A propriedade intelectual na OMC

AutorMarcelo Dias Varella; Maria Edelvacy Pinto Marinho
Páginas484-501

Marcelo Dias Varella. marcelo.varella@laposte.net

Maria Edelvacy Pinto Marinho. mariaedelvacy@yahoo.com.br

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Considerações Iniciais

A propriedade intelectual12 é um dos principais instrumentos entre as disputas multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Alemanha, França e Holanda, fortes inovadores de tecnologia tentam de tornar as normas internacionais cada vez mais rígidas. Assim, impedem que outros países, com a capacidade de adaptar novas tecnologias e reproduzi-las possam concorrer em mercados mais livres. Entre os países adaptadores, encontramos grande parte dos demais países industrializados, assim como regiões dos países em desenvolvimento: sudeste brasileiro, região de Buenos Aires, de Istambul, do Cairo, leste da China, Sul da Índia, Norte do México. Os demais países procuram defender seus interesses nas negociações multilaterais, mas, na maioria dos casos, são meros espectadores.

O conceito de propriedade intelectual é apresentado sob dois prismas; um enfatiza a idéia de monopólio3, sendo entendido como um direito exclusivo, outro posicionamento reflete a idéia de que se protege os direitos do pensamento, sendo uma concepção mais humanista.. A abrangência dos direitos de propriedade intelectual alcança as obras literárias, artísticas e científicas; as interpretações dos artistas-interpretes, a execução, os fonogramas, as marcas de indústria e comércio, as topografias de circuitos integrados; produtos e processos de fabricação em matéria farmacêutica, biotecnologia e, em alguns países, inclusive seqüências de DNA humano.

A proteção destes direitos imateriais é feita mediante uma concessão de monopólio temporário pelo Estado ao autor ou inventor. Em se tratando de patentes de invenções, este prazo é de vinte anos. Dá-se a garantia que para uso da obra ou invenção, por exemplo, deverá ser feito mediante autorização, garantindo a devida retribuição de modo que os custos sejam recompensados, estimulando, em um último momento, o constante investimento em inovação. Além disso, ao revelar a tecnologia utilizada no invento, o Estado permitiria aos concorrentes que aperfeiçoassem a inovação diminuindo, em tese, o tempo necessário para desenvolvimento de outro produto.

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A presença do Estado neste caso parece numa primeira análise ser contrária com os fundamentos do Estado liberal. A razão, entretanto, para que a concessão de monopólios seja coerente com o desenvolvimento do liberalismo (não interferência do Estado, livre concorrência) é explicada pela teoria do market failure. Segundo esta, o Estado interferiria no mercado para assegurar o equilíbrio, corrigindo uma falha da livre concorrência. Isso porque a ausência de proteção da propriedade intelectual desestimularia o investimento em pesquisa diante da possibilidade de se copiar livremente.4 Neste sistema, o Estado não só concederia o direito exclusivo, mas também deveria fiscalizar o abuso destes direitos impedindo práticas nocivas ao mercado.

Quando se analisa o contexto Norte-Sul, contudo, observa-se o questionamento da eficiência do sistema. Um dos principais argumentos em defesa da propriedade intelectual seria o de servir de estímulo ao investimento em P&D, posto que asseguraria a essas empresas o retorno do capital investido5. Dessa forma, os participantes entram nas discussões em desigual situação. De um lado os países centrais (do norte) responsáveis por 84% de toda a pesquisa mundial e de outro os em desenvolvimento ou subdesenvolvidos (do sul) que as utilizam mediante o pagamento de royalites6. Diante das desigualdades tecnológicas entre Norte-sul, pode-se apontar três posicionamentos no tocante a relação entre propriedade intelectual e desenvolvimento. Existem os que defendem que os países em desenvolvimento foram prejudicados ao adotar normas de propriedade intelectual já que por não produzirem tecnologia, exportarão divisas para países detentores, alimentando o ciclo de dependência com os países desenvolvidos.. O outro ponto é que as normas de propriedade intelectual seriam um instrumento para o desenvolvimento.7 Há também autores advogam que os posicionamentos descritos acima são equivocados porque a propriedade intelectual em si não traria mecanismos de distribuição de renda.8

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1. A inserção da propriedade intelectual na OMC

A negociação da Propriedade intelectual na OMC consolidada no Trips, representou uma modificação no tratamento internacional da propriedade intelectual. A Convenção de Paris permitia aos países aceitarem ou não o conjunto normativo negociado internacionalmente, deixando a cargo dos países definirem quais setores seria interessante proteger, desde que os nacionais e os estrangeiros tivessem o mesmo tratamento. Países de industrialização tardia como o Japão e a Suíça e até mesmo o Reino Unido utilizaram dessa possibilidade. A CUP9 previa uma “ampla liberdade legislativa”10. Os princípios basilares da Convenção foram: o tratamento nacional, a prioridade, independência das patentes e a repressão do abuso do direito de patente.11 A Convenção de Berna de 1886 que versava sobre obras artísticas e literárias apresentava também como princípio o tratamento nacional.

Apesar da estrutura da propriedade já se encontrar alicerçada, a recusa dos países em desenvolvimento em discutir um tratado complementar a Convenção de Paris quanto a patentes em 1991 em Haia fez com que os países desenvolvidos levassem o tema para o GATT.12 Na Rodada de Montreal de 1998 foram analisados os resultados da Rodada do Uruguai. Diante da recusa dos países em desenvolvimento de discutir propriedade intelectual no âmbito do GATT, mas sim na OMPI, onde poderiam fazer uso da flexibilidade da Convenção, os países desenvolvidos afirmaram que a condição para o prosseguimento das negociações era a negociação do TRIPS. Somado a isto, os países detentores de tecnologia afirmaram que na ausência deste Acordo as sanções econômicas unilaterais prosseguiriam contra aqueles que não tivessem legislações adequadas para a proteção da propriedade intelectual.13 Como exemplo dessa prática em 1991, o Brasil teve um prejuízo na ordem de US$ 290 milhões em virtude da sobretaxação de alguns de seus produtos como o suco de laranja e a celulose exportados aos EUA por não ter a época legislação sobre propriedade intelectual considerada adequada..

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A escolha do Brasil se explica pelo papel que este ocupava frente aos países do Sul na exclusão de alguns setores de proteção, principalmente a indústria de informática, pelo importante mercado consumidor dos produtos farmacêuticos e pela alta dependência das exportações brasileiras em relação ao mercado norte-americano. Em razão das pressões externas e da Rodada do Uruguai, foi aprovada a lei 9.279/96 sobre propriedade intelectual no Brasil. Da mesma forma, certos países africanos e asiáticos foram pressionados pela União Européia, a exemplo da Turquia e do Egito, e pelos próprios Estados Unidos, conforme as zonas de influência de cada país. Nos países do Sul, consolidou-se a visão de que a inserção de cláusulas de propriedade intelectual em acordos comerciais constituiu meio de coação dos países desenvolvidos sobre os países dependentes de tecnologia.

De fato, os países do Sul não tiveram opção de não aderir ao TRIPS. A sua negociação foi incluída no single undertaking da OMC, ou seja, fazia parte do conjunto obrigatório de acordos a serem aceitos, sem a possibilidade de reservas para o ingresso na OMC. O custo da não adesão do acordo importaria portanto no não ingresso na OMC. Ao analisarem a relação Norte-Sul diversos autores14 citam o acordo TRIPS como símbolo das perdas para os países do Sul, que tiveram que arcar com os custos do sistema sem que estes fossem refletidos no desenvolvimento dos países. A possibilidade de não ser alvo de sanções unilaterais foi um fator importante na aceitação do TRIPS.

Atualmente, o caso da sobretaxação de produtos brasileiros, poderia apresentar diferente resultado. A OMC não aceita medidas unilaterais, sem um processo prévio de negociação, podendo ser inclusive um instrumento compensador de desigualdades econômicas, caso os acordos internacionais sejam utilizados de forma inteligente pelos países membros.15

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A finalidade de se regulamentar a propriedade intelectual no âmbito da OMC pode ser delimitada em dois objetivos16: a eliminação de barreiras não tarifárias e a proteção da propriedade privada. Dessa forma, não seria possível que só um Estado arcasse com os custos das pesquisas podendo este ser dividido entre os consumidores mundiais e sendo declarada como propriedade privada, em tese, se estaria evitando o confisco.

Nessa perspectiva, podem ser apontados como fatores que justificavam a necessidade por parte dos países desenvolvidos do estabelecimento do TRIPS: a crescente participação dos produtos com altos investimentos em P&D, o desenvolvimento de tecnologias que permitem cópias a baixo custo, o processo de globalização e homogeneização dos mercados, o aumento da parcela de custos em P&D no custo final dos produtos e a redução do ciclo de vida dos produtos17.

Diante do alardeado sucesso do tratamento da propriedade intelectual no que concerne a efetividade das normas propostas, observa-se o questionamento da função da OMPI. A necessidade de um órgão como a OMPI estaria nos objetivos duas instituições. Enquanto a OMC objetiva garantir a propriedade intelectual desde que esta esteja relacionada com o livre comércio, a OMPI advoga uma proteção eficiente da propriedade intelectual.18

Dessa forma, a estreita relação entre propriedade intelectual e comércio foi definitivamente firmada com introdução...

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