Proteção conferida aos direitos de propriedade intelectual pelo trips e os acordos trips-plus e trips-extra

AutorThiago Paluma
Páginas51-75

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2.1. Considerações Iniciais

Este capítulo possui o objetivo de primeiramente analisar a proteção jurídica conferida aos direitos de propriedade intelectual pelo Acordo TRIPS. Realizada essa fase do estudo, será demonstrado como os acordos que visam ampliar os standards de proteção da propriedade intelectual estabelecidos pelo TRIPS ou restringir suas flexibilidades podem interferir no desenvolvimento dos países, principalmente os classificados como "em desenvolvimento".

Tais acordos, conhecidos como TRIPS-Plus e TRIPS-Extra, em alguns casos, sujeitam os países pobres ou emergentes a aumentarem o nível de proteção da propriedade intelectual estabelecido pelo TRIPS, criando encargos maiores do que os suportáveis para estes países, o que compromete diretamente o desenvolvimento econômico, na medida em que aumenta a dependência tecnológica em relação aos países ricos.

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2.2. Proteção jurídica conferida pelo Acordo TRIPS aos

Direitos de Propriedade Intelectual

O acordo TRIPS define os níveis de proteção mínima para diversos direitos de propriedade intelectual, quais sejam: direitos autorais e conexos, marcas, indicações geográficas, desenhos industriais, patentes, topografias de circuitos integrados. Além disso, regula a proteção a informações confidenciais e o controle de práticas de concorrência desleal em contratos de licenças.

Os direitos autorais e conexos possuem como proteção mínima definida pelo TRIPS o prazo de 50 anos após a morte do autor (art. 9 do TRIPS que remete à Convenção de Berna de 1971). Mais adiante, o TRIPS salienta que quando a duração da proteção for calculada em base diferente da vida do autor, esta não poderá ser inferior a 50 anos contados do final do ano civil da publicação autorizada da obra ou de sua realização (art. 12 do TRIPS).

Em relação às marcas, o TRIPS determina proteção mínima de sete anos prorrogáveis indefinidamente (art. 18). Já quanto às indicações geográficas o Acordo deixa a encargo dos países membros a forma como protegerão tais direitos. Em relação aos desenhos industriais a proteção mínima é de 10 anos (art. 26.3) e às topografias de circuitos integrados de 10 anos do depósito do pedido de proteção ou da primeira exploração comercial (art. 38).

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As patentes1, por ter maior importância econô-mica, serão estudadas de forma mais aprofundada ao longo desse trabalho. Primeiramente, são analisados os parágrafos 2 e 3 do artigo 27 do TRIPS, tendo em vista que eles trazem as matérias que, a critério dos países membros, podem ser consideradas como não paten-teáveis, para que posteriormente passe-se à análise do parágrafo 1.

Encontra-se positivado no parágrafo 2 do artigo 27 do TRIPS que:

Os Membros podem considerar como não patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja necessária evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas por que a exploração é proibida por sua legislação. (Grifos nossos).

Qualquer solicitação de pedido de patente de deter-minado produto poderá ser negado desde que, segundo

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competente avaliação do órgão responsável por deferir o pedido de patente, ponha em risco a vida humana, animal, vegetal ou, enfim, o meio ambiente.

Já o parágrafo 3 do mesmo artigo prevê as hipóteses em que o Estado-membro do TRIPS não será obrigado a conceder o registro de patente, ou seja, poderá considerar como não patenteável os seguintes casos:

[...]

(a) Métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de seres humanos ou de animais;

(b) Plantas e animais, exceto microorganismos e processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos nãobiológicos e microbiológicos. [...]

Tal proteção existe para permitir com que os países, conforme seus padrões morais, éticos e interesses nacionais, possam optar em conceder patentes para os casos do parágrafo 3 ou não. A alínea "b" é de essencial importância para os países detentores de grande diver-sidade natural, como é o caso do Brasil. Isto obsta com que nos termos da legislação nacional seja impedida a concessão de patente para plantas, por exemplo, que são essenciais para a subsistência de determinada comuni-dade, como é o caso do cupuaçu e açaí2.

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Atualmente, diversas discussões surgem no campo da bioética, em relação à certificação por meio de patentes ao que o referido artigo 27.3 chama de "variedades vegetais" e processos não-biológicos e microbiológicos.

As questões levantadas referem-se primeiramente à dificuldade de conceituação de termos como "variedades vegetais" e "microrganismos", por exemplo. Por último, existe a questão ética. Patentear elementos vivos ainda não é totalmente aceito pela comunidade científica e jurídica. Alguns países conferem patentes aos processos ou técnicas utilizadas para descobertas de microrganismos ou variedades vegetais, mas não aos produtos finais frutos destas pesquisas.

A partir do exposto no parágrafo anterior, entende-se acertada a disposição do TRIPS em deixar aberta a possibilidade dos países membros em conferir ou não patente nestes casos. Dessa forma, cada Estadomembro poderá, com base em seus preceitos morais e éticos (sociais) ou interesse nacional, moldar sua legislação da forma que melhor atenda aos anseios da comunidade interna.

Passa-se agora à análise do parágrafo 1, que dispõe sobre os produtos que devem ser patenteados. Dispõe o parágrafo 1 do artigo 27 do TRIPS:

Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e

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seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4 do Artigo 65, no parágrafo 8 do Artigo 70 e no parágrafo 3 deste Artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente. (grifos nossos)

Devem ser patenteadas as invenções que possuam como requisitos a novidade, a inventividade e a possibilidade de serem empregadas em um processo produtivo, ressalvados os casos previstos nos já comentados parágrafos 2 e 3 (patentes contrárias à moral, bons costumes, ou de seres vivos). O Brasil adota estes requisitos para conferir o registro de uma patente, cumprindo, dessa forma, o disposto no TRIPS.

Novo é o produto ou processo que não é conhecido por outros inventores, ou seja, que não é conhecido no meio científico. O segundo requisito é o da atividade inventiva. Leciona Fábio Ulhoa Coelho, que

[...] para ser patenteável a invenção, além de não compreendida no estado da técnica (novidade), não pode derivar de forma simples dos conhecimentos nele reunidos. É necessário que a invenção resulte de um verdadeiro engenho, de um ato de criação intelectual especialmente arguto. [...] A atividade inventiva (ou inventividade) é o atributo da invenção que permite distinguir a simples criação intelectual do engenho3.

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O último e terceiro requisito é a aplicabilidade do produto a um processo produtivo. Ainda segundo palavras do professor Fábio Ulhoa Coelho:

Na verdade, o que pretende a lei, ao eleger a indus-triabilidade como condição de patenteabilidade, é afastar a concessão de patentes a invenções que ainda não podem ser fabricadas, em razão do estágio evolutivo do estado da técnica, ou que são desvestidas de qualquer utilidade para o homem. Duas, portanto, são as invenções que não atendem ao requisito da industriabilidade: as muito avançadas e as inúteis4.

Dispõe ainda o parágrafo primeiro do art. 27 que as patentes são disponíveis e os direitos patentários são usufruíveis sem discriminação quanto ao lugar da invenção, e sem prejuízo ao disposto no parágrafo 4 do artigo 65, parágrafo 8 do artigo 70 e, no já exposto parágrafo 3 do artigo 27.

O parágrafo 4 do artigo 65 concede aos países membros em desenvolvimento um prazo de cinco anos para começar a aplicar as disposições referentes à proteção das patentes, quando o produto a ser protegido pertencer a setor tecnológico que anteriormente à criação do acordo TRIPS não recebia proteção no território deste país membro.

O parágrafo 8 do artigo 70 refere-se aos procedimentos a serem adotados pelos países membros que aplicarem as brechas do artigo 27, ou seja, a não paten-teabilidade de produtos que visem proteger ou salvar a vida humana, vegetal ou animal, como por exemplo, as

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tecnologias essenciais à medicina, à agricultura ou à veterinária. Dessa forma, resta mais uma vez demonstrado que o Acordo TRIPS possui brechas e preocupações sociais, como as exceções supracitadas.

Dispõe a alínea "a" do parágrafo 8 do artigo 70, que o país membro que não conceder patentes aos casos do artigo 27, deve criar "um meio pelo qual os pedidos de patentes para essas invenções possam ser depositados".

A alínea subsequente estabelece que o país membro:

(b) aplicará a essas solicitações, a partir da data de aplicação deste Acordo, os critérios de patentabili-dade estabelecidos neste instrumento como se tais critérios estivessem sendo aplicados nesse Membro na data do depósito dos pedidos, quando uma priori-dade possa ser obtida e seja reivindicada, na data de prioridade do pedido;

Por fim, a alínea "c" determina que o país membro deve, para os casos em que a patente cumpra os requisitos da alínea "b", estabelecer proteção patentária a partir da...

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