A proteção integral e escalonada do meio ambiente do trabalho
Autor | Bruno Gomes Borges da Fonseca |
Páginas | 62-69 |
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Bruno Gomes Borges da Fonseca1
Trabalhar no Brasil representa um risco iminente à vida e à integridade física e psíquica para os trabalhadores. Essa asserção, como se verá ao longo deste ensaio, é facilmente corroborada por dados estatísticos, malgrado existir, nos planos dogmático e teórico, um sistema protetivo ambiental adequado e bastante avançado. Uma das razões para essa dramática situação, no país, é a adoção de um escalonamento invertido e fragmentado da proteção do meio ambiente do trabalho.
A proposta deste estudo, de caráter ensaístico, é (re)trabalhar um adequado escalonamento, devidamente articulado, da proteção ambiental no trabalho com base na ordem jurídica nacional, capaz de, quiçá, trazer mais segurança e saúde ao trabalhador. Essa tentativa afigura-se necessária, pelo menos, por duas justificativas: (a) o Brasil apresenta dados alarmantes sobre acidentes do trabalho e (b) a Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017), recentemente aprovada, além de se omitir quanto a esse tema, tende a tornar ainda mais precário o ambiente de trabalho.
O primeiro capítulo abordará, de maneira mais geral, como uma espécie de apresentação, as questões envoltas ao meio ambiente do trabalho no Brasil, enquanto o segundo, de maneira mais direta e quase esquemática, proporá um (novo) escalonamento da proteção do meio ambiente do trabalho. Suas conclusões, no máximo, funcionarão como pistas para pesquisas mais profundas.
Nos planos teórico e da dogmática jurídica, indubitavelmente, houve significativo avanço quanto à proteção ambiental do trabalho. A recuperação de alguns atos normativos, na história brasileira, parece suficiente para alcançar essa conclusão.
A Constituição do Império do Brasil de 1824 assegurava liberdade de trabalho desde que a atividade fosse adequada à segurança e à saúde do trabalhador (art. 179, XXIV). A disposição é bastante moderna, tanto que a primeira Constituição republicana (1891) se omitiu em consignar qualquer disposição a respeito. Obviamente que a previsão constitucional de 1824 cingia-se ao plano da idealidade, até porque no período, somente para trazer um dado, o país se utilizava de força de trabalho escrava.
A Constituição brasileira de 1934 inaugurou o constitucionalismo social no país. Previu um título sobre as ordens econômica e social. Preceituava que a lei estabeleceria as condições do trabalho sob o enfoque da
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pessoal fornecidos pelos empregadores e aprovados pelas autoridades de Higiene do Trabalho.
A exposição de motivos da CLT enaltece o então capítulo alusivo à higiene e à segurança do trabalho, sobretudo à exigência de prévia verificação e aprovação das instalações dos estabelecimentos industriais. Ao mencionar equipamento de proteção individual (EPI), reporta-se à expressão equipamentos de defesa pessoal.
A partir de 1967, houve uma inversão, e a segurança passou a ser escrita antes da higiene, em uma tentativa de, talvez, vencer a fase higienista. Essa nova redação continuou até 1977 (Lei n. 6.514/1977), ocasião na qual o aludido capítulo foi grafado como Da segurança e da medicina do trabalho, além de se alterarem vários dispositivos.
A proteção do meio ambiente do trabalho, no início, estava ligada à questão higienista. Em 1967, houve tentativa de privilegiar a segurança e contemplar que a higiene vincular-se-ia ao trabalho. Em 1977, a palavra higiene foi retirada com inserção, em seu lugar, da medicina do trabalho. Esse histórico legislativo acerca do capítulo V da CLT evidencia, em parte, as transformações ocorridas na proteção ambiental do trabalho no país.
O capítulo V da CLT, malgrado sua evolução com essas modificações legislativas, ainda é insuficiente para evidenciar as modificações introduzidas, sobretudo a partir da CF/1988, sem desmerecer as Leis n. 6.938/1981 e n. 9.795/1999, o Decreto n. 7.602/2011 e as Convenções n. 155 e n. 166 da OIT, como se verá a seguir.
A proteção ambiental é direito fundamental do trabalhador (CF/1988, art. 7º, XXIII). Foi inserida como uma das atribuições do Sistema Único de Saúde, na seção constitucional alusiva à saúde (CF/1988, art. 200, VIII). Logo, o capítulo V da CLT, para ser totalmente compatível com a ordem jurídica posta, deveria constar em seu título a elocução direito fundamental e a palavra saúde e, à falta deles, essa parece a sua interpretação.
A Lei n. 6.514/1977, além da modificação do título para Da segurança e da medicina do trabalho, alterou muitos dispositivos que o compreendem. Também preparou a compatibilização do texto consolidado com as normas regulamentares que seriam editadas pelo Minis-tério do Trabalho. Nesse último ponto, a mencionada lei alterou o art. 200 da CLT e delegou ao Ministério do Trabalho a edição de disposições complementares, proteção social do trabalhador e dos interesses econômicos do país (art. 121). Ainda assim, impunha preceitos mínimos, entre eles, assistência médica e sanitária ao trabalhador (art. 121, § 1º, h), sem se olvidar de outros direitos relacionados à saúde e segurança dos trabalhadores, como a limitação da jornada de trabalho (art. 121, § 1º, c).3
A Constituição de 1937 (até sua suspensão em razão da decretação do Estado de Guerra em 1942) continha previsões parecidas com a anterior (art. 122, 8º; art. 136; art. 137, I). Assegurava ainda a instituição de seguros de velhice, de invalidez e de vida para os casos de acidentes do trabalho (art. 137, m).
A Constituição nacional de 1946 prescrevia que à legislação do trabalho e da previdência social caberia observar preceitos acerca da higiene e da segurança do trabalho, assistência sanitária ao trabalhador, inclusive hospitalar e médica preventiva, e obrigatoriedade da instituição de seguro pelo empregador contra acidentes do trabalho (art. 157, VIII, XIV e XVII). Nessa Constituição, houve acumulação de preceitos sobre o que, atualmente, chama-se de meio ambiente do trabalho. Garantiu-se higiene, segurança, assistência sanitária, inclusive preventiva, e o seguro em caso de acidente do trabalho.
A Constituição de 1967 repetiu as previsões da antecessora (art. 158, IX, XV e XVII) e acresceu, como direito dos trabalhadores, colônias de férias e clínicas de repouso, recuperação e convalescença, mantidas pela União, conforme dispusesse a lei (art. 158, XIX). A EC n. 1/1969 continuou com preceitos similares à Constituição de 1967 (art. 165, IX, XV e XVI) e acrescentou a proibição de trabalhos insalubres a mulheres e aos menores de dezoito anos (art. 165, X).
A CLT, por sua vez, em sua redação original, intitu-lava o capítulo V como higiene e segurança do trabalho. Essa redação permaneceu de 1943 até 1967 (Decreto-lei n. 229/1967). A exposição de motivos da CLT sobre o precitado capítulo dispôs:
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O regime de Higiene e Segurança do Trabalho, pela revisão efetuada, adquiriu maior eficácia, por força da explícita declaração que constitui formalidade longamente seguida, da exigência de prévia verificação e aprovação das instalações dos estabelecimentos indus-triais para o respectivo funcionamento.
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Estabeleceu-se, igualmente, a obrigatoriedade do uso, pelos empregados, dos equipamentos de defesa
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diante das peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho. Por efeito, a Portaria n. 3.214/1978 aprovou as normas regulamentares (NR) de n. 1 a n. 28, com observância da nova topografia estabelecida pela CLT, isto é, a NR n. 1 refere-se à seção 1 do capítulo V da CLT, as NRs n. 2 e n. 3 à seção II e assim por diante.
Posteriormente, foram editadas as NRs n. 29 a n. 36.
O fundamento de validade das normas regulamentares editadas pelo Ministério do Trabalho, à primeira vista, encontra-se no art. 200 da CLT. Contudo, uma análise mais profunda permite constatar que, na realidade, o seu fundamento de validade é a CF/1988. A proteção ambiental é direito fundamental do trabalhador, na forma do art. 7º, XXIII. Assim, o Capítulo V da CLT e as NRs do Ministério do Trabalho devem ser interpretados em sintonia com esse mandamento constitucional.
Um dos pontos controversos diz respeito à legalidade de o órgão público editar NRs em matéria de saúde e segurança do trabalho. Uma posição sustenta que direito do trabalho é matéria de competência da legislação federal, e as portarias, no máximo, poderiam regulamentar, sem inovação legislativa. Outra posição (consolidada e majoritária), considera que o art. 200, caput e III, da CLT, autoriza delegação legislativa ao Ministério do Trabalho. Consequentemente, as NRs poderiam prever muito mais do que meras regulamentações.
A controvérsia em torno da possibilidade de a portaria do Ministério do Trabalho prescrever como atividades perigosas a exposição à radiação ionizante ou à substância radioativa, malgrado essa previsão não constar do art. 193 da CLT, parece ilustrar o entendimento do TST acerca do fundamento de validade das NRs do Ministério do Trabalho. Em razão da atividade com radiação ionizante ou substância radioativa não está pre-vista no art. 193 da CLT, questionou-se a possibilidade de a portaria contemplá-la como perigosa para fins de percepção de adicional de periculosidade. A posição do TST é no sentido da possibilidade, em virtude da delegação legislativa prevista no art. 200, caput e VI, da CLT:
OJ-SDI1-345. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE.
RADIAÇÃO IONIZANTE OU SUBSTÂNCIA RADIOATIVA. DEVIDO (DJ 22.06.2005)
A exposição do empregado à radiação ionizante ou à substância radioativa enseja a percepção do adicional de periculosidade, pois a regulamentação ministerial (Portarias do Ministério do Trabalho ns. 3.393, de 17.12.1987, e 518, de 07.04.2003), ao reputar perigosa a atividade, reveste-se de plena eficácia, porquanto expedida por força de delegação...
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