Propostas de Instituição do Parto Anônimo na Legislação Brasileira

AutorEriton Geraldo Moura Vieira
CargoMaestro em Direito
Páginas10-22

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1. Introdução

A cada dia tem crescido o número de abortos e de recém-nascidos abandonados no Brasil. Isso se deve, em muitas das vezes, à gravidez indesejada e à baixa renda de algumas famílias para propiciar uma boa qualidade de vida a esses recém-nascidos. Com isso, é comum nos noticiários a informação de crianças que são alijadas em lixões, ruas, hospitais e até mesmo em rios e lagoas.

Em virtude de tais acontecimentos, surgiu no universo jurídico o instituto do parto anônimo, que tem como finalidade minimizar as práticas de abandono e aborto, dando às mães condições de prosseguir até o parto de uma forma saudável, sendo que logo em seguida ela mesma poderá doar o bebê, mantendo o anonimato de sua identidade.

Diversos projetos de lei surgiram a partir de 2008 repercutindo de forma incisiva no ordenamento jurídico brasileiro, como por exemplo o PL 3220/08, de autoria do deputado federal PT/BA Sérgio Barradas Carneiro, que visa regular o direito ao parto anônimo elencando condições e diretrizes para a sua realização. Referido projeto de lei produz reflexos na esfera penal, uma vez que isenta a mãe de toda e qualquer responsabilidade criminal em caso de abandono de crianças em hospitais, postos de saúde ou unidades médicas.

Os defensores do parto anônimo acreditam que este instrumento é uma grande evolução no ordenamento jurídico, uma vez que o número de abortos e abandono de recém-nascidos irá diminuir consideravelmente, e defendem ainda que a mera criminalização da conduta não bastaria para evitar as trágicas ocorrências.

Não obstante, há quem defenda que o instituto do parto anônimo fere princípios e garantias constitucionais, como o direito à identi-dade biológica, e ainda vai contra os direitos da criança e do adolescente consolidados no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesse contexto, o presente estudo visa discorrer acerca do parto anônimo e suas implicações no ordenamento jurídico pátrio, além de mostrar o contexto histórico, os projetos de lei em tramitação, os posicionamentos doutrinários favoráveis e desfavoráveis à institucionalização do parto anônimo no Brasil e a viabilidade de implantação.

Além disso, a presente pesquisa busca apresentar, através do sopesamento dos princípios constitucionais envolvidos, possíveis soluções aos interesses em conflito.

Para obtenção dos objetivos colimados, a metodologia adotada no artigo baseou-se em pesquisa documental e bibliográfica.

2. Do parto anônimo: conceito e antecedentes históricos

O instituto do parto anônimo vem sendo utilizado e difundido em diversos países do mundo

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como uma alternativa humanizada ao aborto. Tal instituto consiste em propiciar à genitora (mãe) a possibilidade de dar à luz uma criança em total anonimato e, depois, entregá-la à adoção, ainda no hospital. Com isso, não haveria quaisquer responsabilidades da genitora para com o recém-nascido, tendo em vista que o menor seria encaixado em uma família substituta.

O instituto do parto anônimo tem sido objeto de diversos projetos de lei desde o ano de 2008 e tem gerado vultosos e importantes debates entre os estudiosos do direito no Brasil.

Embora relativamente novo no ordenamento brasileiro, tal preceito tem suas raízes em um passado muito mais remoto, remontando ao período da Idade Média.

O abandono de crianças recém-nascidas sempre existiu, em diversos períodos da humanidade. O próprio folclore romano, mais notadamente a história de Rômulo e Remo, já apresentava casos de abdicação de incapazes. A opressão social e o preconceito a que eram submetidas (e ainda hoje o são) mães solteiras ou com gravidez indesejada causavam muitas vezes o desarrimo das crianças em condições de vulnerabilidade física. Os recém-nascidos eram largados nas ruas, em rios ou ao ar livre, ficando submetidos à possibilidade de ataques de animais, aos riscos de doenças, dentre outros.

Neste contexto, foi instaurada na Idade Média, pelo papa Inocêncio III, a chamada “roda dos expostos”. Tal mecanismo consistia de um cilindro, portinhola ou tambor, construído em conventos ou santas casas de misericórdia, a fim de receber crianças rejeitadas pelas mães. O engenho fora concebido de tal forma que aquele que “expunha” (termo usado à época para denotar o abandono) a criança não era visto por aquele que a recebia. Assim, no momento que o recebedor rodava o cilindro, acionava-se um sinal sonoro (campainha) que indicava que ali havia mais uma criança.

No Brasil, a primeira roda dos expostos de que se tem notícia foi instalada em 1726 na Santa Casa de Misericórdia de Salvador. As rodas permaneceram até o século XX, sendo extintas por diversos fatores, tais como as dificuldades dos recursos para a manutenção dos expostos, as novas ideologias da medicina higienista, a falta de assistência aos expostos e as dificuldades financeiras das santas casas de misericórdia.

Muito embora a roda dos expostos tivesse o objetivo de dar condições de sobrevivência e garantir a integri-dade física às crianças enjeitadas, as instituições que as recebiam não dispunham de meios de conceder a elas bem-estar psicológico e social, seja pela falta de recursos, seja pela falta de um aparato legal que resguardasse os expostos.

Atualmente, o parto anônimo é permitido na Áustria, Estados Unidos, França, Itália, Luxemburgo e Bélgica, e vem sendo difun-dido com várias tentativas de implementação no Brasil, ainda não regulamentadas, devido às várias controvérsias que serão apontadas e analisadas no presente estudo.

2. 1 Do procedimento para realização do parto anônimo

Ao longo dos anos, houve diversas tentativas de regulamentação do parto anônimo no Brasil; todavia, até o momento, todas foram rechaçadas. Assim, não há ainda norma jurídica que trate do assunto no ordenamento brasileiro.

Os projetos de lei 2.834/08, 2.747/08 e 3.220/08 tentaram institucionalizar o parto anônimo no Brasil. Tais projetos foram apensados e, após apreciação pelas casas legislativas, rejeitados por serem considerados inconstitucionais face ao art. 227 da CRFB/88, que trata da proteção à criança. Assim, passa-se à análise do procedimento trazido por estas proposições legislativas, naquilo que lhes é comum.

Primeiramente, assegura-se à gestante o total anonimato durante a maternidade da criança, bem como a possibilidade de realização do pré--natal e do parto gratuitamente.

Muito embora seja garantido à parturiente o direito ao sigilo de seu ato, ela será advertida quanto às consequências jurídicas de sua decisão, mormente em relação aos direitos da criança à filiação e de conhecimento da origem genética.

Os projetos de lei também determinam que a mulher que realizar seu parto de maneira anônima tem o direito de ser encaminhada a atendimento psicossocial. Neste diapasão, verifica-se que não há qualquer inovação legislativa, mas tão somente uma reprodução da disposição do § 4º do art. 8º da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e Adolescente), com redação dada pela Lei 12.010/09 (Lei de Adoção). Porém, no caso do parto anônimo, o acompanhamento psicológico visa, de certa forma, ava-liar as condições da mãe biológica,

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com vistas até mesmo a demover a gestante da decisão de entregar a criança à adoção.

Os projetos de lei ainda estabelecem que, após o nascimento, a criança possa permanecer aos cuidados do hospital por um período de aproximadamente oito semanas, de acordo com o PL 2.747, ou pelo menos dez dias, de acordo com o PL 3.220, ou seja, um tempo razoável para que seja contemplada a possibilidade da criança ser reclamada pelos pais ou parentes biológicos. Estes dispositivos visam apreciar a hipótese do art. 19, § 3º, do ECA, que estabelece que “a manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência”. Se após esse prazo não houver a reclamação da criança, esta será encaminhada para adoção, seguindo os trâmites ditados pela legislação atinente à matéria.

Ressalta-se que todos os projetos de lei apresentados sobre o tema levam em consideração uma série de investimentos e intervenções a serem feitos pelo Estado de forma a viabilizar esta questão.

Assim sendo, e tendo em vista a necessidade de regulamentação deste instituto, seja via decreto, seja por outra via normativa, torna-se ainda mais difícil a efetivação do parto anônimo no país.

2. 2 Efeitos jurídicos do parto anônimo

Dentre os efeitos principais do parto anônimo, tem-se a desoneração da família biológica dos deveres inerentes à maternidade/ paternidade, a possibilidade de conhecimento a respeito da origem genética somente através de decisão judicial, a fixação do menor em família substituta, assumindo, no que couber, o procedimento previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, e a responsabilidade dos médicos, enfermeiros e do diretor do hospital pelas formalidades do encaminhamento da criança à adoção.

Quanto ao primeiro efeito, há os projetos de lei acima elencados, os quais preveem a total desoneração da mãe biológica de qualquer responsabilidade acerca da criança nascida pelo parto anônimo. Não há, neste caso, a formação de relação materno-filial, ou de quaisquer laços de socioafetividade. Observa-se que a criança, no período em que permanecer no hospital, ficaria “à disposição” da mãe biológica ou sua família para...

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