A proteção do acidente de trabalhado face à Lei n. 13.429/2017

AutorHeloísa Helena Silva Pancotti e Luiz Gustavo Boiam Pancotti
Páginas187-195

Page 187

Ver Nota12

1. Introdução

Este trabalho possui o objetivo de demonstrar a ocorrência de acidente de trabalho frente às relações de emprego, especificamente com relação à sua proteção social diante das relações de trabalho e a proteção previdenciária.

Posteriormente, analisam-se as transformações sociais no mundo e as novas estruturas ocupacionais, bem como as regras da Lei n. 13.429/17.

Na conclusão, demonstra-se a que a nova regulamentação da terceirização irá gerar mais encargos sociais, visto que a ocorrência de acidentes de trabalho é superior quando se estabelece contrato indireto de mão de obra.

2. Das transformações da estrutura ocupacional

É indiscutível que a chamada Revolução Tecnológica da Informação trouxe inúmeras transformações nas relações humanas a partir do final do século XX estendendo seus efeitos ao nosso século. Esta Revolução cujo berço é americano, mais precisamente oriunda do chamado Vale do Silício, modificou a vida quotidiana de toda a humanidade. Simultaneamente, pudemos sentir os efeitos da globalização, já que a tecnologia da informação derrubou as fronteiras continentais tornando as distâncias menores e as barreiras linguísticas cada vez menos impeditivas.

Do alinhamento destes fenômenos, surgiram as economias globais com características de se desenvolverem por meio de intrincadas redes de interação empresarial utilizando-se da mais alta tecnologia de produção.

CASTELLS3 afirma que estamos testemunhando um ponto de descontinuidade histórica. Isto porque as novas tecnologias informacionais se infiltraram em todos os aspectos da vida humana, sendo inevitável que se formem conexões infinitas sobre diferentes domínios. Um dos domínios seria a estrutura ocupacional e do emprego, que passa a sofrer alterações estruturais. Estas alterações gradualmente estão provocando a modificação de postos de trabalho de setores de produção de bens e serviços para sua prestação, o surgimento de profissões administrativas e especializadas, o fim do emprego rural e industrial como conhecemos e a aplicação cada vez mais intensa de tecnologias de informação no meio de trabalho.

Ocorre que, na contramão das alterações percebidas, ao invés de se pensar na adaptação da estrutura ocupacional e do emprego frente à nova realidade mediante o estudo e a especialização da mão de obra, um forte movimento capitaneado pelas grandes empresas transnacionais, pretende flexibilizar as modalidades de contratação de mão de obra em países em desenvolvimento a fim de aumentar seus próprios lucros, testando modelos falidos empregados nos anos 1970/1990, que não converteram em bons resultados.

Exemplo disso foi a promulgação da Lei n. 13.429/2017 que trata da terceirização da contratação de mão de obra da atividade-fim e as modalidades propostas no Projeto de Lei n. 6.787 de 2.016, do Poder Executivo, compreendido no pacote do governo da chamada Reforma Trabalhista.

A possibilidade da terceirização da atividade-fim para suprir demanda temporária ou complementar de mão de obra, considerando-se para tanto aquela oriunda de fatores imprevisíveis ou quando decorrente de fatores imprevisíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal4, aliada às novas modalidades de jornadas que se pretende introduzir por meio do texto do Projeto de Lei, converterá os já minguantes empregos na indústria em empregos de baixos salários, de jornada parcial, sem proteção social.

Outrossim, o conjunto das reformas protege sobremaneira o patrimônio dos tomadores de mão de obra, facilitando o esbulho dos direitos trabalhistas de todos os subcontratados.

3. A fragilidade dos contratos terceirizados

Segundo dados fornecidos pelo Dieese5, no ano de
2.014, acerca das atividades terceirizadas em detrimento

Page 188

das contratadas, foram observadas diferenças impactantes em diversos aspectos da contratação da mão de obra.

A taxa de rotatividade é duas vezes maior nas terceirizadas, sendo que 44,1% possuíam dois vínculos no ano, 85,9% da jornada dos terceirizados durava entre 41 e 44 horas semanais, com salários em média 23,4% menores e maiores taxas de afastamento em razão de acidentes de trabalho.

Nas contratações terceirizadas, à medida que se aumentava a faixa salarial, mais se notava a predominância masculina, restando às mulheres os menores salários.

Todas estas estatísticas são baseadas em informações constantes na RAIS, já que o Ministério da Previdência Social não disponibiliza para a consulta os dados dos benefícios acidentários (CNIS).

O cenário que se delineou evidenciava as desigualdades oriundas desta modalidade de subcontratação inclusive no aspecto tributário, que comprometia o equilíbrio atuarial fiscal e previdenciário, em razão da observância da preferência das empresas em optar pelo Simples e Super-simples com muito mais vantagens tributárias.

Por estas razões apontadas, temia-se que a promulgação de legislação autorizadora da terceirização das atividades-fim pudesse agravar em demasia este cenário desanimador sob todos os aspectos, especialmente sob o ponto de vista dos direitos sociais conquistados a duras penas pela classe trabalhadora no Brasil.

Entretanto o que mais se temia foi concretizado pela promulgação da Lei n. 13.429/2017 que versa sobre os contratos de trabalho temporário e a terceirização.

As projeções acerca da acentuação das desigualdades e da precariedade das proteções sociais são catastróficas sob vários aspectos.

3.1. As Alterações do Contrato Temporário

A nova legislação ampliou o conceito de trabalho temporário, tornando possível a modalidade de contratação para demandas complementares oriundas de fatores imprevisíveis ou, quando decorrentes de fatores previsíveis, tenham natureza intermitente, periódica ou sazonal6e ampliou o prazo dos contratos de 90 para 180 dias com possibilidade de renovação para mais 90 dias, vedando a recontratação do mesmo funcionário antes do cumprimento de um intervalo de 90 dias. Porém, findos os noventa dias, o empregado poderá ser recontratado, o que estimula a prática de “rodízios” de contratação temporária entre as empresas.

Em face disso percebe-se que se a carência para a percepção do primeiro seguro-desemprego é de 16 meses, estamos admitindo a possibilidade de que uma classe de trabalhadores poderá ficar desempregada e sem proteção social toda vez que o contrato temporário chegar ao fim.

Logicamente, em razão das benesses para o setor empresarial que esta modalidade de contratação traz, já que torna a demissão menos onerosa para o empregador, atrelada à possibilidade da terceirização da atividade-fim e porque não dizer a quarteirização, a previsão é de que as empresas optem por esta contratação gerando uma legião de trabalhadores desprotegidos que ficará a cargo do assistencialismo.

Com efeito, aqueles que tiverem dificuldades em se recolocar profissionalmente ficarão sob o manto do assistencialismo público, cujas regras para a sua percepção também estão sendo alvo de revisão, aumentando cada vez mais a dificuldade para o seu acesso.

Como não existe no Brasil nenhum mecanismo de controle e fiscalização rígida neste setor, facilmente podem-se criar pessoas jurídicas, seja lá qual for o seu ramo de atividade, com a finalidade única e exclusiva de participarem em processos licitatórios, possibilitando a disputa por meio de valores contratuais abaixo do mercado, em suma: inexequíveis. Este cenário faz com que empresas desapareçam na calada da noite, restando aos trabalhadores o desemprego repentino e uma conta de direitos trabalhistas impagável.

SUPIOT7 exemplifica muito bem estas estratégias capitalistas que geram prejuízos aos trabalhadores, pois extra-polam os limites da exploração aceitável da mão de obra, negando aos trabalhadores a contrapartida financeira ao esforço empenhado, pela dificuldade em se alcançar o patrimônio dos seus sócios.

As coisas complicam quando essa sociedade cria filiais ou passa ao controle financeiro de outra, se inscrevendo, assim, em um grupo de sociedades com contornos nebulosos e movediços. Elas tornam-se opacas quando a empresa se ramifica em vinculações contratuais de dependência, unindo sociedades sem conexões capitalistas, como, por exemplo, no caso de terceirização ou de concessão de exploração de títulos. Essa organização em redes tem como efeito uma diluição do polo patronal da relação de trabalho, que se torna difícil, às vezes impossível de identificar.

Page 189

...

No âmbito social, este fenômeno de inapreensibilidade do empregador não se exprime apenas nos meios marítimos, mas principalmente em todas as empresas com estrutura complexa, no centro das quais os detentores do capital procuram, segundo a máxima de Milton Friedman, captar os lucros e fugir das responsabilidades.

Os cofres públicos, doravante são também onerados, na medida que os recolhimentos tributários deixam de ser realizados, fazendo com que o INSS possua uma fantástica lista de devedores que estão no rol das empresas que mais lucraram ano após ano, como é o caso das instituições financeiras privadas, por exemplo.

Diante da ausência legislativa que permitisse regular a terceirização, o ativismo judicial do Tribunal Superior do Trabalho, por meio da sua Súmula n. 3318, possibilitou a proteção do empregado em relação à inadimplência das verbas trabalhistas perante as empresas tomadoras de mão de obra.

Com...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT