Proteção Internacional aos Direitos Humanos dos Trabalhadores: a Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1988

AutorRúbia Zanotelli de Alvarenga
Páginas251-265

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1. Introdução

O objeto do presente artigo consiste no estudo sobre a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do papel da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1988.

Será possível ver que a OIT revela-se como um marco notável na generalização do processo de afirmação dos direitos humanos sociais do trabalhador no mundo capitalista.

Por meio da Declaração Internacional de 1988, os Princípios Fundamentais do Trabalho passam a ser objeto de oito Convenções Internacionais, que foram reconhecidas como fundamentais por tornarem efetivos os princípios e os direitos mínimos reconhecidos como tal para o trabalhador. Nesta Declaração, a comunidade internacional admite e assume a obrigação de respeitar e de aplicar as Convenções da OIT que versam sobre os Direitos Humanos do trabalhador, quais sejam: a) Convenções ns. 87 e 98 - sobre a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo da negociação coletiva; b) Convenções ns. 29 e 105 - sobre a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; c) Convenções ns. 138 e 182 - sobre a abolição efetiva do trabalho infantil; d) Convenções 100 e 111 - sobre a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

O artigo ora apresentado tem como escopo demons-trar o propósito da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1988, deixando evidente e irrefutável o seu papel como verdadeiro e efetivo instrumento para se assegurar a garantia dos direitos humanos dos trabalhadores, haja vista ser questão de caráter atual e de substantiva relevância para o Direito Internacional do Trabalho.

2. A criação da organização internacional do trabalho - OIT

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada pela Conferência da Paz em Versalhes em junho de 1919. Constituída pelos países vitoriosos, logo após a Primeira Guerra Mundial, teve como objetivos promover a justiça social e, em particular, respeitar os direitos humanos no mundo do trabalho. Desde a sua criação, a OIT está assente no princípio inscrito na sua Constituição de que não pode haver paz universal duradoura sem justiça social.

Como informa Carlos Roberto Husek (2015), os países vencedores da Primeira Guerra Mundial reuniram-se em Paris, em 1919, negociaram e assinaram o “Tratado de Versalhes”. Por isso, o referido Tratado, que resultou da Conferência da Paz, criou a sociedade das Nações para assegurar a paz e, entre várias decisões importantes, na sua Parte XIII, criou a Organização Inter-nacional do Trabalho (OIT).

O Tratado de Versalhes - nome pelo qual a Conferência ficou conhecida - dispôs, na Parte XIII, sobre a criação da OIT, sendo um documento internacional elaborado para promover a paz social e enunciar a melhoria das relações empregatícias por meio dos princípios que iriam reger a legislação internacional do trabalho. Por ter sido um dos países vitoriosos, o Brasil tomou parte como um de seus signatários.

Luciane Cardoso Barzotto (2007) salienta que a OIT foi o primeiro regime internacional disposto funcionalmente em matéria de direitos humanos. A ação da OIT foi considerada pioneira ao internacionalizar e ao universalizar os direitos humanos. Por isso, o sistema da OIT é o mais desenvolvido na proteção dos direitos humanos.

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Segundo Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2015):

A OIT era parte integrante da Sociedade das Nações. Poucos meses depois da constituição da ONU (maio de 1946), foi concluído o acordo entre a nova Organização Internacional e a OIT, pelo qual se reconheceu a OIT como uma agência especializada, competente para empreender a ação que considere apropriada, de conformidade com seu instrumento constitutivo básico, para o cumprimento dos propósitos nele expostos (art. 1º). (JORGE NETO; CAVALCANTE, 2015, p. 143).

Roseli Fernandes Scabin (2015, p. 3) argumenta que a OIT foi criada como “resultado dos esforços dos países integrantes da então existente Liga das Nações, no sentido de promover a paz mundial e de prevenir o mundo contra o surgimento de focos de potenciais conflitos através da humanização das condições de trabalho”.

Complementa a autora:

Os dirigentes dos países integrantes da Liga das Nações perceberam, desde então, os perigos decorrentes das más condições de vida que atingiam a maior parte da população. Em outras palavras, ficou claro, para o mundo inteiro, que o povo submetido a condições de vida desumanas, ou até mesmo subumanas, torna-se vulnerável à disseminação de ideologias nem sempre honestas em seus propósitos, e transforma-se em “massa de manobra” a serviço de interesses políticos e de governantes equivocados ou mal intencionados. (SCABIN, 2015, p. 3).

Neste aspecto, a OIT é uma entidade que visa a orientar as políticas legislativas para todos os Países--Membros, objetivando internacionalizar disposições sobre trabalho e seguridade social e outras correlatas, que ampliem o rol de tutela e de efetivação dos Direitos Humanos dos trabalhadores.

Na lição de Márcio Morena Pinto (2014), desde o momento de sua instituição, a OIT vem desempenhando relevante papel na internacionalização do Direito do Trabalho, fomentando a uniformização de preceitos trabalhistas fundamentais e a sua harmonização com a ordem interna dos países celebrantes de seus Tratados e de suas Convenções.

Luiz Eduardo Gunther (2012), ao traçar os motivos mais importantes para internacionalizar a proteção do trabalhador, assinala que a OIT constitui sua razão essencial de se internacionalizar, de forma eficaz e permanente, a proteção do trabalhador, estabelecendo-se um nível mínimo de benefícios que todos os países respeitem.

A criação da OIT baseou-se em argumentos humanitários e políticos que fundamentaram a formação da justiça social no âmbito internacional do trabalho. O argumento humanitário sustentou-se nas condições injustas e deploráveis de trabalho e de vida dos trabalhadores, a partir da Revolução Industrial, em virtude das mudanças no sistema de produção na Inglaterra no século XVIII.

A Revolução Industrial multiplicou a riqueza e o poderio econômico dos burgueses; todavia, em compensação, trouxe para a população operária o aprofundamento das desigualdades sociais, o aumento do desemprego e a alienação do trabalhador em relação aos meios de produção. Como o empresário capitalista tornou-se o detentor único dos meios de produção, agrupando em seu estabelecimento assalariados para operarem as máquinas (produção em série), dispensou-se a habilidade individual. Razão pela qual, a mecanização generalizou a divisão do trabalho e fragmentou a produção de cada artigo em etapas sucessivas, que exigem do trabalhador uma repetição de movimentos remetentes.

Neste contexto, assevera Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcante (2007):

A exigência cada vez menor com relação às habilidades individuais do trabalhador, a preponderância da grande máquina e o número cada vez maior de empregados povoando as grandes fábricas transformaram o trabalhador numa simples peça, sem maior importância e anônima, desconhecida; um objeto igual aos demais, carente de valor humano. (CAVALCANTE, 2007, p. 144).

Assim, em decorrência da intensa industrialização nos países europeus, surgiram as condições sociais e políticas para os movimentos sociais de reivindicações dos trabalhadores, ante o crescente estado de miséria e de sofrimento a que estavam submetidos. Em face da tomada de consciência de classe e da luta por melhores condições de vida, de trabalho, de saúde e de dignidade, os trabalhadores influenciaram a intervenção social do Estado para criar políticas de proteção à classe trabalhadora.

A OIT funda-se no princípio da paz universal e permanente como instrumento de concretização e de universalização dos ideais da justiça social e da proteção do trabalhador no mundo internacional do trabalho. Como a Organização das Nações Unidas (ONU) surgiu

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no ano de 1945, após a Segunda Guerra Mundial, para que não houvesse dois organismos internacionais com as mesmas funções e atribuições, declarou-se a OIT integrante da ONU. Por isso, aquela é considerada um organismo internacional associado a esta, aliás, a uma das agências especializadas da ONU.

Conforme Arnaldo Sussekind (2000), impende ressaltar:

O sistema das Convenções da OIT, sobretudo depois da criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, e das suas agências especializadas (OMS, Unesco, FAO etc.) acabou por inspirar esses organismos internacionais, que se serviram do modelo vitorioso para assegurar e regular direitos fundamentais do ser humano e diversas relações jurídicas de relevante interesse geral. O mesmo se verificou nos organismos regionais. Ao lado do direito internacional clássico, nascia o que se chamou de direito comum da humanidade o qual teve incremento com a nova Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e os dois pactos de 1966 que regulamentaram os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais nela consagrados. (SUSSEKIND, 2000, p. 19).

Aprovada, então, a Carta das Nações Unidas, da qual resultou a criação da ONU e a revisão da constituição da OIT, fica afirmada, definitivamente, a personalidade da OIT como pessoa jurídica de direito público internacional, de caráter permanente, constituída de Estados, que assume, de forma soberana, a obrigação de observar as normas que se ratificam no plano interno.

Neste interregno, preceitua o Art. 57 da Carta das Nações Unidas que a OIT é um organismo especializado e vinculado à ONU, in verbis:

Art. 57.
1. As várias entidades especializadas, criadas por acordos intergovernamentais e com amplas responsabilidades internacionais, definidas em seus instrumentos...

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