Projetos ferroviários em Santa Catarina: as tentativas fracassadas para formar um sistema ferroviário catarinense

AutorAlcides Goularti Filho
CargoProfessor da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Doutor em Economia pelo IE/Unicamp
Páginas81-103

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Alcides Goularti Filho2

*Pesquisa financiada pelo CNPq e FAPESC

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1. Introdução

A primeira fonte documental em Santa Catarina sobre estrada de ferro é na Fala Provincial do Brigadeiro João Carlos Pardal, de 1839, que relata sobre a descoberta do carvão em Laguna. Segundo a Fala, junto às minas de carvão, suspeitavase que também havia minas de ferro, o que facilitaria na “construção de uma estrada de ferro para a pronta condução do carvão aos lugares de embarque” (SANTA CATARINA, 1839, p. 12). A descoberta de carvão nos terrenos carboníferos de Laguna despertou o interesse de alguns capitalistas brasileiros que se dispuseram a explorálo. O primeiro a se manifestar foi o Visconde de Barbacena, que por meio do Decreto 2.737/1861, obteve a concessão para “lavrar as minas de carvão de pedra nas margens do PassoDois, distrito de Laguna” (BRASIL, 1861, p. 90). No contrato anexo ao decreto a cláusula terceira previa o seguinte:

Se for necessário fazer uma estrada de ferro para o transporte do carvão, poderá o Visconde de Barbacena desapropriar o terreno preciso para leito da mesma estrada e depósitos; não podendo, dentro de uma zona de cinco léguas para cada lado, construirse outra estrada de ferro que siga direção paralela (BRASIL, 1861, p. 90).

Após onze pedidos de prorrogação do prazo, em 1874, o Decreto 5.744 concedeu a garantia de juros de 7% para a construção da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina (EFDTC), também respaldada pela Lei Provincial 740 do mesmo ano. Finalmente, em dezembro de 1880, depois de 19 anos de espera, foram assentados os primeiros trilhos ligando as minas de carvão na cabeceira do Rio Tubarão aos portos de Laguna e Imbituba.

Durante a chamada “era ferroviária” brasileira, entre 1870 e 1930, foram apresentados inúmeros projetos ferroviários em Santa Catarina. Dado o caráter da sua estrutura econômica, na sua ampla maioria, estes projetos não foram executados. Até 1880, podemos airmar que Santa Catarina era uma economia de subsistência e um território de passagem entre Rio Grande do Sul e São Paulo (GOULARTI FILHO, 2002). Neste período, a construção de ferrovias no Brasil se justiicava caso houvesse um luxo considerável de uma mercadoria destinada às exportações. No entanto,

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foram aprovadas várias concessões de privilégios e apresentados projetos regionais com o objetivo de integrar regiões não exportadora aos portos ou aos centros urbanos.

Havia no país vários complexos regionais autônomos pautados na economia agráriamercantilexportadora, como a borracha na Amazônia, o algodão no Maranhão, a canadeaçúcar no Nordeste, o cacau no sul da Bahia, o café no Rio de Janeiro e São Paulo, a ervamate no Paraná e o couro no Rio Grande do Sul. O sistema ferroviário estava condicionado a este padrão de acumulação agráriomercantilexportador, cuja integração do mercado interno faziase mais em função dos desdobramentos da acumulação dos complexos regionais, do que um projeto de Nação. A formação de uma rede ferroviária em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul voltada para os principais portos se inserem neste padrão de acumulação.

A dinâmica da acumulação em Santa Catarina era muito lenta e pulverizada, além de apresentar uma fraca divisão territorial do trabalho. O litoral era colonizado por açorianos e predominava a pesca e o plantio da mandioca e da canadeaçúcar, de onde eram extraídos a farinha, o melado e a aguardente e estava pautado na pequena propriedade. No planalto serrano predominava a pecuária extensiva, que se estendia para os campos de Palmas, e estava pautado na grande propriedade. A existência de núcleos coloniais era pontual e limitavase a Blumenau, Brusque, Joinville, São Bento do Sul, Urussanga e Criciúma, além dos núcleos localizados próximo à região da Serra do Tabuleiro. Nas colônias predominava a pequena produção mercantil com a presença do sistema colôniavenda, onde eram produzidos e comercializados alimentos derivados de suínos, laticínios, cereais, pequenos utensílios e ferramentas, bebidas e têxteis. O sistema de transporte em cada região atendia as necessidades da produção da hinterland e permitia colocar a população local em contato com outras praças maiores.

Este quadro de lenta acumulação e isolamento regional inviabilizava a implantação de projetos ferroviários que integrassem Santa Catarina e permitisse dar um salto qualitativo na base produtiva. Somente nas regiões onde havia a lavra do carvão na cabeceira do Rio Tubarão, a extração da ervamate no planalto norte e o corte da madeira no Vale do Rio do Peixe, todos destinados ao mercado externo, que viabilizouse a construção de ferrovias em Santa Catarina.

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O objetivo deste texto é analisar os projetos ferroviários frustrados que pretendiam integrar o território catarinense do ponto de vista intraregional e nacional. Daremos ênfase às concessões feitas pelo governo provincial e aos projetos ferroviários D. Pedro I, EstreitoLages, EstreitoChopim e São FranciscoAssunção, além das ligações entre a EFDTC e a Estrada de Ferro São PauloRio Grande (EFSPRG). Por último, discutiremos o Plano Geral de Viação Férrea de Santa Catarina, apresentado por Joaquim José de Souza Breves Filho em 1923.

2. As ConCEssõEs EstAduAIs

Neste item serão apresentadas as diversas concessões feitas pelos governadores entre 1891 e 1912. Merece destaque as várias concessões feitas durante o governo de Hercílio Pedro Luz, de 1895 a 1898.

2.1. Estrada de Ferro nova Capital ao Litoral – 1895

No início do primeiro governo Hercílio Luz (1895-1898) foi apresentada uma proposta para a construção de uma nova capital em Santa Catarina. A intenção era deslocar o centro administrativo do Estado para outra região afastada do litoral. Paralelo a esta iniciativa e como fator de estímulo ao projeto da nova capital, a Lei 169 de 30 de setembro de 1895 autorizou o governo do Estado a contratar com Pedro de Freitas Cardoso a construção de uma estrada de ferro e as ediicações dos prédios da nova capital.

Com garantia de juros de 6% sobre quinze contos de réis por quilômetros, a estrada de ferro deveria ser de bitola estreita e ligaria a nova capital com um dos portos do litoral. Também foi concedido o privilégio da zona de vinte quilômetros de cada eixo da ferrovia. Os prazos para entrega do projeto eram de dois anos e um ano para aprovar a planta. Caso fosse executado o projeto da Estrada de Ferro EstreitoChopim, a concessão para a construção da ferrovia perderia seu efeito (SANTA CATARINA, 1897).

Dois anos após a promulgação da lei, no dia 11 de outubro de 1897, foi editada a Lei 293, que concedeu a Pedro de Freitas Cardoso o privilégio apenas para construir uma estrada de ferro ligando a nova capital ao litoral. Ou seja, foram supridos os privilégios para a construção da nova capital,

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limitandose apenas à ferrovia (SANTA CATARINA, 1897). Em 1904, por meio da Lei 227 de 5 de outubro, o contrato com Cardoso foi rescindido por não cumprir os prazos (SANTA CATARINA, 1910).

2.2. Estrada de Ferro são Francisco a Estreito - 1895

Houve várias tentativas de ligar as colônias de Blumenau e Joinville com a capital do Estado e com os portos de São Francisco e Itajaí, com foi o caso da Estrada de Ferro EstreitoChopim, concedida pelo governo federal em 1890. Joinville comunicavase com o porto de São Francisco do Sul por meio da navegação luvial pelo Rio Cachoeira e Blumenau escoava suas mercadorias no porto de Itajaí também por meio da navegação luvial pelo Rio Itajaíaçú. Porém, ambas as colônias não mantinham contato entre si, nem com a capital do Estado. A navegação marítima a vapor, feita por companhias nacionais, integrava as cidades portuárias catarinenses, mas a integração com o interior ainda era muito precária.

A construção de uma ferrovia entre os principais núcleos populacionais do Estado resolveria parcialmente os problemas da diiculdade de acesso entre o litoral com interior, além de contribuir para a ixação dos colonos.

A Lei 179 de 8 de outubro de 1895, um ano após ser declara caduca a concessão federal para a Estrada de Ferro EstreitoChopim, o governo estadual concedeu a Carlos Fabris, o privilégio por 30 anos para construir uma ferrovia que partisse de São Francisco, passasse por Joinville, descesse até Blumenau e terminasse no Estreito. Frabis também tinha o direito de explorar vinte quilômetros de cada lado da linha. O projeto nunca foi executado e aos poucos a proposta foi sendo adaptada em novas concessões até resultar na Estrada de Ferro Santa Catarina (EFSC) em Blumenau.

2.3. Estrada de Ferro Brusque a Itajaí - 1895

A Lei 193 de 14 de outubro de 1895, autorizou o governo a contratar quem interessasse para construir uma estrada de ferro de bitola estreita ligando as cidades de Brusque a Itajaí. O privilégio seria por 60 anos com garantia de juros de 6% ao ano sobre um capital empregado de quinze contos de réis por quilômetro. Poderiam ser utilizados os leitos das...

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