A proteção do direito fundamental à água em perspectiva internacional e comparada

AutorCarlos Bernal Pulido
CargoProfessor Associado da Macquarie Law School (Sydney, Austrália)
Páginas1-38
A proteção do direito fundamental à água em perspectiva internacional e comparada (p. 1-38) 1
PULIDO, C. B. A prote ção do direito fun damental à água em persp ectiva int ernacional e compar ada.
Revista de Direito Setorial e
Regulatório
, Brasília, v . 1, n. 2, p. 1-38, outubro 2 015.
A proteção do direito fundamental à água em perspectiva internacional
e comparada
The Protection of the Fundamental Right to Water in International and
Comparative Perspective
Submetid o(
submitted
): 25/08/2015
Carlos Bernal Pulido*
Parecer(
revised
): 09/09/2 015
Aceito(
accepted
): 11/09/2 015
Resumo
Propósito
Análise da a plicação ju dicial do direito fundamental à água e suas
implicações te óricas e práticas em direit o comparado.
Metodologia/abor dagem/design
Análise teór ica e jurisprudencial dos critéri os
argumentativo s utilizados em c ortes de diferentes países para aplica ção do direito
fundamental à água.
Resultados
Vantagens e desva ntagens da utilização do princípio da raz oabilidade, do
mínimo vital e da proporc ionalidade como pa râmetros para jul gamentos envolvendo o
direito constituc ional à água.
Implicações práticas
O artigo demonstra que o pr incípio da proporcionalidade detém
vantagens comparativas no que toca a julga mentos env olvendo o direito fundamental à
água.
Originalidade/rel evância do texto
O artigo supr e uma lacuna de estudos sobre o tema,
especialmente diante dos problem as decorrentes de cri ses hídricas localizadas ou disputas
econômicas, s ociais ou jurídicas pelo uso da água em cenários de es cassez do bem.
Palavras-chav e: direito fundamental à á gua, direito compar ado, princípio da
razoabilidade, mínimo vital, princípi o da proporcionalidade.
Abstract
Purpose
Analyzi ng the adjudic ation of the constitutional right to water in comparative
law and its the oretical and practical im plications.
Methodology/a pproach/design
A theoretical and jurisprudential analys is of the
standards of reasonablene ss, the minim um co re and propor tionality, used in d ifferent
jurisdictions f or adjudicating claims g rounded in the constitutio nal right to water.
Findings
The advan tages and disadva ntages of reasona bleness, the mi nimum core and
proportionalit y as standards for adjudic ating the constitutional r ight to water.
*
Professor Asso ciado da Macquarie Law School (Sydney , Austrália). Bacharel e m Direito
pela U niversidad Exter nado de Colombia. Doutor em Direito pela Universidad de
Salamanca, com Mestrad o e Doutor ado em Filoso fia pela Universidad de la Florida . E-
mail: carlos.bernal-pulido@mq.edu.au. Tradução para a língua portuguesa de Graça
Maria Borges de Freitas, J uíza do Trabalho em Minas Gerais-Brasil, Mestre em Direito
Constitucional pela UFMG, Master em Argumentação Jurídica pela Universidad de
Alicante, Doutoranda em Direito pela Uni versidad Externa do de Colombia, em cotutela
com a UFMG. Agradeço a Hubed Bedoy a por seus valiosos comentários e sugestões a o
esboço deste t exto.
2
A proteção do direito fundamental à água em perspectiva internacional e comparada (p. 1-38)
PULIDO, C. B. A prote ção do direito fu ndamental à água em pers pectiva int ernacional e compar ada.
Revista de Direito Setorial e
Regulatório
, Brasília, v . 1, n. 2, p. 1-38, outubro 2 015.
Practical im plications
The art icle shows that th e adjudication of the employment of th e
principle of proportionality is the best comparative pr actice concer ning the adjudic ation
of the constitu tional right to water.
Originality/valu e
The text fills a gap on the topic, especially in light of the problems
arising ou t of localized water crises or economic, social or legal disputes over water us e
in scenarios of scarcity.
Keywords: Co nstitutional right to wat er, comparative law, rea sonableness, minimum
core, proportion ality.
Introdução
Os direitos sociais são uma das grandes inovações do constitucionalismo
contemporâneo. Ao longo do último século, sua aplicação transformou
radicalmente as práticas constitucionais, sobretudo, no, assim chamado , sul
global. Desde a Constituição Mexicana de Querétaro, de 1917, e a Constituição
de Weimar, de 1919, numerosos instrumentos internacionais e constitu ições
nacionais estabelecer am, respectivamente, direitos humanos e direitos
fundamentais com conteúdo social. Esta se converteu em u ma estra tégia usual
para fazer frente à pobreza, às necessidades básicas insatisfeitas, à falta de
recursos para uma vida digna e para o exercício das liberdades e dos direitos
políticos e para minorar a distribuição desigual de oportunidades e da riqueza.
Além disso, instituições internacionais de direitos humanos e cortes
constitucionais e supre mas de países, tais como África do Sul, Colô mbia, Costa
Rica, Argentina, México, Brasil, Índia e Alemanha, aplicaram esses d ireitos
mediante inovadoras técnicas de argumentação judicial e se atreveram a emitir
ordens dirigidas a poderes p úblicos e privados, sem prec edentes no direito
constitucional.
1
Estas corte s aplicaram direta mente as disposições
constitucionais que estabelecem os direitos fundamentais à saúde, à água, à
nutrição, à moradia, à proteção trabalhista e à educação. Do mesmo modo,
exortaram e obrigaram autoridades políticas, empresas e indivíduos particulares
a adotar medidas jurídicas, financeiras e ad ministrativas, a fim de assegurar o
cumprimento dos deveres que ditas disposições estabelecem.
Nada obstante, a aplicação judicial dos direitos sociais suscitou agudas
objeções. Elas se manifestam ao longo de um espectro va riado. Este espectro
1
Sobre as novidades n a aplicação dos direitos s ociais no direi to comparado e os desafio s
aos q uais estas dão lugar, conferir: Varu n Gauri e Daniel M. Brinks, “Introduction: The
Elements of Legal ization and the Tri angular Shape of Social and Economic Rights”, in
Varun G auri e Daniel M. Brinks (coord.), Co urting Social Justice: Judicial Enforcement
of Social an d Economic Rights in t he Developing World (Cambridg e: Cambridge
University Pre ss, 2008) 2 s.
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Revista de Direito Setorial e
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, Brasília, v . 1, n. 2, p. 1-38, outubro 2 015.
compreende, desde os reparos filosófico-políticos à tipificação constitucional
dos direitos sociais,
2
até críticas institucionais relativas à capacidade dos
tribunais de aplicar esses direitos e à aparente incompatibilidade entre, por um
lado, sua aplicação judicial, e, por outro, os princípios do Estado de Direito e da
separação de poderes e os fundamentos da democracia representativa. A isso se
soma a discussão sobre a efetividade da inclusão dos direitos sociais na
Constituição para alcançar os fins redistributivos antes mencionados.
Existe evidência de que, pelo menos em ce rtas regiões da América
Latina, a aplicação constitucional desses direitos não beneficiou o s mais pobres,
senão a cidadãos de classe média que, de u ma maneira ou de outra, têm a
capacidade de satisfazer suas necessidades básicas mediante es tratégias
ordinárias do mercado.
3
Algumas dessas objeções levaram diversos autores a
proclamar o declive da proteção dos direitos sociais.
4
A razão desse declive
residiria em que a globalização dos princípios do livre mercado se havia imposto
sobre o imperativo de proteger tais direitos em países do sul global durante as
últimas décadas.
Ocorre, entretanto, que uma análise detalhada do reconhecimento e da
aplicação do direito à água, como direito fundamental a nível constitucional, e
como direito humano a nível internacional, mostraria que, ao menos no que
concerne a este direito social, não existiu nenhuma míngua em sua proteção.
Ocorreu justamente o contrário. Como em seguida se demonstrará, sua proteção
se intensificou tanto a nível internacional como nacional. Contudo, es sa proteção
2
Sobre este aspecto, duas das mais influentes te orias dos direitos fundamentais catalogam
como fu ndamentais some nte as liberd ades e deixa m de fora os direitos sociais. Confe rir:
John Rawls, P olitical Liber alism (Ne w York, N. Y. : Columbia University Press, 1993)
338 e Jürgen Habermas, Between Facts and Norms. Co ntributions to Discour se Theory of
Law and Democracy (Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1996) 83. Uma crítica desta
visão re ducionista se e ncontra em: Ro dolfo Arango, “Basic Social Rights, Constituti onal
Justice, and Democracy”, 16 (2) Ratio Juris (2003) 143. Uma intere ssante disc ussão e
defesa da inclusão dos direitos fundamentais na constitui ção, pelo menos de países com
condições p olíticas estáveis, se encontra e m: Jeff King, Judging Social Right s
(Cambridge: Cambridge Univer sity Press, 2012 ) 3 s. (sobre a discussão), e 17 s. ( sobre a
defesa). Uma análise dos mais important es ar gumentos filosófico-polí ticos a favo r da
tipificação (e interpretação) constitucional d os direitos so ciais se enco ntra em: Kathe rine
Young, Co nstituting Economic and Social Rights (Oxford: Oxford University Press,
2012) 34 s.
3
David Landau, “The reality of Social Rights Enforcement”, 53 Harvard Internation al
Law Journal (2012) 190-247.
4
Paul O’Connell, “The Death of Socio -Economic Rights”, 74 (4) Modern Law Review
(2011) 532-55 4.

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