Propedêutica

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas48-222

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1. Recurso e impugnação das resoluções judiciais

Durante largo período, supôs-se haver identidade científica entre o instituto processual dos recursos e as ações autônomas de impugnação às resoluções judiciais; embora ambas as classes de remédio sugiram a ideia de ataque formal aos pronunciamentos jurisdicionais, a doutrina moderna pôde estabelecer um divisor de águas suficientemente nítido, por modo a dar fim à antiga confusão acerca do conceito e da finalidade de um e de outro.

Efetivamente, nem todo meio de impugnação às decisões judiciais pode ser considerado como recurso, sem embargo de se reconhecer que esse caráter impugnativo constitui o conteúdo próprio, a característica fundamental dos remédios recursais. Diante disso, convém esclarecer que a distinção medular entre tais meios assenta no fato de que os recursos se destinam a retardar (e não a impedir, como, data venia, se vem sustentando) a formação da coisa julgada, ao passo que as ações autônomas se voltam para as decisões já transitadas em julgado. Além disso, o recurso provoca o reexame da decisão no mesmo processo (e não, necessariamente, nos mesmos autos, pois, a ser assim, ter-se-ia de concluir, contra lei expressa, que o agravo de instrumento não representa uma espécie recursal), enquanto as ações impugnativas acarretam o surgimento de uma nova relação jurídica processual. Chiovenda (“Princípios de Derecho Procesal Civil”, trad. de José Casais y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Reues, sem data, tomo II, p. 510), porém, aglutina os recursos sob a designação comum de meios de impugnação, concedendo a estes, portanto, um significado extremamente genérico.

Esses mesmos fatos revelam, por outro lado, que os recursos não têm natureza de ação, segundo o sentido processual do vocábulo, pois lhes falece uma existência autônoma; pressupõem, ao contrário, uma ação proposta, no tocante à qual se proferiu sentença desfavorável aos interesses do impugnante.

Na linha desse critério diferenciador, temos como recursos típicos, no sistema processo do trabalho, todos aqueles estampados no art. 893 da CLT, cuja enumeração, sob este aspecto, está cientificamente correta; como figura integrante das ações autônomas de impugnação destaca-se a ação rescisória, pois a sua finalidade é exatamente desconstituir os efeitos da res iudicata, conduzindo, ou não, a um novo julgamento da causa (iudicio rescissorium). Nesta classe, entretanto, não se inclui o mandado de segurança como querem alguns autores, porquanto “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado”, segundo a judiciosa orientação das Súmulas ns. 33 do TST, e 268, do STF, mais tarde reiteradas pelo inciso III do art. 5.°, da Lei n. 12.016/2009.

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Quanto ao requerimento dirigido ao juiz, com a finalidade de obter a correção de manifestos erros materiais existentes na sentença, como os de escrita, de datilografia, de cálculo etc. (CLT, art. 833), cuja possibilidade também está prevista no art. 494, I, do CPC, não se amolda a nenhuma das categorias anteriormente examinadas. Recurso não é, porque o sistema processual brasileiro não admite, salvo em situações excepcionais, a presença de mais de um meio de impugnação para cada caso (princípio de unirrecorribilidade), sabendo-se que, na espécie, a sentença pode ser objeto de recurso ordinário. Demais, no processo de trabalho o conceito de recurso está subordinado a que o reexame seja feito, regra geral, por órgão diverso do prolator da decisão impugnada e hierarquicamente superior a ele. Exceção a esse princípio eram os embargos infringentes ou de nulidade; estes, porém, foram eliminados pela Lei n. 5.542, de 24 de maio de 1968, que deu nova redação ao art. 894 da CLT. É a esses embargos que se refere o art. 649, § 1.º, da CLT, hoje, letra morta. Os embargos de declaração, embora sejam apreciados pelo mesmo órgão que proferiu a decisão censurada, não integram, a nosso ver e segundo a melhor doutrina, a classe recursal, a despeito de serem assim classificados pelo CPC (art. 994, IV).

A medida prevista no art. 833 da CLT — de que estamos a tratar — também não pode ser classificada como ação de impugnação (como fez, data venia, o ilustre Frederico Marques, obra cit., p. 117), pois a correção dos erros materiais é efetuada no mesmo processo; e nem envolve desconstituição da coisa julgada.

A oportunidade recomenda esclarecer que a correção desses erros pode ser requerida ou determinada de ofício até antes do início da execução da sentença, conforme prevê o texto legal supracitado. Na verdade, essa correção será possível mesmo depois de iniciada a execução.

Ainda sobre os embargos declaratórios, parece-nos que o legislador, por entender que eles não se inserem dentre as ações autônomas de impugnação aos pronunciamentos jurisdicionais (uma vez que não podem ser opostos às decisões passadas em julgado) e valendo-se de presumido método de exclusão, acabou por introduzi-los no elenco dos recursos (CPC, art. 994, IV) — circunstância que, em absoluto, não justifica, nem re-dime o seu desacerto, do ponto de vista doutrinário, nem autoriza a que se vejam esses embargos como um recurso sui generis.

Sem que nos propulsione qualquer intenção heterodoxa, cremos que a divisão dicotômica dos remédios utilizáveis contra as resoluções judiciais em recursos e ações impugnativas, em que pese ao fato de estar consagrada pela inteligência doutrinária, não é de todo satisfatória. Assim dizemos, porque há, no processo do trabalho, certas figuras que não se submetem, com a necessária precisão, a nenhum dos grupos em que se biparte esse sistema.

Note-se, que não estamos preconizando o banimento dessa classificação — que é útil —, mas apenas argumentando com a sua deficiência para abranger a generalidade dos casos.

Visando a contribuir para o acertamento da matéria, no plano peculiar do processo do trabalho, propomos uma classificação que compreende: a) os recursos; b) as ações autônomas de impugnação; c) as medidas saneadoras; d) as providências corretivas; e) as providências ordenadoras do procedimento; f) os atos protetivos de direitos.

Justifiquemos essa divisão sistemática.

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1.1. Recursos

Os recursos buscam, em essência, a invalidação, ou reforma, total ou parcial, da decisão (sentença ou acórdão) da qual foram interpostos. Em regra, são apreciados por órgão colegiado diverso do que proferiu a decisão e hierarquicamente superior a este.

Os recursos não instauram um novo processo; apenas dilatam, ampliam a mesma relação processual em que se manifestaram.

Como recursos trabalhistas típicos, enumeramos: 1) o de embargos infringentes, previstos no art. 2.º, II, c, e os embargos referidos no art. 3.º, III, “b”, todos da Lei n. 7.701/88; 2) o ordinário (art. 895); 3) o de revista (art. 896); 4) o de agravo de petição (art. 897, “a”); 5) o de agravo de instrumento (art. 897, “b”); 6) o agravo regimental; 7) o pedido de revisão (Lei n. 5.584/70, art. 2.º, § 1.º), a correição parcial (CLT, arts. 682, XI, e 709, II), com a ressalva que faremos, quanto a esta, no subitem 1.5., adiante. Nesse rol podem ser incluídos os embargos de declaração (CLT, art. 897-A), embora, pelas razões já expostas, seja possível colocar-se em dúvida, sob a perspectiva doutrinal, a natureza recursal desses embargos.

Há lugar, ainda, para o recurso extraordinário (Const. Fed., art. 102, III; CPC, art. 1.029), conquanto não se possa considerá-lo como típico do processo especializado; apresenta-se como uma...

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