores de tais corretores ou sociedades corretoras para essas operações. Por seu histórico, ainda hoje são, frequentemente, associadas à especulação.

No Brasil, é uma associação civil sem fins lucrativos constituída por sociedades corretoras, operando no mercado secundário de capitais. Embora algumas de suas atividades sejam exercidas como funções delegadas da Administração Pública, certamente não o são as operações de compra e venda de valores mobiliários. A bolsa de valores tem poder de auto-regulação, atuan-do como órgão auxiliar da CVM, fiscalizando os respectivos membros e as operações nelas realizadas, estabelecendo requisitos próprios para que os valores sejam admitidos à negociação no seu recinto ou sistema, mediante prévia aprovação da CVM. Fábio Konder Comparato, a respeito do poder de regulação da bolsa menciona que "a fiscalização das operações realizadas dentro da bolsa já apresenta características de autêntico poder administrativo de polícia".1

A supervisão e o controle do mercado de capitais é função da CVM, autarquia fe-

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deral, ligada ao Ministério da Fazenda, com jurisdição em todo o território nacional, que também fiscaliza a observância das diretri-zes do Conselho Monetário Nacional, do qual é membro. De acordo com a lei que a criou, a CVM exercerá suas funções, a fim de assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão; proteger os titulares de valores mobiliários contra emissões irregulares e atos ilegais de administradores e acionistas controladores de companhias ou de administradores de carteira de valores mobiliários; evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários negociados no mercado; assegurar o acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido; assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários; estimular a formação de poupança e sua aplicação em valores mobiliários; promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social das companhias abertas.

Para atingir tais finalidades, cabe-lhe disciplinar o registro de companhias abertas; o registro de distribuições de valores mobiliários; o credenciamento de auditores independentes e administradores de carteiras de valores mobiliários; a organização, o funcionamento e as operações das bolsas de valores; a negociação e a interme-diação no mercado de valores mobiliários; a administração de carteiras e a custódia de valores mobiliários; a suspensão ou o cancelamento de registros, credenciamentos ou autorizações; a suspensão de emissão, distribuição ou negociação de determinado valor mobiliário ou decretar recesso de bolsa de valores.

A CVM tem poderes para disciplinar, normalizar e fiscalizar a atuação dos diversos integrantes do mercado, abrangendo toda matéria referente ao mercado de valores mobiliários.

O sistema de registro da CVM é um banco padronizado de informações (financeiras ou de fatos relevantes da vida da empresa) para os investidores. Para mantê-lo atualizado, todas as companhias abertas devem fornecer informações periodicamente à Comissão. Fato relevante é todo aquele que possa influir na decisão do investidor, quanto a negociar com valores emitidos pela companhia.

A lei atribui, ainda, à CVM competência para apurar, julgar e punir irregula-ridades eventualmente cometidas no mercado, o que pode iniciar um inquérito administrativo, com o objetivo de identificar os responsáveis por práticas ilegais. Os investigados têm direito de defesa. O cole-giado do órgão tem poderes para julgar e punir os infratores. As penalidades vão desde a simples advertência até a Ínabilitação para o exercício de atividades no mercado, além de multas pecuniárias, cabendo recurso para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

A CVM também pode firmar com o acusado um termo de compromisso, no qual este se obriga a cessar a prática de atividades ou atos considerados ilícitos e a corrigir as irregularidades apontadas, indenizando os prejuízos, o que suspende o inquérito.

A par das funções fiscalizadora e repressora, a CVM mantém uma estrutura destinada a prestar orientação aos investidores.

Pelos poderes legais que possui, a CVM procura implantar uma política de atuação baseada na indução de comportamento, na auto-regulação e na autodis-ciplina, intervindo efetivamente nas atividades de mercado, apenas quando este tipo de procedimento não se mostrar eficaz.

Assim, o mercado mobiliário consiste no mercado de aplicação de recursos financeiros por investidores privados ou institucionais, especialmente de longo prazo, em ações e títulos de crédito privados...

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