Propriedade territorial urbana - tributação - valoração estado e município de São Paulo

AutorJosé André Beretta Filho
Páginas156-177

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A tributação da propriedade territo-. rial urbana no Brasil deveria ter por base o valor que essa propriedade tem, o que, em princípio, decorreria do valor atribuído à transação que a envolveu em sua geração inicial e em momentos subsequentes, quando de ações feitas que agregaram ou retiraram valor a ela (ex.: edificações, demolições etc.), ou quando de sua movimentação, em particular na transferência de sua titularidade proprietária.

No entanto, não é exatamente isso que ocorre, como se verá a seguir, uma vez que a tributação da propriedade territorial urbana é feita com base em vários conceitos, muitos dos quais apoiados em ficções jurídicas e elementos exógenos ao tributo e à propriedade. Assim por exemplo, no caso do Imposto Predial e Territorial Urbano -IPTU, o valor da propriedade, que é o que deveria ser tributado, não é em si um dado relevante, sendo que o imposto é calculado a partir de uma série de elementos que a legislação criou para cobrá-lo, desnaturan- do o tributo, algo que, dentro de um contexto de estrita legalidade, é de duvidosa validade.

Como consequência, o que este breve estudo pretende levantar é um debate quanto à efetividade da adoção desses critérios e de seus eventuais limites, tendo-os como elementos que buscam apenas permitir o aumento da arrecadação ao arrepio dos preceitos constitucionais e legais, isto como o resultado de múltiplas causas em interação, dentre elas: (i) a inexistência de uma política financeira estatal que estruture o estabelecimento de políticas arrecada-tórias de longo prazo e que viabilizem o desenvolvimento de cada ente federativo -União, Estados e Municípios; (ii) a presunção de que se pode instituir normas tributárias que violem preceitos constitucionais e legais de modo impune, sobretudo quando baseadas no conceito de que, ainda que alguns contestem, como a maioria não o fará, a uma razoável garantia de que haverá sucesso no aumento da arrecadação; (iii) o

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nível de dificuldades que os jurisdiciona-dos têm para se oporem às exigências indevidas (um complexo sistema processual, lento e de custo elevado para ser movimentado - custas, emolumentos, honorários etc.); (iv) a tibieza do Judiciário ao impor travas à ação normativa indevida, por vezes até mesmo pela falta de conhecimentos dos julgadores; e (v) a baixa mobilização popular para cobrar dos Poderes constituídos práticas razoáveis.

Essa deformação jurídica é difundida e defendida como necessária à consecução dos interesses sociais e como algo inevitável para viabilizar as ações estatais. Mas ela deve ser enfrentada, de modo que a atua-ção do Estado seja reposta em seu eixo dentro de um Estado de Direito, isto pela introdução, nos debates judiciais e doutrinários, essas falhas, de modo a que se declare que a forma adotada para tributar, em particular no caso do IPTU, não é constitucional.

Para fazer esse enfrentamento, são necessárias algumas observações sobre o tema, de modo a precisar alguns de seus aspectos mais relevantes.

I - Aspectos gerais sobre a propriedade territorial urbana

A propriedade imobiliária territorial urbana no Brasil é objeto do interesse tributário de parte de quatro impostos diferentes: o IPTU; o Imposto sobre Transmissão Inter Vivos - ITBI; o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação -ITCMD; e o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza - IR. Com-pulsoriamente, cada um desses impostos é exigido e apurado sob bases diferentes. Não obstante, fatos geradores e bases de cálculos a parte, todos eles levam, ou deveriam levar, em consideração um valor atribuído a essa propriedade.

O IPTU tributa a propriedade em sua imobilidade. Já o ITBI, o ITCMD e o IR impõem a tributação em situações onde a propriedade está se deslocando, movendo-se de um ou mais proprietários para um ou mais novos proprietários.

O IPTU e o ITBI são impostos cuja competência tributária foi assinalada às Prefeituras, enquanto que o ITCMD aos Estados e o IR à União.

No Direito brasileiro, a propriedade imobiliária é obrigatoriamente sujeita a registros públicos e a transferência de sua propriedade sempre exige a atualização desses registros (exemplo: art. 1.245 do Código Civil - CC), sendo que a transação que dá origem ao processo de registro requer instrumento público (basicamente a escritura pública, art. 108 do CC, ou outro instrumento com tal valor, como um título judicial).

O processo de registro da propriedade e sua transferência, que é descrito pela Lei n. 6.018/1973 - Lei dos Registros Públicos - LRP, impõe inúmeras obrigações às partes envolvidas e ao Registro Público quanto à checagem da legalidade e da veracidade daquilo que se registra. Essas mesmas obrigações são impostas quando alterações são introduzidas ao imóvel (edificações, benfeitorias, desmembramentos etc.). Uma dessas regras, especialmente relevante nas transferências de propriedade, é a exigência do registro do valor da transação:

"Art. 176. O Livro n. 2 -Registro Geral - será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro n. 3. (...)

"§ 1o. A escrituração do Livro n. 2 obedecerá às seguintes normas: (...)

"I - cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei;

"II - são requisitos da matrícula: (...);

"III - são requisitos do registro no Livro n. 2: (...).

"5) o valor do contrato, da coisa ou da dívida, prazo desta, condições e mais especificações, inclusive os juros, se houver" (grifos meus)

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Cabe apontar, ainda, que cada imóvel deve ser objeto de registro (matrícula) individual, pelo que a propriedade é sempre individualizada e personalizada (as demais regras da LRP deixam claro quais os outros elementos que devem descrever e individualizar cada imóvel: endereço, metragem, edificações ou não etc.).

Outro ponto a ser destacado é que praticamente tudo aquilo que diz respeito à integridade estrutural do imóvel deve ser objeto de formalizações perante os Poderes Públicos. Isso é claro na medida em que edificações, demolições e reformas (no seu sentido mais amplo) requerem a obtenção de autorizações junto à Prefeitura, pagamento de contribuições ao INSS, concessão de "habite-se", em muitos casos a aprovação pelo Corpo de Bombeiros e autoridades sanitárias etc. Em outras palavras, cada propriedade imobiliária urbana, seja qual for o Município, é mantida sob forte vigilância por parte do Poder Público, o que é um indicativo de que existe o exercício de um enorme poder de polícia sobre essas propriedades individualmente consideradas.

Destaca-se de tudo o quanto exposto acima que a propriedade imobiliária é indi-vidualizável em suas características físicas e valorativas e sujeita a um contínuo poder de polícia por parte do Poder Público. Esses aspectos serão importantes na sequência deste estudo uma vez que irão contradizer algumas práticas adotadas, até mesmo pelo Poder Judiciário, na apreciação da tributação sobre essa propriedade imobiliária.

II- Valor da propriedade imobiliária urbana
II 1 - Imposto sobre Transmissão "Causa Mor tis" e Doação - ITCMD

Trata-se de imposto de competência estadual e que está descrito no art. 155,I, da Constituição Federal (CF) e que é exigível quando bens ou direitos são transmitidos entre pessoas.

No caso do Estado de São Paulo, esse imposto é regido pela Lei n. 10.705/2000 e suas alterações posteriores:

"Art. 9°. A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

"§ 1o. Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação. (...).

"§ 4°. Para a apuração da base de cálculo poderá ser exigida a apresentação de declaração, conforme dispuser o regulamento.

"Art. 10. O valor do bem ou direito na transmissão causa mortis é o atribuído na avaliação judicial e homologado pelo Juiz.

"§ 1o. Se não couber ou for prescindível a avaliação, o valor será o declarado pelo inventariante, desde que haja expressa anuência da Fazenda, observadas as disposições do artigo 9°, ou o proposto por esta e aceito pelos herdeiros, seguido, em ambos os casos, da homologação judicial.

"§ 2°. Na hipótese de avaliação judicial ou administrativa, será considerado o valor do bem ou direito na data da sua realização.

"§ 3o. As disposições deste artigo aplicam-se, no que couber, às demais partilhas ou divisões de bens sujeitas a processo judicial das quais resultem atos tributáveis.

"Art. 11. Não concordando a Fazenda com valor declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio, instaurar-se-á o respectivo procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, para fins de lançamento e notificação do contribuinte, que poderá impugná-lo.

"§ 1o. Fica assegurado ao interessado o direito de requerer avaliação judicial, incumbindo-lhe, neste caso, o pagamento das despesas.

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"§ 2o. As disposições deste artigo aplicam-se, no que couber, às demais partilhas ou divisões de bens sujeitas a processo judicial das quais resultem atos tributáveis.

"Art. 13. No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:

"I - em se tratando de imóvel...

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