A propriedade intelectual na internet e a questão dos nomes de domínio

AutorNewton Silveira
Páginas26-33

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Noticia-se que a taxa de inclusão I na Internet deve crescer 24% ao ano, dobrando de tamanho a cada três anos. A Internet é um instrumento de democratização.

Talvez, finalmente, esteja se concretizando um dos direitos fundamentais do homem, expresso no art. XXVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos (aprovada pela ONU, em 10.12.1948): "Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios".

A questão que se coloca é a 2° alínea do mencionado art. XXVII: "Todo homem tem o direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor".

Já vai longe o tempo da Lei Le Chape-lier (1791), ocasião em que se declarava que a criação (artística ou industrial) representava a mais sagrada das propriedades. Hoje, via de regra, esses direitos estão nas mãos das grandes empresas transnacionais e não constituem mais uma questão de sa-cralidade, mas de política económica internacional...

Na rede mundial de computadores circulam bens, objeto tanto de direitos autorais como de propriedade industrial (patentes, marcas e desenhos industriais). Para tentar evitar a pirataria, a tecnologia inventa métodos de codificação e encriptação.

Isso porque a chamada "pirataria" de músicas por intermédio do software MP3 permite o acesso gratuito a obras musicais. Um verdadeiro acesso democrático ao mercado de discos. O chamado Projeto Madi-son, patrocinado pela IBM e os cinco maiores selos da indústria fonográfica (BMG, EMI, Sony Music, Universal Music e Warner Music), tenta criar um standard que permita aos consumidores pagar pelas músicas que recebam via Internet.

No entanto, há que diferenciar aqueles que promovem uma comunicação pública dos usuários do sistema. Estes, ao reproduzirem uma gravação para uso próprio, praticam algum ilícito?

Coloca-se, aqui, de novo, a questão do art XXVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos e seu conflito imanente: os direitos do usuário e os do autor acham-se em contraposição? Ou essa remuneração compete aos que divulgam a obra e dessa divulgação obtêm renda? Onde fica a democratização das informações?

Sílvia Gandelman, escrevendo sobre o tema em "A propriedade intelectual na era digital - A difícil relação entre a Internet e alei" ((http://www.gilbertogil.com.br)) escreve: "As sanções que se prevêem até o presente momento dificilmente atingem o usuário final que, em última análise, será o pirata".

E, mais adiante, escreve a ilustre autora: "No entanto, com a utilização da gigantesca copiadora que é a Internet, qual-

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quer indivíduo pode gravar em seu computador a cópia perfeita de um banco de dados completo ou de clip de vídeo inteiro. Será isto ainda fair usei".

Termina a autora seu texto com a indagação: "Quando pensamos em regulamentar o uso de informação e particularmente na proteção de direitos, onde traçar a linha entre os interesses dos detentores de direitos e os dos usuários?".

A respeito desse tema, a própria justiça norte-americana titubeia. Uma juíza nor-te-americana havia concedido liminar determinando que a Napster Inc. cessasse a distribuição de música via Internet à partir da meia-noite do dia 26 de julho. Essa decisão foi revogada pelo tribunal local, em virtude de recurso da Napster alegando que não havia meios para controlar o compartilhamento de arquivos para o pagamento de direitos autorais.

Em minha opinião, há que separar o que é público e o que é privado, sob pena de sacrificar-se ó próprio princípio do humanismo, expresso na Convenção Universal dos Direitos Humanos.

Há, também, que distinguir o que é empresarial, do que é do cidadão, como decorrência necessária.

Quando a nova Lei de Direitos Autorais brasileira, n. 9.610, de 1998, alterou o texto relativo à cópia privada, realizou uma verdadeira invasão do ambiente privado. Assim é que o art. 46, II, da referida Lei, estabelece que: "Não constitui ofensa aos direitos autorais: II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista desde que feita por este, sem intuito de lucro;".

Se tomarmos o texto legal ao pé da letra, as ansiedades de Sílvia Gandelman estarão atendidas: não posso copiar, via Internet, bases de dados, livros, músicas ou filmes por inteiro, para meu próprio uso.

Estarei, então, praticando uma infração de direitos autorais, sujeito a uma busca e apreensão no recesso de meu lar!

No entanto, numa interpretação sistemática, não devemos desconsiderar o texto do art 68 da mesma Lei, que estabelece que depende de prévia e expressa autorização do autor a utilização de obras teatrais, composições musicais òu lítero-musicais e fonogramas em representações e execuções públicas.

Assim, posso representar ou executar em ambiente privado, mas não posso copiar...

A cópia privada, mesmo que por inteiro, equivale à representação e execução privadas.

Outra coisa é a divulgação (publicação ou distribuição) e o uso com intuito de lucro, empresarial, portanto.

Em face dessa nova realidade que é a Internet, devemos desagravar e democratizar o uso privado, e agravar, em contrapartida, o uso público e empresarial, privilegiando, assim, tanto o usuário quanto o autor e o empreendedor, os quais devem ser estimulados.

Não é chamando o usuário de pirata, que vamos resolver a questão.

Em judicioso artigo publicado nos Annales de L'Université des Sciences So-ciales, Ed. 1998, Jacques Larrieu discorre acerca do tema sob o título "Idée et pro-priété".

Inicia seu texto fazendo remissão ao art. XXVII da já mencionada Declaração Universal dos Direitos do Homem, afirmando que "nesse texto curioso, dois interesses antagónicos, o direito a participar da informação e o direito de autor, são igualmente celebrados como um direito do Ho-mem".

Em seu texto, destaca a contraposição entre o domínio público das informações e...

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