Proposta de reforma na OAB

AutorIvan Alemão
Ocupação do AutorDoutor em Sociologia pelo PPGSA da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2008)
Páginas162-170

Page 162

A AUTONOMIA DO CAMPO DE TRABALHO DOS ADVOGADOS: PROBLEMAS COM O CONTROLE DO MERCADO JUDICIAL 115

Enquanto a autonomia da OAB perante o Estado encontra-se satisfatoriamente resol-vida, tal não se dá em relação ao mercado, onde as demarcações das fronteiras jurisdicionais vivem em constante ebulição. Expomos a concorrência histórica havida entre os advogados e os provisionados, que levou à extinção destes no Brasil na década de 1970; e os conlitos entre os advogados e os estagiários na Justiça do Trabalho, que foram impedidos de postular na década de 1980. Nos anos 1990, a OAB lutou contra a não exigência de um advogado nos Juizados Especiais, o que permite ao cliente postular judicialmente por conta própria.

1. A concorrência com os provisionados e os solicitadores

Os advogados brasileiros não encontraram muita dificuldade para garantir seu espaço no mercado, pelo menos no âmbito processual. O primeiro Código de Processo Civil de abrangência nacional, redigido durante o Estado Novo (1939), garantiu a exclusividade na representação judicial, à exceção de regiões carentes de advogados. Nesse caso, conce-dia-se o direito de representação judicial aos solicitadores e aos provisionados, por meio de licenças. Mas o Estatuto da OAB de 1963 (art. 155) extinguiu o quadro de solicitadores, ressalvando o direito dos que já exerciam a proissão. Por sua vez, o Provimento n. 25 da OAB (art. 6º), de 1966, só permitiu aos solicitadores praticarem atos típicos de estagiários.

Já os provisionados, embora não diplomados, eram inscritos na OAB. Para inscreverem-se, dependiam da provisão, que era passada pelo presidente do Conselho da Seção com prazo de quatro anos, renováveis a critério do mesmo conselho, para exercício em três comarcas, no máximo, cada uma delas com um limite de três proissionais (inciso II do art. 51 do Estatuto de 1963). O Estatuto de 1963 (art. 150) manteve os direitos adquiridos desses “advogados não diplomados”, por força “do regime constitucional de liberdade de proissão”, devendo eles ser inscritos num “quadro B” da OAB, em igualdade de condições com os diplomados. Sodré (1967, p.124-7), ao comentar este artigo, airma que nunca houve o “quadro B” e que a norma se referia aos provisionados. Porém, o autor considera que, em função desse artigo, os provisionados passaram a ter direito adquirido de praticar os atos privativos dos advogados.

Page 163

Nessa época, inúmeros deputados combatiam a exclusividade de mercado dos advogados. Sodré nos fala de um projeto da Câmara, de n. 1.961 de 1964, do deputado José Rios que propunha a extensão do direito de exercer permanentemente a advocacia, em igualdade de condições com os advogados diplomados, aos provisionados portadores de curso secundário completo ou que contassem ou viessem a contar 20 anos de inscrição e efetivo exercício da proissão. Esse projeto estendia aos solicitadores, após 10 anos, os mesmos direitos. Segundo Sodré, esse projeto nivelava por baixo a proissão.

Os provisionados só podiam advogar nos juízos de primeira instância e nas comarcas em que exerciam sua proissão (art. 74 e § 2º do art. 52 do Estatuto de 1963)116. O Provi-mento n. 45, de 1978, além de impedir que obtivessem inscrição suplementar (o que lhes permitiria atuar além do local original de sua inscrição), determinou o cancelamento das já existentes. Os provisionados foram sendo extintos em face da não renovação de provisões, como ocorre com várias proissões regulamentadas: preserva-se o proissional não diplomado apenas durante um tempo para não ferir o seu direito adquirido e evitar um vazio no mercado. Foi o que se deu, em parte, com os solicitadores, que não tinham a pretensão de ser advogados, conforme os provisionados, mas de constituir outra proissão, como em Portugal117. Porém, acabavam por tirar uma fatia do mercado dos advogados. No Brasil, os solicitadores não tiveram um órgão de representação, o que facilitou a extinção de sua atividade.

2. A concorrência com estagiários na Justiça do Trabalho

Os solicitadores nunca foram representados pela OAB, mas os provisionados sim, tal como os estagiários. Para estagiar, não basta ser um estudante de Direito, é preciso inscrever-se na OAB. Ou seja, é necessário ser iliado, embora sem os direitos do advogado. O estagiário também é obrigado a pagar anuidade, ainda que o valor seja inferior ao pago pelo advogado. Estando os estagiários subordinados à OAB (como os provisionados o eram), é mais fácil para a Ordem criar regras de proibição de acesso ao mercado. Os advogados aproveitam o mercado de estagiários a seu favor, apesar da concorrência direta. Talvez o episódio que melhor retrate esse conlito foi o que ocorreu na Justiça do Trabalho na década de 1980, que narraremos abaixo.

Inicialmente, a própria OAB permitia que os estagiários praticassem atos privativos dos advogados na Justiça do Trabalho, exceto os que se referiam a dissídios cole-tivos (§ 1º do art. 4º do Provimento n. 25 da OAB de 1966). Essa Justiça realiza muitas audiências, exigindo a constante ausência do advogado de seu escritório. A prerrogativa dada aos estagiários, nesse caso, era conveniente aos advogados, que podiam enviá-los para as audiências mais simples. Esse Provimento de 1966 só pôde existir porque na Justiça do Trabalho a presença do advogado não é obrigatória. A Lei n. 5.584 de 26.6.1970,

Page 164

que tratou da assistência judiciária fornecida pelos sindicatos, também permitiu que estas entidades designassem estagiários acadêmicos de direito a partir da 4ª série, para auxiliar o patrocínio das causas na Justiça do Trabalho.

O sistema durou cerca de 20 anos sem grandes problemas e esse quadro só mudou com a importância adquirida pela Justiça do Trabalho na década de 1980 e o aumento da oferta de advogados. Aí alguns estagiários, com prazos de autorização vencidos, e/ou bacharéis não inscritos na OAB abriram escritórios precários, sendo que alguns destes operadores do Direito passaram a ser chamados “estagiários proissionais”. Na época (de 1967 a 1992), existia uma regra muito dura da OAB (Provimento n. 34/67) que impedia ao bacharel a realização do Exame de Ordem após dois anos de formado, criando uma espécie de prazo de preclusão.

A OAB reagiu, aproveitando-se de uma decisão do STF num determinado processo em que julgou nulo um recurso assinado por um estagiário. Foi uma decisão em recurso extraordinário, sobre um caso concreto, sem efeito vinculativo aos que não izeram parte da ação. Mas serviu de argumento para a OAB revogar um entendimento que existia, pelo menos, desde 1966. Surgiu, então, o Provimento n. 59, de 1986. Nessa campanha, a OAB contou, especialmente a partir de 1988, com a ajuda indireta dos Tribunais do Trabalho, que combateram as reclamações verbais, exigindo a presença de advogado.

3. A concorrência com os próprios clientes

A possibilidade de a própria parte (autor ou réu) atuar processualmente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT