Propriedade intelectual e inovação - uma análise do sistema estabelecido pelo trips

AutorMarianne Mendes Webber
Páginas308-327

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Introdução

Um dos temas mais discutidos, e talvez um dos mais apaixonantes, em matéria da disciplina do Direito da Propriedade Intelectual nos dias atuais é a correlação entre a inovação e o sistema de proteção dos direitos da propriedade intelectual. O tema tem relação estreita com as teorias econômicas que avaliam os motores da inovação e as políticas públicas adotadas pelos países nos mais variados graus de desenvolvimento. Nesse diapasão, centraremos a nossa análise nos instrumentos e nas discussões internacionais que constituem o plano de fundo da inovação e sua regulamentação jurídica.

Iniciaremos a nossa exposição com a análise do conceito jurídico de inovação, consoante os instrumentos de soft law internacionais, bem como em conformidade com a legislação brasileira atualmente em vigor. Passaremos, então, à análise dos tra-tados internacionais que versam sobre a proteção dos direitos de propriedade intelectual, bem como das fases de negociação que os precederam, com o objetivo de identificar as disposições relacionadas à inovação, os posicionamentos dos países envolvidos e a verificação da conformidade no cumprimento dos tratados.

Procederemos então à análise do sistema jurídico brasileiro e da legislação que serviu de inspiração ao modelo atualmente adotado, com a finalidade de apontar os contornos do regime implementado e os possíveis problemas que poderão ao longo do tempo ser constatados. Pretendemos também contrapor as posições da doutrina mundial sobre a correlação entre o sistema de proteção dos direitos de propriedade intelectual e do estímulo à inovação, seguindo à análise da via de reforço dos direitos de propriedade intelectual e das suas consequências.

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Finalmente, tentaremos identificar as correntes contemporâneas sobre a modificação do sistema de propriedade intelectual, especialmente no tocante aos seus objetivos, bem como buscaremos clarificar o posicionamento dos países em desenvolvimento em relação ao tema e as sugestões oferecidas pelos estudiosos para que tais países defendam seus interesses internacionalmente.

1. Conceito de inovação

O conceito de inovação está intimamente conectado às teorias econômicas associadas. Schumpeter, que se filia à teoria do desenvolvimento econômico, entende a inovação como o principal impulsionador do sistema capitalista,1 abarcando dois subconceitos o de criação em sentido amplo2 e o de inovação propriamente dita.3 A inovação, nesse diapasão, é tida como o processo da destruição criadora, substancialmente modificadora do modo de fazer relacionado aos sistemas produtivos anteriores.4

Nessa esteira, Robert Solow percebeu que para além do capital e do trabalho existia um fator residual que contribuía para o desenvolvimento e progresso tecnológico, o qual ficou conhecido como resíduo de

Solow.5 Paul Romer desenvolveu a teoria apresentada por Solow, descrevendo as variáveis que contribuem para o desenvolvimento econômico. Com o desenvolvimento destas descobertas, e com o aperfeiçoamento da teoria proposta por Schumpeter, foi concebida uma nova teoria do desenvolvimento econômico, que entende a inovação como ponto central do desenvolvimento econômico.6

Em 1963, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou a primeira versão da Proposta de Normas Práticas para Inquéritos de Pesquisa e Desenvolvimento Experimental, mais conhecido como Manual Frescati, o qual é atualizado de tempos em tempos, tendo a 6a ed. sido publicada em 2002. Tal documento define como ativi-dades de inovação tecnológica o conjunto das "etapas científicas, tecnológicas, organizacionais, financeiras e comerciais, incluindo os investimentos em novos conhecimentos, que levam ou que tentam levar à implementação de produtos e de processos novos ou melhorados".7

Em 2005 a OCDE publicou a 3a ed. da Proposta de Diretrizes para Coleta e Interpretação de Dados sobre Inovação, conhecida como Manual de Oslo, o qual define inovação como "a implementação de um

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produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas".8

O primeiro elemento do conceito adotado pelo Manual de Oslo refere-se à inovação de produto, concebido como aquele bem ou serviço novo ou significativamente melhorado. Tal disposição inclui aperfeiçoamentos significativos em especificações técnicas, componentes e materiais, software do produto, acessibilidade ou outras características funcionais. O segundo elemento, a inovação de processo, corresponde a um método de produção ou entrega novo ou significativamente melhorado, incluindo modificações significativas nas técnicas, nos equipamentos e/ou software. A inovação de marketing refere--se a um novo método de marketing que envolva mudanças significativas no design ou empacotamento do produto, colocação do produto no mercado, promoção do produto ou preços. Já o quarto elemento, a inovação organizacional, relaciona-se a um novo método organizacional em práticas negociais, organização do espaço de trabalho ou relações externas.9

No arcabouço jurídico nacional, a Lei n. 10.973/2004 (Lei da Inovação) veio implementar os arts. 218 e 219 da CF.10 O art. 2°, IV, da Lei de Inovação, define inovação como a "introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços". São excluídos da definição da inovação "os trabalhos científicos ou de cunho técnico, que não participem direta e medularmente desse processo",11 bem como os trabalhos de prospecção de campo de pesquisa e os processos de aperfeiçoamento de gestão tecnológica.

Barbosa descreve, para tal efeito, que a "inovação será um passo no procedimento que vai desde a criação até o uso social desta; representa o estágio em que essa criação chega ao ambiente produtivo ou social. Não é qualquer novidade ou aperfeiçoamento; uma nova obra de arte, ou proposta teórica relativa à epistemolo-gia, conquanto nova ou aperfeiçoada, não será, à luz desta Lei 10.973/2004, inovação. Inovação é também a chegada de uma utilidade no ambiente social, com ou sem efeitos no sistema produtivo".12

JáaLein. 11.196/2005 (Lei do Bem13), no § 1° do art. 17, bem como o art. 2°, I, do Decreto n. 5.798/2006, que regulamenta a Lei do Bem, define inovação tecnológica como "a concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado".

Parece-nos, pela análise destes dispositivos, que a opção do legislador nacional foi a adoção de um conceito de inovação baseado nas recomendações do Manual Frescati, mais restrito e inflexível do que aquele proposto pelo Manual de Oslo.14

Os conceitos trazidos parecem indicar que o conceito de inovação é tradicionalmente amplo, ultrapassando os direitos de propriedade intelectual, não se con-

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fundindo com o termo "invenção".15 Isso significa, que nem toda inovação poderá ser objeto de proteção pelos direitos de propriedade intelectual, através do registro de patentes, desenhos industriais ou outras modalidades de direitos. Apesar de não se confundirem, a inovação e a propriedade intelectual estão intimamente associados, uma vez que o sistema de proteção aos direitos de propriedade intelectual tem por objetivo a promoção da inovação, como veremos a seguir.

2. A inovação e os tratados internacionais
2. 1 Histórico das disposições sobre inovação nos tratados internacionais em matéria de propriedade intelectual
2.1. 1 As Convenções da União de Paris e da União de Berna

O primeiro tratado multilateral de vocação universal para proteção de direitos atualmente compreendidos dentre aqueles que denominamos de propriedade intelectual foi a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, conhecida também como Convenção da União de Paris (CUP), assinada em 20 de março de 1883.16 O art. 1o da CUP determina o escopo da proteção dos direitos de propriedade industrial, os identificando como as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, os nomes comerciais e as indicações de proveniência ou denominações de origem, e estabelece como objetivo a repressão à concorrência desleal.

Em 9 de setembro de 1886, a Convenção de Berna relativa à Proteção das Obras Literárias e Artísticas, também co-nhecida como Convenção da União de Berna (CUB), foi assinada pelos países que haviam participado da conferência a ela relacionada. O objeto da CUB era a proteção dos direitos dos autores sobre as suas obras literárias e artísticas.17 A CUB deixava à discricionariedade dos Estados a regulação dos direitos protegidos, levando em consideração unicamente os interesses regulatórios domésticos...

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