Prostituição, exploração sexual infantil e uma decisão do Superior Tribunal de Justiça

AutorJoão Carlos da Cunha Moura
Páginas147-163
Prostituição, exploração sexual infantil e uma decisão do Superior Tribunal de Justiça
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Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 5, n. 10, p. 147-163, jun./dez. 2014
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ou pela já prática de relações sexuais anteriores, acaba por lhe impor uma maioridade
estabelecida nas leis como sendo algo objetivo, amparado na diferença entre o ano do
nascimento e o ano em que foi praticado o fato.
Prado (2006, p. 244) afirma que a razão da tutela penal nesse sentido é considerada
com base na inocência quanto ao ato e outros saberes relacionados às práticas sexuais e que
quando um maior de idade pratica ato sexual com um menor de catorze anos estaria o maior
intervindo no desenvolvimento e psique sexual do menor. Mirabete (2001, p. 1511) vai mais
além e afirma que por mais desenvolvido que seja o saber erótico do menor, não acompanha
esse desenvolvimento o seu saber psicológico de si mesmo.
A prostituição atribuída como causa de extinção da punibilidade do sujeito que
praticou determinada ação de violência sexual contra uma mulher vem corroborar a ideia de
que tal atividade não é vista como algo salutar para as mulheres (e apenas para estas). Ao se
analisar o Direito Penal puro e de forma simplista, já se poderia ter que o sexo com menores
de catorze anos é fato típico. Mesmo que desempenhem alguma atividade sexual, esta não
pode ser considerada prostituição pela incompatibilidade acima analisada.
Reconhecida a precocidade do saber erótico das meninas e pelo fato de estarem em um
mundo oculto e impuro como é, por exemplo, considerado o mundo da prostituição, desfaz-se
qualquer noção de aplicação dos conteúdos jurídicos, desfaz-se a ordem jurídica como tal
estabelecida e desfaz-se uma série de outros elementos que permeiam as relações sociais,
adstritas apenas ao fato como uma coisa.
6 UMA DECISÃO JUDICIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeiramente, é importante ressaltar que a decisão da Ministra Maria Thereza de
Assis Moura não é disponível em sua integralidade em razão do sigilo judicial, motivo este
que gera análise dos argumentos com base em notícia veiculada no site do próprio Superior
Tribunal de Justiça (STJ, 2012) 2.
Além do mais, não é possível analisar a questão à luz de argumentos trazidos por
outros julgados visto que não pode haver uma matéria unicamente relacionada ao direito
afetado, pois não se pode desconsiderar os fatos que ocorrem em cada caso concreto.
Funda-se a decisão com base na redação anterior do artigo 224 do Código Penal, o
qual estipulava que é presumida a violência, se a vítima não é maior de catorze anos. Ou seja,
caso se mantenha relação sexual com qualquer menor de catorze anos, entende-se que esta
2 A notícia d a qual se extraem os argumentos da Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura está no link
, datada de 27 de
março de 2012.
João Carlos da Cunha Moura
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relação é fruto de violência (por mais que esta não aconteça em sua forma física). A proteção
neste caso era algo mais objetivo que subjetivo, isto é, ligava-se à idade à época do fato,
pouco importando condições de vivência. Inclusive, julgados do Supremo Tribunal Federal
corroboram a ideia partilhada pela magistratura de que a violência como tal se apresenta no
aludido artigo não é relativizada por condições, mas absoluta em razão da faixa etária da
vítima (CAPEZ, 2007, p. 57-58).
Pela necessidade da aplicação da lei penal no tempo, conforme fica estabelecido que o
fato deve ser analisado de acordo com a regra que à época vigia, ainda que a decisão seja dada
em momento posterior, quando houve alteração. No caso específico aqui estudado, a lei
vigente que definia o crime era inserta no extinto artigo 224 e incisos do Código Penal, sendo
hoje estabelecida pelo artigo 217-A e parágrafos, do mesmo Código Penal.
Em que pese neste texto a análise do caso ser restrita apenas a algumas falas da
Ministra Relatora do processo, parece que o âmbito social em que se deu a relação não chega
a de que entre os agentes esteja alguém de padrão “culto”, o que mobiliza as atenções apenas
para as vítimas. “Pedofilia” e/ou “doença mental” do autor dos casos de violência e
exploração sexual parecem ser apenas discutidas para tangenciar as explicações de crimes
cometidos por pessoas em posições ou profissões tidas como cultas ou que precisam de
determinado conteúdo das áreas do conhecimento (LOWEKRON, 2007, p.738).
Assim, ao que parece, imputa-se uma condição subjetiva de maioridade para menores
de idade que já praticaram determinado ato, no caso, um ato sexual. O caso julgado pelo
Superior Tribunal de Justiça acaba tendo uma especificidade que impele aos mais apressados
uma análise rasa das condições em que se deu o fato ao qual se insere o artigo, qual seja, o
fato de as meninas que mantiveram relação sexual estarem em situação de prostituição.
Ainda que se possa argumentar, conforme alguns autores de manuais doutrinários do
Direito Penal (NUCCI, 2008; CAPEZ, 2007; MIRABETE, 2001), que pode haver extinção da
punibilidade por conta do “erro de tipo”, por não demonstrar fisicamente sua idade, o caso
julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, encontra amparo não em características físicas, mas
em um jogo de relações sociais que ao chamar o erro de tipo a lume, sob o argumento de que
as meninas eram, pela “própria natureza das coisas”, prostitutas, vem desconstruir a
menoridade da vítima, que se transforma em maior de idade e culpada pela sua condição
(LOWENKRON, 2007, p. 725).
As meninas perderam sua condição de sujeito de direito, mas, antes, são sujeitas ao
Direito, posto que são colocadas dentro de um sistema de leis que gere os ilegalismos criado
pelo próprio sistema de leis. Como explica Deleuze (1988, p. 39), é uma forma de garantir

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